Há vários anos, acadêmicos, empresários e dirigentes sindicais –laborais e patronais– vêm propondo mudanças na CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), de modo a dar força àquilo que é livremente negociado entre as partes junto com a assistência dos sindicatos.
Das várias tentativas encaminhadas ao Congresso Nacional, uma chegou a ser aprovada pela Câmara dos Deputados, mas foi retirada a pedido do ex-presidente Lula. Trata-se do PL 5.483/2001.
Outra foi a emenda 155. Apesar de aprovada pela comissão especial da Câmara, que deu parecer sobre a Medida Provisória 680, foi rejeitada no plenário.
Em 2015, entrou em campo um peso pesado do Poder Judiciário, o ministro do STF Luis Roberto Barroso. Em voto no Recurso Extraordinário 590.415 do Banco do Brasil, ele propugnou que no âmbito do direito coletivo do trabalho não se verifica a mesma situação de assimetria de poder presente nas relações individuais.
Isso significa que, pela via da negociação coletiva, as partes têm total liberdade para estipular o que acham mais conveniente, preservadas, é claro, as normas constitucionais, de saúde e de segurança do trabalho.
Em seguida, o ministro faz a distinção entre o modelo de normatização autônoma –baseado na liberdade das partes– e o modelo de normatização heterônoma –baseado exclusivamente nas leis. Ele distingue os dois dizendo que:
1. O modelo de normatização autônoma se caracteriza pelo predomínio de normas baseadas na autonomia privada das categorias de empregadores e de trabalhadores. Esse é o modelo das democracias consolidadas, defendido pela Organização Internacional do Trabalho.
2. O modelo de normatização heterônoma que prevalece no Brasil segue um padrão corporativo-autoritário que rejeita a autocomposição e a produção de normas privadas.
Mais importante do que essa distinção é a observação de que a Constituição de 1988 optou pelo modelo de normatização autônoma, pois ela, conforme o ministro, “prestigiou a autonomia coletiva da vontade e a autocomposição dos conflitos trabalhistas”.
Com base nisso, Barroso conclui que aquela Constituição se afastou do modelo corporativo-autoritário ao inserir no artigo 7º inúmeros direitos sujeitos à negociação coletiva. Para comprovar sua tese, cita incontáveis exemplos.
Em seguida, declara com todas as letras a supremacia da negociação coletiva, ao afirmar que “as regras autônomas juscoletivas podem prevalecer sobre o padrão geral heterônomo, mesmo que sejam restritivas dos direitos dos trabalhadores, desde que não transacionem setorialmente parcelas justrabalhistas de indisponibilidade absoluta […]”.
Mais adiante, ele reforça a referida supremacia, quando diz que a negociação coletiva busca incentivar o diálogo e possibilita que as próprias categorias econômicas e profissionais disponham sobre as regras às quais se submeterão, garantindo aos empregados um sentimento de valor e de participação.
Segundo o ministro, “a concepção paternalista que recusa à categoria dos trabalhadores a possibilidade de tomar as suas próprias decisões, de apreender com seus próprios erros, contribui para a permanente atrofia de suas capacidades cívicas e, por consequência, para a exclusão de parcela considerável da população do debate público”.
Com isso, o ministro Barroso conclui que não deve ser vista com bons olhos a sistemática invalidação dos acordos coletivos de trabalho com base em uma lógica de limitação da autonomia da vontade exclusivamente aplicável às relações individuais de trabalho. Também que o reiterado descumprimento dos acordos provoca seu descrédito.
O voto do ministro Barroso foi acompanhado por todos os demais ministros. Ou seja, foi uma decisão unânime do Supremo Tribunal Federal.
Portanto, a cruzada em busca da liberdade para as partes estabelecerem, por negociação coletiva, regras diferentes das leis não está perdida. Além do importante reforço do STF –acima indicado–, continuam tramitando no Congresso Nacional vários projetos de lei com o mesmo teor, como, por exemplo, os PLs 4193/2012 e 8294/2014. Vale a pena continuar lutando.
(*) José Pastore é presidente do Conselho de Emprego e Relações do Trabalho da Fecomercio-SP, professor da FEA/USP e membro da Academia Paulista de Letras.
Fonte: UOL Economia, por José Pastore (*), 13.04.2016
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