Imagine a seguinte situação: Pedro é trabalhador rural desde criança e não teve a oportunidade de estudar. Ele tem três filhos, duas crianças com 7 e 10 anos e um adolescente com 14 anos, e permite que todos eles frequentem a escola à tarde. Pela manhã, exige que exerçam atividades rurais para ajudar no sustento da família e aprender uma profissão. Para Pedro, trabalho não faz mal a ninguém, já que “ele trabalhou durante a infância e não morreu”.
Pedro foi vítima e submete seus filhos ao trabalho infantil, que é toda forma de atividade econômica, urbana ou rural, com ou sem finalidade de lucro, remunerada ou não, exercida por crianças e adolescentes abaixo da idade mínima constitucional de 16 anos. O exemplo acima, embora seja meramente ficcional, infelizmente é muito comum e ajuda a construir uma série de mitos sobre o trabalho infantil.
Muitas pessoas pensam que se a criança estudar, ela pode trabalhar. Mas por que isso é um mito? A criança que trabalha jamais poderá participar das atividades do contraturno escolar, além de não possuir tempo suficiente para fazer as lições de casa, estudar e descansar, o que lhe acarretará prejuízos no aprendizado e rendimento escolar. Além disso, o índice de abandono escolar é altíssimo entre as crianças e adolescentes que trabalham.
Quantas vezes já não ouvimos que é melhor uma criança pobre estar trabalhando para ajudar no sustento da família do que passar necessidade? Esse é um mito bastante comum, que inverte valores e afronta a lei, ao transferir a responsabilidade da família e do Estado para a criança, e perpetua o ciclo vicioso da pobreza.
Além disso, é errôneo acreditar que as crianças e adolescentes que trabalham estão aprendendo um ofício, pois geralmente as atividades são por elas desempenhadas sem qualquer capacitação e qualificação.
Para quem pensa como Pedro, que o trabalho não faz mal a ninguém, cabe alertar que mais de seis mil pessoas morrem diariamente no mundo, em razão de acidente de trabalho. Muitas crianças e adolescentes têm vidas e sonhos decepados, juntamente com o manuseio de máquinas e ferramentas perigosas no ambiente de trabalho, que têm a potencialidade de causar danos irreparáveis.
A cada minuto, uma criança ou adolescente sofre acidente de trabalho, doença ocupacional ou trauma psicológico, o que representa mais de 1440 acidentes por dia, segundo dados da Organização Internacional do Trabalho – OIT.
O mito-campeão em frases aceitas socialmente e repetidas sem qualquer reflexão é a seguinte: “é melhor trabalhar do que roubar”. Aqui, ambas as hipóteses constituem violação de direitos. Quem rouba subtrai bens materiais e quem explora trabalho infantil está roubando infância. É constitucionalmente garantido às crianças e aos adolescentes opções que lhes garantam proteção integral e a infância é momento propício para estudar e brincar.
Qualquer mito que permeia a exploração do trabalho infantil, embora não seja real, transforma a realidade social, pois dá um tom de naturalidade a uma lesão, retirando da criança o direito fundamental à infância protegida.
Assim, para garantir o princípio da proteção integral, devemos lutar contra a cultura de apologia à exploração de crianças e adolescentes e desconstituir na sociedade os mitos que permeiam o trabalho infantil, o qual deve ser encarado como problema e jamais como solução.
Fonte: Revista Proteção, 03.04.2016
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