O exercício do direito à liberdade sindical na formação de sindicatos ou associações profissionais está assegurado pela Constituição Federal de 1988, no artigo 8º, que, por força do que dispõe em seu inciso I, impôs, diante da vedação de intervenção do Estado nas questões sindicais, a extinção da Comissão de Enquadramento Sindical, criada no âmbito do Ministério do Trabalho e Emprego e que tinha como objetivo decidir sobre a formação de novos sindicatos e preservar a herdada unicidade sindical.
Naquele tempo, o que se discutia e o que se decidia era a legitimidade de trabalhadores formarem sindicatos de sua livre escolha, às vezes por desmembramento de alguns em razão da extensão inadequada de categorias representadas e outras vezes para acomodar os interesses políticos de dirigentes sindicais.
Ocorre, todavia, que os novos sindicatos, formados a partir da Constituição Federal, encontram uma enorme barreira para seu reconhecimento, e não raro as disputas são decididas pelo Judiciário Trabalhista que, ao final e ao cabo, por meio de sentença faz o papel da extinta comissão de enquadramento sindical. Em lugar de carta sindical agora as entidades sindicais têm uma decisão judicial que, no limite, engessará a estrutura sindical e criará um bloqueio para que os trabalhadores exerçam o direito à liberdade sindical.
A reflexão sugerida nesse tipo de ação nos remete à identificação do bem jurídico que se pretende ver protegido: a) o exercício da liberdade sindical; b) a representatividade de trabalhadores; c) o direito de atuar na base territorial; d) o direito de obstar que haja mais de uma representação sindical; ou e) o direito à contribuição sindical.
Para qualquer uma das situações indicadas levará o julgador ao controle do exercício do direito à liberdade sindical, e a decisão que julgar em favor de um agrupamento ou outro implicará a negação da sua própria decisão, porque não poderia negar a garantia constitucional.
Se fosse para reconhecer a preservação de sindicatos sem legitimidade, mas que chegaram ao modelo herdado em primeiro lugar, a decisão estaria sufocando a iniciativa de criação de novos sindicatos e, de novo, estaria negando o direito à liberdade sindical.
Então, o que se preserva como direito? A garantia da unicidade sindical não poderá ser maior do que o direito à liberdade sindical. A disputa judicial pelo reconhecimento da representatividade traz um conservadorismo de intervenção do Estado nas questões sindicais. Se admitirmos que uma entidade sindical, expressão máxima de organização livre dos trabalhadores, pleiteie em juízo a intervenção do Judiciário para impedir que seja assegurado o mesmo direito a outro grupo, não estaríamos agindo contrariamente à garantia constitucional?
O Tribunal Superior do Trabalho, em decisão recente, considerou o critério da especificidade como definidor para o enquadramento sindical, sustentando-se nos artigos 570 e 571, ambos da CLT, afirmando “que cabível o desmembramento autorizado por lei, quando as atividades similares e conexas, antes concentradas na categoria econômica mais abrangente, adquirem condições de representatividade por meio de sindicato representativo de categoria específica” (E-ED-RR 880-42.2010.5.02.0072, relator ministro: Alexandre de Souza Agra Belmonte, data de julgamento: 26/02/2015, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, data de publicação: DEJT 20/03/2015).
Bem se vê que a sustentação da decisão está lastreada em disposição legal que interfere diretamente na organização sindical e nega o princípio da liberdade sindical, atuando na mesma sistemática da extinta comissão de enquadramento sindical.
Em outro caso, noticiado em 1° de janeiro de 2013, pelo sítio do Tribunal Superior do Trabalho, em acórdão da lavra do ministro Maurício Godinho Delgado, (processo TST-RR-126600-88.2010.5.16.0020), a 3ª Turma da corte manteve decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 16ª Região em que o conflito de representação foi definido com base no princípio da agregação em lugar da especificidade, identificando como representativo o sindicato com categoria profissional mais larga e abrangente, além de mais antigo.
Nos dois casos, os fundamentos trazidos para dirimir a controvérsia de representação são de aplicação de normas de ordem puramente administrativa que esbarram no princípio maior do direito à liberdade sindical e que não se poderia negar a grupos independentes e legitimamente constituídos.
(*) Paulo Sergio João é advogado e professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e da Fundação Getulio Vargas.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, por Paulo Sergio João (*), 11.09.2015
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