Com o mundo se tornando cada vez mais globalizado, ficou fácil para os contribuintes - pessoas físicas ou jurídicas - gerenciar seus investimentos e ativos financeiros fora dos seus domicílios fiscais, ocasionando, assim, uma vasta evasão de impostos dos seus países de residência.
A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), por meio de seus membros, o G20 e outros países em desenvolvimento ou desenvolvidos, envolvidos com esse fenômeno, demonstraram interesse em criar instrumentos para manter mais íntegros seus sistemas de arrecadação tributária. A cooperação entre essas administrações tributárias tornou-se fundamental para combater a evasão fiscal e manter a integridade dos sistemas, baseada principalmente na troca de informações.
A OCDE tem uma longa história de desenvolvimento e troca de informações tributárias, seja ela a pedido do país interessado, espontânea ou automática. Para tanto, existe a Convenção Multilateral de Assistência Administrativa Mútua em Informações Tributárias, a qual baseada no seu regulamento interno, ou mais propriamente, no seu art. 26, forneceu o Modelo de Convenção Tributária que rege todas as formas de trocas de informações.
Desde 2009, foi alcançado muito progresso pelas OCDE, União Europeia e Fórum Global de Transparência e Troca de Informações com Propósito Tributário, que aumentou a transparência e a troca de informações quando requisitada pelos países.
A Convenção Multilateral foi desenvolvida conjuntamente pelo Conselho Europeu e pela OCDE, e aberto para assinaturas dos estados membros das duas organizações em 25 de janeiro de 1988. Essa convenção foi emendada atendendo uma solicitação do G20 em abril de 2009, com a intenção de assegurar aos países em desenvolvimento o benefício desse ambiente de maior transparência.
A ideia atual é criar uma Administração Fiscal Global com troca de informações automáticas e periódicas a fim de fornecer transparência e informações para inibir a evasão fiscal.
O Brasil tornou-se signatário dessa convenção em 03 de novembro de 2011, da qual participam aproximadamente 100 países. A partir dessa data, o país vem desenvolvendo os mecanismos internos para participar plenamente do acordo a partir de janeiro de 2018. Nesse sentido, as maiores dificuldades a serem transpostas são as legais, as técnicas, para troca das informações, e as de segurança de tais informações.
Concorre para a superação dessas dificuldades a assinatura do acordo bilateral pelo Brasil com os Estados Unidos da América para Melhoria da Observância Tributária Internacional e Implementação do FATCA – Foreign Account Tax Compliance Act -, firmado em Brasília em 23 de setembro de 2014, como complementação do TIEA – Intercambio de Informações relativas a Tributos, assinado em 20 de março de 2007.
O FACTA entrou em vigor por meio do Decreto nº 8.506, de 24 de agosto de 2015, e já em setembro de 2015 trocou-se o primeiro lote de informações entre os dois países de forma automática, ou seja, sem a necessidade de requisitar informações. Essas foram fatiadas e se limitaram a informar as contas bancárias abertas por brasileiros nos EUA e por americanos no Brasil no período de 30 de junho de 2014 a 31 de dezembro de 2014.
A próxima troca se dará em setembro de 2016, e ainda não há uma certeza sobre a profundidade das informações, mas supõe-se que as contas preexistentes já façam parte desse fatiamento.
A informação sobre as contas de americanos no Brasil seguiu um parâmetro de valor, somente as contas com saldo, em 31 de dezembro de 2014, superior a US$ 50.000,00 para pessoas físicas e de US$ 250.000,00 para pessoas jurídicas foram informadas pela RFB; já as contas brasileiras no EUA necessitaram de valor superior ou igual a US$ 10,00 de rendimento para constar do lote a ser informado.
A maioria dos países que implementaram o acordo multilateral ou bilateral realizaram uma regularização cambial e tributária, as chamadas Voluntary Disclosure Program, junto aos seus contribuintes, pois a evasão fiscal e de divisas é geralmente criminalizada, o que poderia causar consequências penais graves aos detentores destes recursos.
No Brasil não foi diferente. Em 13 de janeiro de 2016, a presidente Dilma Rousseff sancionou o projeto de lei nº 2.960, que se transformou na Lei Ordinária nº 13.254 que dispõe sobre o RERCT – Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária – o qual permite regularizar os recursos, bens e direitos de origem lícita, ou seja, provenientes de atividade não proibida, não declarados ou declarados com omissão ou incorreção em relação aos dados essenciais, remetidos ou mantidos no exterior, ou repatriados por residentes ou domiciliados no país, podendo ser incluído nesse conceito também os oriundos de sonegação fiscal.
Esse RERCT oferece até o dia 31 de outubro de 2016 para adesão voluntária, contados a partir da data da entrada em vigor de ato regulamentador da Receita Federal do Brasil, ocorrida em 15 de março de 2016 quando publicada em Diário Oficial. A adesão ao regime deverá ser realizada com a retificação da Declaração de Imposto de Renda de 2014, da Declaração de Capitais Estrangeiros no Exterior enviada ao Banco Central do Brasil (DCBE), a entrega de documentos relativos aos bens e direitos enviados, mantidos ou repatriados do exterior e o devido pagamento do imposto de renda e da multa correspondente.
Sobre o montante dos ativos objeto de regularização incidirá o pagamento do imposto de renda, a título de ganho de capital, à alíquota de 15% sobre o valor em dólares americanos transformados em real, à cotação vigente em 31 de dezembro de 2014, e multa de 100% do valor do imposto pago (carga total de 30%).
A lei foi sancionada com dois propósitos. O primeiro arrecadatório, ou seja, tributar os US$ 600 bilhões de dólares que se estima detenham os brasileiros no exterior. O segundo é diminuir os processos criminais em face de empresários, profissionais liberais e empresas estabelecidas no país, tendo em vista que a lei os anistia dos crimes cometidos na evasão de divisas caso os bens e direitos regularizados tenham origem lícita nos termos definidos pela lei.
Há diversos procedimentos e regras específicas a serem seguidas para a implementação desse regime. O cidadão brasileiro, domiciliado no Brasil, que possua recursos no exterior não regularizados perante o Bacen e a RFB, está em uma situação cada vez mais de risco, devido ao intenso aumento no fluxo de informações trocadas pelos países.
Também há uma previsão na Lei de que a declaração de regularização do RERCT não poderá ser, por qualquer modo, utilizada como único indício ou elemento para efeitos de expediente investigatório ou procedimento criminal e nem para fundamentar, direta ou indiretamente, qualquer procedimento administrativo de natureza tributária ou cambial em relação aos recursos dela constantes.
Ainda prevê a Lei que, na hipótese de exclusão do contribuinte do RERCT, a instauração ou a continuidade de procedimentos investigatórios quanto à origem dos ativos objeto de regularização somente poderá ocorrer se houver evidências documentais não relacionadas à declaração do contribuinte.
* Jorge Frenkel é consultor tributário do escritório Karpat Sociedade de Advogados
Atualizado em: 29/03/2016
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