Ser demitido depois de anos de serviço na empresa não é uma sensação nada agradável para um trabalhador. Mas o pior para o vigilante João Batista foi saber que, após a demissão, a empresa não iria pagar as verbas trabalhistas referentes aos mais de 30 anos de serviço. “Na hora de receber a quitação, não houve a quitação! O importante era receber o dinheiro”, lembra.
A empresa onde João trabalhava prestava serviços de vigilância e limpeza para órgãos públicos da União e do Distrito Federal. Quando declarou falência, sem pagar as verbas trabalhistas, os mais de mil e duzentos empregados procuraram a Justiça do Trabalho. Atualmente, os litígios estão em fase de execução, etapa em que se cobram as dívidas trabalhistas depois da condenação ou acordo judicial.
A arrecadação dos recursos para pagar esses trabalhadores tem sido feita pela venda direta de imóveis do grupo empresarial. A estratégia é uma tentativa para acelerar o procedimento de execução. Durante a investigação para penhora, o advogado Jonas Duarte, que representa parte dos empregados demitidos, identificou uma tentativa de fraude por parte da empresa para evitar a execução trabalhista: “Os imóveis com os quais a empresa estaria permutando só têm um valor de R$ 22 milhões, ou seja, a empresa está se desfazendo de um bem de R$ 40 milhões por outros, que somados, dão R$ 22 milhões. Isso despertou a nossa curiosidade e suspeitamos que houvesse indício claro de fraude à execução”, conta o advogado.
De acordo com o coordenador da Comissão Nacional de Efetividade da Execução Trabalhista, juiz Homero Batista, essa alteração do patrimônio é bastante frequente. “Às vezes a empresa nem está tão mau, mas esconde um pouco de dinheiro e, de repente, se declara falida porque a falência gera alguns benefícios para o falido, como o perdão de algumas dívidas e prazos diferenciados. Isso é um subterfúgio utilizado”, explica o juiz.
Fraudes comuns
São vários os tipos de fraudes identificados em processos em fase de execução na Justiça do Trabalho. Além da venda e a transferência de bens para terceiros, é frequente o sócio da empresa que foi réu na ação passar os bens ao ex-cônjuge ou familiares, que nem possuem renda própria para aquisição. Mas, quando é identificada a fraude na fase de execução, o próprio juiz pode anular o acordo patrimonial, como destaca o advogado Hugo Leal: “Ele desconsidera aquele acordo patrimonial e faz com que aquela massa patrimonial volte ao bem do devedor pelo princípio da despersonalização da ação do empregador. Eles conseguem, através da realidade daquilo que se verifica no campo fático, alcançar também as pessoas que seriam proprietárias desses bens”.
Também são consideradas formas de fraude à execução a remessa de dinheiro dos devedores ao exterior e até a realização de arrematações fraudulentas em leilões judiciais, quando o devedor tenta adquirir o próprio bem, a um valor baixo, usando os chamados laranjas. Quem comete fraude à execução pode responder criminalmente na Justiça Comum. Na esfera trabalhista, o devedor fica sujeito a multa de 20% por ato atentatório à dignidade da Justiça ou litigância de má-fé.
Combate às fraudes
Estima-se que 70% dos processos trabalhistas em fase de execução ainda não foram solucionados. Grande parte devido à dificuldade de localização de bens dos devedores. É por isso que a Justiça do Trabalho utiliza alguns sistemas de informação, como o Bacenjud, que interliga a Justiça a informações bancárias, o Infojud, que permite aos juízes o acesso ao cadastro de contribuintes na base de dados da Receita Federal e o Renajud, que une o Poder Judiciário e o Departamento Nacional de Trânsito (Denatran) para localização de veículos. Além disso, por meio de um acordo de cooperação técnica com a Procuradoria Geral da República, magistrados de todos os Tribunais Regionais do Trabalho têm acesso ao Sistema de Investigação de Movimentações Bancárias, o Simba.
Para ajudar a combater fraudes à execução trabalhista, há ainda o trabalho da Comissão Nacional de Efetividade da Execução Trabalhista e dos Núcleos de Pesquisa Patrimonial nos TRTs. De acordo com o presidente do Tribunal Superior do Trabalho, ministro Barros Levenhagen, o combate a fraudes na execução não é dever apenas do juiz. Essa medida deve ser feita, também, antes do processo ser encaminhado à Justiça: “O juiz lança mão de todos esses instrumentos, mas é importante que o advogado o auxilie, faça levantamentos, descubra, por exemplo, se há laranjas, ou seja, pessoas que receberam bens para evitar a execução”.
Para o advogado Jonas Duarte, “o Judiciário Trabalhista brasileiro é um dos que mais persegue o cumprimento da execução até porque ele tem o poder de agir de ofício com mais força do que tem o juízo cível”. Exemplo disso é o resultado do trabalho dos servidores e magistrados do Juízo Auxiliar em Execução, do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, em São Paulo, para julgar os mais de cinco mil e duzentos processos contra a extinta Vasp, que antes de decretar falência, em 2008, não pagou as verbas trabalhistas dos empregados. O ex-presidente da Vasp, Wagner Canhedo, chegou a ser condenado e preso em 2012 por crime de apropriação indébita e, em 2013, por fraude fiscal. Também foram identificadas fraudes nas execuções trabalhistas. Mesmo assim, juízes do TRT da 2ª região conseguiram garantir aos trabalhadores da Vasp o primeiro alvará com valores indenizatórios.
Reportagem do programa Jornada. Assista às edições aqui.
Fonte: Tribunal Superior do Trabalho, 17.09.2015
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