Muito do que se vive hoje no cotidiano do Brasil e das empresas brasileiras pode e deve ser analisado no contexto de nossa cultura. Como qualquer outra, ela tem seu “lado sol” e seu “lado sombra”, ainda que nos últimos tempos seus aspectos sombrios se mostrem muito presentes e gerem tanta angústia e incerteza.
Um dos traços predominantes da cultura brasileira é a flexibilidade, tão valorizada por nos trazer uma capacidade especial de adaptação e uma força natural para reagir diante de situações adversas. Com a mesma intensidade desse lado sol, no entanto, temos vivido o lado sombra da flexibilidade, simbolizado pela indisciplina com as regras, um comportamento que, agravando-se, abre as portas para o favorecimento unicamente pessoal, a corrupção e a impunidade. Essa é a face inoportuna e indesejável do chamado “jeitinho brasileiro”.
“No Brasil sempre valeu colar para passar de ano, mas roubar prova na sala do diretor é demais!” Esse foi o comentário de uma amiga dias atrás, durante uma conversa, instigada por palestra que eu acabara de realizar. Achei espetacular a analogia. Quero abordar aqui a raiz desse problema e fazer uma breve análise de como isso se aplica ao ambiente organizacional de hoje.
A história do nosso país, desde a colonização, nos trouxe como herança, além da flexibilidade, outros traços predominantes, dos quais se deve destacar a força das relações pessoais e o autoritarismo. Não é difícil prever que, quando essas duas características se associam à flexibilidade em seu lado sombrio, a falta de disciplina no cumprimento das regras pode se transformar em lugar comum. O status de quem tem poder dentro de um grupo possibilita à pessoa o usufruto de certas facilidades para concretização dos seus objetivos – que não necessariamente são úteis à empresa e, por extensão, ao país.
Hoje essa situação chegou a limites insustentáveis. Nas organizações, observamos que há uma grande apreensão por não se saber quais serão os próximos capítulos da crise. Grande parte dos executivos em posição de poder não viveu sequer uma crise similar a atual. Muitos afirmam sentir-se em campo desconhecido e se perguntam: “O que vai acontecer comigo?”, “O que será da empresa que dirijo?” O resultado disso é a criação de um ambiente organizacional que facilmente leva as pessoas à visão turva, ao não comprometimento e à insegurança, gerando altos graus de tensão, principalmente quando estão diante de uma decisão importante a tomar.
Um nível assim alto e permanente de tensão e incertezas destrói o foco, a performance e a saúde das pessoas. Muitas mostram-se atormentadas pelo medo de alguém descobrir e “contar para todo mundo” que algum dia na vida elas “colaram na prova”, ou que não colaram mas “deram cola” para alguém…
É hora de compreendermos que para ser uma sociedade saudável e competitiva é preciso estudar para a prova. Quem não souber renovar o modus operandi, fazendo a devida combinação de conhecimento, experiência, competência e valores sólidos, corre grande risco de ser eliminado no teste. É mais do que hora de cada um de nós assumir o protagonismo de sua vida, seja como pessoa, seja como profissional, seja como cidadão. Só assim construiremos uma história que nos trará orgulho. Vale nos espelharmos em experiências bacanas que estão sendo vividas por alguns executivos. Sim, elas existem, embora estejam temporariamente obscurecidas pela intensa e aguda crise.
Tente. O mundo de hoje pede a ação de pessoas que saibam olhar além, buscar o verdadeiro significado de seu trabalho para si mesmo e para a sociedade, reconhecer os valores que não lhes servem e desapegar-se deles. Pessoas que tenham um verdadeiro propósito, aquele que reflete as aspirações e as esperanças dos outros, unindo-as em um objetivo comum e transformando-as em possibilidades reais.
Uma simples e ótima dica: se você tiver alguma dúvida quanto ao fato de uma decisão ou ação estar ou não no modus operandi velho ou novo, que desponta com força neste momento que vivemos, pergunte-se: “se essa ação/decisão for manchete de um jornal como o Valor Econômico, vai gerar algum desconforto?” Se a resposta for sim, mude a rota, pois certamente você não tomou a decisão correta!
(*) Betania Tanure é doutora, professora e consultora da BTA.
Fonte: Valor Econômico, por Betania Tanure, 31.03.2016
Nenhum comentário:
Postar um comentário