Juízes e autoridades dos Estados Unidos refletem sobre o que significa ser um empregado atualmente.
De tantas em tantas décadas, as normas que regulam as relações trabalhistas nos Estados Unidos passam por uma transformação profunda. Nos anos 1930, Franklin Roosevelt fez a balança pender em favor dos trabalhadores. Na década de 1980, Ronald Reagan tornou a reequilibrá-la, beneficiando os patrões. Duas novas decisões jurídicas abrem a possibilidade de que o equilíbrio esteja se modificando mais uma vez.
O NLRB, em cujo conselho há uma maioria democrata de 3 contra 2, vem adotando postura mais próativa desde 2011, quando ofereceu denúncia (ainda em análise) contra a Boeing, por conta da transferência de uma de suas linhas de produção de aviões para uma fábrica em que os funcionários não eram sindicalizados. O órgão também avalia a possibilidade de determinar que o McDonald’s seja empregador solidário dos funcionários de suas lanchonetes franqueadas. Em junho, a FedEx concordou em pagar US$ 228 milhões para encerrar uma ação movida por motoristas na Califórnia, que se queixavam de serem tratados pela companhia de remessas expressas como prestadores de serviço, e não como empregados. No mesmo mês, uma motorista do Uber obteve decisão favorável da agência que supervisiona as relações trabalhistas na Califórnia, estabelecendo que ela era, conforme sua reivindicação, uma empregada (o Uber recorreu da decisão).
No cerne de todos esses casos, jaz uma questão fundamental: o que significa atualmente ser um empregado num país como os Estados Unidos, cuja economia faz uso extensivo de empresas terceirizadas e franquias? Se obtiverem decisões desfavoráveis, empresas como o McDonald’s talvez tenham de repensar seus modelos de negócio. As companhias da economia “on demand”, que auxiliam quem trabalha como freelance a oferecer caronas, serviços de limpeza e entregas de refeições, possivelmente terão custos mais elevados e menos flexibilidade.
Os conflitos surgem em meio à insatisfação com o aumento da desigualdade e a estagnação salarial. Algumas empresas que atuam no segmento “on demand”, como o aplicativo de valets Luxe, e a Instacart, que faz entregas de compras de supermercado, estão contratando como empregados indivíduos que até agora eram seus prestadores de serviços. A Homejoy, empresa que oferece serviços de faxina, diz ter fechado as portas por culpa da incerteza em relação das leis trabalhistas.
Se a mudança em curso terá um impacto mais abrangente, isso é algo que ainda não dá para prever. Entre os democratas, não há consenso sobre a oportunidade de uma nova rodada regulamentação do mercado de trabalho, como havia na época de Roosevelt: Barack Obama deixou a batata quente nas mãos do NLRB e, quando se pronuncia sobre o assunto, Hillary Clinton não vai além dos lugares-comuns. Os republicanos, que devem manter o controle sobre a Câmara dos Deputados por um bom tempo ainda, são radicalmente contra as mudanças, e já elaboram projetos de lei para reverter a decisão que prejudicou a Browning-Ferris.
Tanto Roosevelt quanto Reagan remaram a favor da corrente das transformações econômicas: as políticas de Roosevelt eram adequadas a uma era de grandes empresas e grandes sindicatos; as de Reagan convinham a um período em que predominavam a flexibilidade e empreendedorismo. Segundo o professor Jerry Davis, da Ross School of Business Administration, da Universidade de Michigan, na época em que havia muito mais gente trabalhando nas indústrias e não era preciso mobilizar tantos operários para interromper uma linha de montagem, os trabalhadores levavam vantagem. Hoje é significativamente maior o número de pessoas empregadas em lojas e lanchonetes de fast-food, onde é mais difícil organizar greves que afetem de fato o bolso dos patrões.
A tecnologia móvel facilita a criação de “mercados de pronta-entrega” para os mais variados serviços e competências. E a globalização permite transferir todo tipo de emprego para outros países. No setor privado, a proporção de trabalhadores sindicalizados caiu de 20,1%, em 1980, para apenas 6,6%, atualmente.
O problema da recente enxurrada de disputas entre capital e trabalho é que os órgãos reguladores e os juízes estão tentando aplicar soluções do século 20 para dilemas do século 21. Nos Estados Unidos, a legislação trabalhista, ainda ancorada na lei Fair Labour Standards – aprovada pelo governo Roosevelt em 1938 –, adota uma distinção binária entre empregadores e empregados e supõe que o trabalhador típico é um indivíduo contratado em período integral, cujo salário é a única fonte de subsistência de seus familiares. Não parece ser um retrato muito fiel do mundo do trabalho hoje em dia.
Fonte: O Estado de São Paulo / The Economist, 09.09.2015
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