Nunca foi tão fácil fazer um bico. Não porque o mercado de trabalho brasileiro esteja aquecido, muito pelo contrário, mas porque a proliferação de aplicativos que conectam diretamente quem está precisando de um determinado serviço e a mão de obra disposta a prestá-lo avança com enorme rapidez. É um movimento que põe em xeque certos pilares da atividade econômica. A relação de trabalho é um deles.
Já há um leque de plataformas que colocam em contato os interessados nas duas pontas do serviço: motorista particular para agora (Uber), um nerd disposto a consertar seu computador em questão de horas (Encontre um Nerd), alguém que leve o cachorro para passear (GoWalk), alguém para fazer suas compras de supermercado (Carrinho em Casa), motoboy para realizar entregas (Loggi) e por aí vai.
Trata-se de nova onda global de startups que desenvolvem aplicativos destinados a facilitar a vida, no que vem sendo chamado de On-Demand Economy (Economia Sob Demanda).
Nos Estados Unidos, por exemplo, um dos grandes destaques desse movimento é o aplicativo Handy, que possibilita a contratação, para o dia seguinte, de diaristas, encanadores, eletricistas e outros profissionais autônomos que oferecem serviços domésticos. Como acontece com a maioria das contratações desse tipo, o pagamento é feito por meio de cartão de crédito, diretamente na plataforma. A ficha online dos profissionais que você pode ou não contratar vem acompanhada de avaliações feitas por pessoas que já utilizaram o serviço. Fundada em 2012, a Handy já recebeu mais de US$ 40 milhões em investimentos.
A rápida expansão desse tipo de plataforma vem levantando observações apreensivas em todo o mundo de que está em curso um inexorável processo de precarização do mercado de trabalho, perda de força dos sindicatos e derrocada dos sistemas de previdência social.
Por aqui não é diferente. O argumento da precarização é um dos levantados pelas associações de taxistas com objetivo de barrar o aplicativo Uber, como se eles próprios, principalmente os motoristas de frota, não estivessem sujeitos à mesma deterioração das condições de trabalho.
O ex-ministro do Trabalho e ex-presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), Almir Pazzianotto Pinto, observa que nós nos habituamos a pensar a relação trabalhista tomando como referência apenas o que dispõe a CLT. Todo o resto é visto como marginal. “O Brasil em 2016 não é mais o Brasil da CLT. Temos de pensar de outro jeito. Mas o mundo político não acompanha as transformações. A situação do trabalhador depende mais das condições da economia do que das disposições da CLT ”, adverte.
O professor de Economia do Trabalho da PUC-SP Leonardo Trevisan observa que a multiplicação desses aplicativos tem transformado o emprego em plataforma de negócio. “O motorista do Uber transformou o tempo dele e a força de trabalho dele, em mercadoria que ele vende a quem melhor pagar, sem contrato prévio. Se aparecerem novos aplicativos que lhe acenem com remuneração mais vantajosa, ele irá migrar para eles”.
Em meio a tantas perguntas sem respostas e diante da escassez teórica para tratar do assunto, Trevisan pinça uma questão ainda mais grave: A rápida multiplicação desse tipo de trabalho autônomo derruba a receita da Previdência Social e tende a quebrar também rapidamente as bases atuariais em que se assenta. “Nessas condições, como vamos pagar o contrato social e a sequência de benefícios sociais?”, indaga.
É uma das principais questões ainda sem solução. Não houve tempo sequer para as necessárias discussões sobre o tema e para amadurecer uma solução. Legisladores, assim como nós, estão no meio de um furacão de mudanças, sem saber muito para onde ir. Isso acontece não apenas aqui no Brasil, mas em todo o mundo. Os debates avançam pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), mas ninguém aposta no que virá. Enquanto isso, a terra gira e as relações de emprego rodam.
Fonte: O Estado de São Paulo, por Celso Ming, 03.04.2016
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