Ser competente, disciplinado e ter autocontrole sobre suas atitudes são características, à primeira vista, positivas no ambiente de trabalho. No entanto, um novo estudo da Duke’s Fuqua School of Business, publicado na Business Insider sugere que as pessoas com esse perfil – aquele tipo que lembra o aniversário de todo mundo, pede salada em vez de batatas fritas, topa projetos fora de sua descrição de cargo e resolve conflitos facilmente – pagam um preço por ter essas virtudes.
É o efeito colateral de ser certinho. “As pessoas sempre falam sobre como é bom ter autocontrole”, diz a pesquisadora Christy Zhou Koval, candidata a Ph.D. e uma das autoras do estudo, que foi publicado no mês passado pelo Journal of Personality and Social Psychology. E, de fato, sob diversos pontos de vista, ter esse comportamento é algo positivo. “Pessoas determinadas encontram o que buscam”, afirma ela. “São melhores em perseguir objetivos. Estabelecem relações de parceria muito boas.” Segundo a pesquisadora, esses profissionais também costumam ter melhores situações financeiras do que os pares menos disciplinados, tendem a ser mais saudáveis e geralmente têm relações interpessoais de melhor qualidade.
Mas, embora as parcerias e as relações interpessoais sejam destacados como pontos fortes dos mais certinhos, no estudo, é possível que essas relações se limitem ao contato superficial. Quem levanta o ponto é Renata Filippi, diretora geral de recrutamento da consultoria brasileira Stato. Segundo ela, pessoas com esse perfil devem tomar cuidado para não passar do ponto e se tornarem chatas aos olhos dos demais. “O profissional politicamente correto, perfeccionista, às vezes é excessivamente metódico”, afirma. “Ele pode acabar prejudicando suas relações de trabalho porque as pessoas gostam de se divertir, de tomar um chope juntas no fim do expediente, de dar risada, de jogar futebol juntas. E, muitas vezes, o disciplinado demais não tem tempo nem para uma brincadeira.”
As relações de lazer fora do trabalho são, para a consultora, um elemento que também contribui para as relações na empresa. “As interações descontraídas geram conexão entre as pessoas. Acaba surgindo uma afinidade entre elas, que pode ajudar em uma reunião para negociar com outro departamento ou na hora de ser flexível para contribuir com o colega. O certinho demais pode criar um distanciamento de seus pares.”
O ônus para ele – o bônus para os outros
Outro efeito colateral do alto nível de autocontrole, segundo os pesquisadores de Duke, é uma frequente sobrecarga de atividades. Os outros tendem a esperar mais de colegas que fazem mais. A pesquisadora e seus colegas descobriram, com seu estudo, que temos a tendência a dar mais e mais trabalho para as pessoas que demonstram competência e disciplina – o que, de novo, faz todo sentido. Porém, o fato de a pessoa fazer mais não significa que esteja sendo mais fácil para ela do que seria para os outros. “As tarefas exigem o mesmo esforço de pessoas com autocontrole”, diz Christy – a diferença é que elas são melhores no quesito persistência. Elas também tendem a se adaptar melhor às estratégias. E, por isso, podem facilmente ter seu desempenho subestimado.
Pessoas com esse perfil disciplinado podem se tornar um problema para os gestores menos atentos. Porque a tendência é que se sacrifiquem mais por seus colegas de trabalho, segundo os pesquisadores, mesmo quando esses sacrifícios custam seus objetivos pessoais. “Quando um gestor tem um subordinado que cumpre a tudo pronta e perfeitamente”, diz Renata Filippi, “a tendência é você ocupá-lo com ainda mais tarefas.”
Em uma empresa com avaliação meritocrática, isso não é um problema. Afinal, quem faz mais é reconhecido por isso. Ganha espaço, mais áreas para tomar conta e mais alta remuneração. Portanto, o esforço se converte em ganhos palpáveis.
O problema é quando a empresa não tem um sistema meritocrático. “E muitas não têm”, diz a consultora. “Há companhias que têm até um pouco de dificuldade de valorizar as pessoas que surpreendem e entregam mais do que o esperado. Apenas aumentam o volume de trabalho, sem aumento de salário nem promoção.” É claro que, com o tempo, essa situação é frustrante para o profissional competente.
Os pesquisadores de Duke, porém, não sugerem que as pessoas com alto nível de autocontrole deixem de ser assim. Os benefícios da competência e da disciplina ainda superam os custos, dizem eles.
Mas os gestores (e os colegas de trabalho) devem prestar a atenção no próprio comportamento para não abusar dos mais disponíveis – sob o risco de perdê-las de vista.
Fonte: Época, 29.07.2015
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