Você aceitaria suborno para beneficiar algum fornecedor na empresa em que trabalha? Como reagiria se seu chefe lhe pedisse para integrar um esquema irregular? Você já roubou dinheiro da empresa?
Perguntas como essas têm sido feitas em processos de seleção ou promoção em empresas privadas pelo país com o objetivo de identificar (e evitar) profissionais que apresentem alguma inclinação para cometer fraudes, desvios e atos de corrupção.
A abordagem tem nomes distintos. Mas todas tentam avaliar integridade, honestidade e capacidade de resistir em situações irregulares. Empresas que aplicam esses testes dizem que bancos, grandes varejistas, empresas de segurança e tradings de commodities são algumas das que costumam contratar seus serviços.
Há muita polêmica em torno do assunto. Afinal, qual é a eficiência desse tipo de teste? Quem é que dá respostas comprometedoras sobre si mesmo revelando más intenções ou desprezo por ética em uma entrevista de emprego? Ou então: há mesmo alguma técnica que realmente consiga apontar que tal pessoa tem mais ou menos chance de mentir, enganar ou roubar no futuro?
Especialistas acostumados em confrontar profissionais de diversos níveis com perguntas dessa natureza afirmam que a forma como as pessoas escrevem, falam e se comportam diante desses temas revela, sim, pontos fracos no campo da ética, honestidade e integridade.
Algumas empresas dão muito valor para uma avaliação que trate dessas características, especialmente quando estão escolhendo alguém para um cargo de maior sensibilidade.
“Eles nos chamam geralmente para cargos em que há mais riscos, por exemplo, gerentes de segurança ou gerentes financeiros”, diz a psicóloga Lyani Prado. Ela atua em uma empresa de São Paulo, a Integpro, que aplica no Brasil o chamado Teste de Integridade.
Um dos seus clientes é uma empresa que faz manutenção em caixas automáticos. “Somos chamados quando estão contratando mecânicos para trabalhar com essas máquinas.” O teste, conta ela, foi criado por um israelense especialista em polígrafos (os velhos detectores de mentiras) chamado Tuvya Amsel.
São 127 questões. Algumas bem diretas. Os entrevistados respondem via web. Em alguns casos, segue-se uma entrevista pessoal. Neste momento, o entrevistador, conta Lyani, observa o tom de voz, as expressões faciais, a posição do corpo e o balançar da perna do candidato.
“Depois, eu discuto os casos com quem me contratou., Eles decidem se contratam, promovem ou transferem a pessoa para outra área. Mas, geralmente, ficam com a pulga atrás da orelha”, diz ela, se referindo a situações em que a avaliação de um candidato não é muito positiva.
Renato Santos, sócio da S2 Consultoria, também especializada nessa abordagem, diz que não carimba um entrevistado de honesto ou desonesto. “O resultado que apresentamos mostra o grau de resiliência das pessoas em situações como uma de oferta de suborno e qual a sua suscetibilidade para praticar assédio sexual ou moral com subordinados, por exemplo”, diz ele. Seu método de entrevista se chama Potencial de Integridade Resiliente (PIR) e consiste em 80 perguntas, algumas delas por escrito, outras discursivas. O candidato é filmado durante todo o teste. Suas expressões, tom de voz, posição do corpo também são avaliadas.
Santos e Lyani dizem que denúncias e prisões feitas no âmbito da Operação Lava-Jato nos últimos dois anos acenderam mais o interesse por testes de integridade. Santos diz que a recente Lei Anticorrupção exige que as empresas tomem medidas anti-fraude, que podem ser testes como esses. A avaliação de integridade também é sugerida no programa de combate à corrupção defendido pelo Ministério Público Federal.
Mas Santos insiste em um ponto: raramente alguém preenche uma vaga ou se prepara para uma promoção com o intuito pré-definido de roubar, desviar ou enganar. Ele diz que algumas situações podem transformar um funcionário em um ladrão. Ainda assim, diz, o teste dá subsídios valiosos sobre os candidatos e permite uma análise sobre pontos fracos de cada um no campo comportamental.
Santos concluiu recentemente um estudo que virou seu doutorado, defendido na PUC de São Paulo, sobre fraudes no ambiente corporativo. Avaliou as respostas de 15 profissionais que admitiram já ter cometido fraudes e listou as justificativas mais citadas. Primeiro, a capacidade de fraudar sem que ninguém percebesse; depois, a autonomia para fazer aquilo; a pressão por resultado; e, por fim, a minimização do próprio erro. Santos argumenta que, além desses elementos, quem comete fraudes mostra também um certo gosto pela aventura, pela adrenalina. Não há diferenças de gênero, classe social, de instrução ou idade.
“O fraudador não tem um perfil definido”, diz Hen Harel, israelense, radicado em São Paulo. Ele atua na consultoria Global Advising e diz ter no currículo uma longa lista de entrevistas com foco na integridade dos candidatos. A Global Advising, afirma ele, já aplicou mais de 20 mil testes no Brasil. Seu produto se chama Integrity Meter e é, como ele diz, uma versão mais civil do polígrafo. Não é o único. Os demais testes também usam o polígrafo como referência.
O aparelho – que não é permitido no Brasil e é peça de museu em vários países – mede por meio de eletrodos sinais do entrevistado enquanto ele responde a perguntas. Os sinais são interpretados como evidências de respostas mentirosas ou verdadeiras. Um candidato, provavelmente, não terá fios ligados ao corpo durante sua próxima entrevista de emprego, mas suas respostas, voz, postura, expressões e gestos poderão dizer mais do que ele imagina para a nova empresa.
Críticos cobram validação científica de teste anticorrupção
O psicólogo João Carlos Alchieri é um crítico de testes que pretendem apontar se alguém é íntegro, honesto e se está ou não inclinado a cometer irregularidades na empresa. “Não existe validação científica nos resultados nesse tipo de avaliação”, diz ele.
Alchieri é professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte e coordenador da comissão de avaliação psicológica do Conselho Federal de Psicologia. Ele vê com muita resistência testes de integridade que recomendam ou não um candidato. “Somente um juiz pode classificar alguém de desonesto”, diz. Ele insiste que não há evidências que apontem que testes desse tipo possam orientar ou não uma contratação ou promoção. “Mentir, fraudar e roubar são comportamentos que têm mais a ver com o ambiente e o momento”, diz ele.
Fonte: Valor Econômico, por Marcos de Moura e Souza, 28.03.2016
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