Em busca de eficiência e produtividade em um cenário econômico incerto, companhias de todos os portes vêm voltando os olhos para dentro de casa. No último ano, os planos de recrutar e expandir equipes têm dado lugar aos investimentos em programas de avaliação, chamados de “assessment”, e de desenvolvimento de pessoas. O objetivo é separar o joio do trigo na hora de demitir ou promover.
“A demanda por assessment nos primeiros quatro meses do ano foi equivalente à que tivemos o ano passado inteiro”, afirma Fausto Alvarez, sócio da Kienbaum, consultoria de recursos humanos. O assessment é uma ferramenta de avaliação de competências e aderência à cultura da empresa, normalmente usada durante o processo de recrutamento, antes de o profissional ingressar na companhia para medir o potencial e definir a trajetória de funcionários e posições-chave.
Nos últimos meses, explica Alvarez, a procura por esse serviço vem sendo reforçada pela decisão de algumas empresas de reduzir quadros. “O assessment aponta o potencial de crescimento dos profissionais e, assim, é muito útil em processos de reestruturação.”
Segundo o sócio da Kienbaum, nas crises passadas algumas empresas se excederam, cortando pessoas demais ou talentos que poderiam trazer bons resultados no futuro. “É arriscado tomar uma decisão como essa para depois se arrepender. Essa crise pode durar muito, mas também pode se resolver no segundo semestre”, diz.
A maior parte da demanda tem como objetivo traçar planos de carreira e garantir o desenvolvimento de profissionais-chave, normalmente em posições de liderança. “Em mercados passando por muitas mudanças, é preciso identificar talentos para traçar seus planos de desenvolvimento”, afirma Leandra Pisciottano, gerente da unidade de assessment do Page Group.
Na Rexam, multinacional fabricante de embalagens com 1.900 funcionários na América do Sul, o programa de assessment foi reformulado há pouco mais de um ano. Segundo Paulo Mota, diretor de relações organizacionais, a empresa tinha um processo de avaliação de desempenho interno e, em 2013, decidiu contratar uma consultoria para desenhar um novo programa, que se manteve restrito à alta liderança.
“Ter pessoas preparadas é uma questão fundamental de governança, independentemente da situação econômica. É indispensável, inclusive, para alimentar a cadeia sucessória”, afirma Mota, justificando o investimento financeiro no assessment. Segundo ele, o custo do novo programa é aproximadamente cinco vezes mais caro que o anterior. “Uma posição vaga em um cargo sênior tem um grande impacto sobre o negócio.”
A expansão do assessment não é mais exclusividade de multinacionais. Ela hoje acontece também entre empresas médias e de capital nacional. “Essas organizações já começam a repensar suas estruturas”, afirma João Márcio Souza, diretor geral da Talenses Executive.
Na Conquest One, empresa brasileira de outsourcing em tecnologia com 300 funcionários, o assessment existe há 18 anos, mas ganhou cara nova nos últimos dois. A avaliação, que atinge todos os profissionais da companhia, passou a ter um componente digital. “Como a maioria dos nossos funcionários trabalha de forma remota, em home office ou no cliente, era essencial criar um sistema que fosse acessível para todos”, explica o sócio Marcelo Viana.
Este ano, a empresa oferece o assessment – que avalia competências como foco no cliente, argumentação, colaboração e resiliência – via on-line. O próximo passo, segundo Viana, é implementar a avaliação em aplicativos móveis, desenvolvidos pela própria empresa. “O acompanhamento é essencial, pois nem todos os profissionais estão sob a nossa visão.”
A inovação, segundo ele, não significa perda na qualidade do serviço. “A avaliação é um trabalho preventivo que identifica pontos a desenvolver em cada profissional. No final, é gerado um plano de desenvolvimento individual que aponta a necessidade de treinamento ou coaching, por exemplo, em um planejamento de atividades de médio e longo prazo”, afirma.
Ter funcionários sem cargo de liderança participando de programas sofisticados como o assessment ainda é novidade para empresas no Brasil, mas esse cenário está mudando. De acordo com Caroline Marcon, diretora do Hay Group, o chamado assessment em massa, que abrange profissionais de menor senioridade como coordenadores e gerentes, é muito comum nos Estados Unidos e Europa. “Nos últimos dois anos, a demanda se tornou mais frequente por aqui”, diz. A aplicação com esse viés geralmente é on-line e “peneira” profissionais de acordo com suas competências – em um grupo de 200 pessoas, por exemplo, é possível selecionar 20 para um processo mais detalhado com entrevistas e etapas presenciais.
Esse é o caso da Mandic, empresa de serviços de tecnologia em nuvem, onde o assessment é direcionado para os talentos que podem estar em qualquer nível de senioridade. “Temos até um analista júnior participando do processo”, afirma Romi Schneider, diretora de RH. Ela explica que o profissional é indicado pelo comitê de diretores e, ao ter suas competências avaliadas, entra em um processo de desenvolvimento individual. Implementado no ano passado, o programa vem dando resultados – dos 14 profissionais escolhidos, 3 já foram promovidos.
Rafael Costa, de 31 anos, começou a participar do programa de assessment no final do ano passado e, em março, assumiu a posição de diretor de operações e soluções ao cliente da Mandic. No processo, que incluiu entrevistas, mentoring e testes comportamentais e de gestão, Costa identificou algumas lacunas que precisava trabalhar para atingir o próximo degrau. “O principal desafio foi ter uma visão maior do negócio. Como vim de uma área técnica, tive que entender o impacto dos serviços prestados pela empresa de forma mais ampla”, conta. Hoje, Costa comanda uma equipe de 80 pessoas.
O setor de tecnologia, assim como outros menos afetados pela crise, como serviços financeiros e a indústria farmacêutica, estão entre os que mais demandam o assessment. Um exemplo é a a farmacêutica americana Mundipharma, que chegou ao Brasil em 2013 e vem desenvolvendo, desde então, um programa para posições de liderança na área comercial e em toda a área de oncologia, que exige profissionais com perfis muito específicos.
“É um processo muito detalhado e customizado”, enfatiza Geisa Angeli, diretora de RH. O projeto, no qual participam cerca de 30 pessoas, é feito em parceria com uma consultoria e vem se tornando exemplo para programas de desenvolvimento semelhantes em outros países. A opção pelo assessment, segundo ela, é uma questão de competitividade. “O mercado está mais acirrado. É fundamental acreditar no plano de negócios, ter a estratégia certa e a certeza de que se tem as melhores pessoas.”
Fonte: Valor Econômico, por Vívian Soares, 02.07.2015
Nenhum comentário:
Postar um comentário