segunda-feira, 21 de março de 2016

Funcionário empreendedor: o sonho de consumo das corporações.

Lucia Freire de Almeida é gerente de recursos humanos da empresa de tecnologia Infracommerce e vive, segundo ela, a aventura de trabalhar no ambiente empreendedor de uma startup. Antes disso, trabalhou dez anos na Telefônica, onde recebeu dois prêmios de reconhecimento por ter perfil empreendedor. Segundo ela, a premiação ocorreu por ter se destacado como alguém que idealiza, planeja e realiza ações.
“Minha atuação era voltada às estruturas comerciais, tendo como clientes as áreas de marketing e vendas. Como RH, tenho olhar generalista com foco no desenvolvimento de pessoas e equipes, mas sempre atrelado a fazer acontecer para gerar resultados”, diz.
Ela conta que em uma das ações levou as equipes a um restaurante e distribuiu tarefas como descascar legumes, limpar chão, lavar louça etc. “Um dos objetivos era fazer as pessoas darem um passo à frente, se tornarem melhores como seres humanos e como profissionais.”
A proposta era mostrar que, na cadeia de valor, as coisas têm começo meio e fim. “Também precisava deixar evidente a importância do trabalho em equipe. Dessa forma, recriamos a postura dos profissionais e mostramos a importância da coparticipação, com cada um escrevendo uma parte da história, sempre com foco no cliente.”
Outro objetivo, segundo ela, era fazer com que assumissem o papel de dono. “Só assim venderiam de forma diferente e deixariam de se ver apenas como mais um no universo de oito mil colaboradores”, afirma.
Tatiana Brochado, funcionária da Johnson & Johnson, é outro exemplo de profissional que faz as coisas acontecerem. “Durante a faculdade, trabalhei na consultoria empresarial Integration Consulting, que tem escritórios em vários países. Primeiro, ajudei a fundar o núcleo de execução de projetos, compartilhando com outra pessoa a liderança de 40 funcionários.”
A jovem, hoje com 33 anos, conta que a mesma empresa deu a ela a missão de ir ao México fundar o escritório da companhia. Como é característico entre profissionais empreendedores, Tatiana valoriza o crescimento pessoal. Formada em administração pública pela FGV, fez MBA no Insper e Executive MBA em Barcelona. Retornando ao Brasil em 2014.
“Quando voltei da Espanha, fundei a Casa Cuca, que usa a neurociência para trabalhar com crianças com dificuldades de aprendizado. Após um ano e meio, percebi que gosto muito da atitude empreendedora, mas não do risco financeiro envolvido na atividade.” Diminuiu sua participação na sociedade e voltou para o mundo corporativo. “Entrei na área de estratégia e inteligência da Johnson. Desenvolvo e executo projetos estratégicos.”
Tatiana iniciou o trabalho em meados de 2015, já com a responsabilidade de fazer um projeto, que a empresa não divulga o conteúdo. “Acabei de apresentá-lo a todos os presidentes das unidades da América Latina.”
Novo perfil. Tanto Lucia quanto Tatiana podem se encaixar na categoria que o presidente da Associação Brasileira de Recursos Humanos de São Paulo (ABRH-SP), Theunis Marinho, chama de ‘empreegário’, o colaborador empreendedor e que pensa como empresário (mais informações no texto abaixo). Esse perfil é considerado por muitos consultores de recursos humanos como o objeto do desejo das empresas.
A diretora da Trajeto Consultoria em RH, Angélica Guidoni, afirma que a partir dos anos 2000, com o reforço da globalização, o mercado de trabalho também se abriu e as pessoas passaram a buscar formação por conta própria e a cuidar de sua empregabilidade.
Hoje, diz, o funcionário decide o que quer trazer de contribuição ao negócio da empresa. “Este é o funcionário que as corporações querem. Ele tem de ter conexão com o que acontece no mundo e contatos para ter com quem contar para atingir os objetivos. Ele procura melhorar habilidades que não são fortes. Tem muita energia e vontade.”
Angélica diz que saber se relacionar com essa energia é tudo. “Não adianta ser um trator e atropelar os colegas. Tem de trabalhar em equipe e atrair os demais com sua motivação.” A consultora afirma que cuidar da empregabilidade é o futuro. “Hoje, a tendência é a pessoa ser dona daquilo que vai construir para si.”
Consultora da Oggi RH, Kátia Duarte conta que estudiosos definem esse profissional como quem detecta oportunidades, olha à frente, enxerga caminhos e tem ideias que provavelmente outras pessoas não perceberam antes. “Ele tem iniciativa, é persistente e leva as ideais adiante. Assume riscos calculados, é inovador e bastante sociável, porque sabe que precisa ter uma boa rede de contatos para ajudá-lo de alguma forma. É formador de opinião, comprometido e exigente com ele mesmo.”
Segundo ela, esse profissional busca melhorar sua capacidade pessoal e incentiva outros a fazer o mesmo.
Perfil torna o funcionário estratégico para companhia
O presidente da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH-SP), Theunis Marinho, conta que está surgindo no mercado uma categoria de funcionário denominado ‘empreegário’. “É o funcionário com espírito de empresário. De cara, são as pessoas mais promissoras para fazerem carreira”, afirma.
Segundo ele, pela maneira como se posiciona, a empresa identifica os profissionais que têm espírito empreendedor. “Eles não são só cumpridores de ordens ou bons líderes motivacionais. Têm garra, ideias e criatividade”, diz.
Marinho afirma que ter boas ideias e ser muito participativo em reuniões, não basta. “O mundo está cheio de gente que gosta de ter ideias e falar, assim como de pessoas que só gostam de fazer o que são mandadas. Pessoas que gostam de fazer as duas coisas são poucas.”
Um ‘empreegário’ com espírito visionário aliado ao perfil de líder, que além de propagar suas ideias e contribuir com inovações também angaria adeptos, é um profissional completo. “A soma dessas características faz dele uma pessoa estratégica para a empresa.”
Marinho considera que quem demonstra essas aptidões desde muito jovem, deve procurar entender do negócio, não só do mercado e clientes, mas também da parte técnica. “Entender de um negócio é como estar com um GPS na mão, serve de apoio para chegar onde se quer.”
Segundo ele, quando essa pessoa tem ambição financeira, após ganhar experiência em uma corporação, costuma sair para empreender. “Mas pode cair em uma armadilha, porque não terá toda a infraestrutura de apoio com a qual estava acostumado. Outros preferem crescer na carreira e permanecem na corporação. Para quem tem perfil empreendedor, ambas são opções promissoras.”
Marinho afirma que a pior coisa é a pessoa ter talento e habilidade e fazer tudo só por dinheiro. “O dinheiro deve ser a consequência de seu esforço, não o objetivo principal.”
‘As companhias buscam profissionais de alto desempenho’
Quais as características que definem o perfil de um profissional empreendedor?
Informalmente, costuma-se dizer que funcionário empreendedor é aquele que tem perfil de ‘dono’, ou seja, aquele que empreende e realiza.
E o que é empreender dentro de uma corporação?
Empreender significa resolver um problema, transformar uma ideia em projeto, desenvolver um produto, criar ou melhorar um processo. Significa, também, agregar valor, saber identificar uma oportunidade e transformá-la em um negócio lucrativo. Nem todos os empreendedores exercem a profissão de empresário. Podemos encontrar perfis empreendedores atuando em diversas profissões. É um perfil usualmente descrito por competências. O funcionário com perfil empreendedor tem como destaque competências de liderança; orientação para resultados e iniciativa; confiança em si e no projeto profissional; coragem de assumir riscos e persistência.
Quais são as atitudes e a postura mental que caracterizam pessoas com este perfil?
Comprometimento com a empresa e seus objetivos, foco, alto nível de energia e busca constante por soluções de problemas ou por novas oportunidades são atitudes que merecem destaque em pessoas empreendedoras. São profissionais que podem parecer inquietos, mas estão em busca de novas práticas e questionam os métodos tradicionais, se necessário. A postura é predominantemente otimista, acreditam nas oportunidades, assumem o risco da inovação e, em especial, transformam os planos que assumem em realidade.
Numa entrevista de seleção, como avaliar se o candidato é empreendedor?
Uma boa maneira de avaliar um empreendedor é analisar as suas realizações, pois o ponto forte dos profissionais com esse perfil são as entregas. As entrevistas por competências, que questionam tais realizações e o papel exercido pelo avaliado para alcançar seus objetivos, costumam clarificar as habilidades pesquisadas. Em processos seletivos, pode-se realizar uma avaliação bastante abrangente de perfil, associando entrevistas, analise da experiência profissional e instrumentos específicos para esse fim. Se a análise envolver empregados, o histórico de suas realizações e sua resposta diante dos desafios enfrentados, pode tornar ainda mais completa essa avaliação.
Por que hoje tantas empresas buscam funcionários com essas características?
As empresas buscam funcionários de alto desempenho, comprometidos com seus objetivos e que tenham iniciativa e energia para enfrentar os desafios e obstáculos encontrados. O empreendedor é acima de tudo um realizador, alguém que transforma ideias e planos em práticas, que foca na solução e não no problema, e que, além disso, é comprometido com os resultados. O perfil empreendedor une as habilidades de planejamento e de execução, uma associação de competências tão valiosa quanto difícil de ser encontrada no mercado.
E quem não tem naturalmente este perfil, pode construí-lo? De que forma?
Sim, as pessoas podem desenvolver novas competências ou habilidades, e isso também vale para as competências específicas do perfil do empreendedor, porém, isso requer esforço, investimento de tempo e disposição de mudar atitudes e comportamentos. Trata-se de um trabalho que envolve autoavaliação constante e um plano de ação focado no processo de desenvolvimento desejado.
 Fonte: O Estado de São Paulo, por Cris Olivette, 20.03.2016

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