Diploma de grande destaque e relevo, que entrou em vigor no mês de janeiro (ainda que parcialmente), o Estatuto da pessoa com deficiência traz uma nova interpretação para o preenchimento da chamada cota de deficiente, que as empresas estão obrigadas por conta da disposição do artigo 93 da Lei nº 8.213/91.
Em seu artigo 2º o novo Estatuto considera pessoa com deficiência também aquela que tem impedimento de longo tempo de natureza mental e intelectual (mantendo, ainda, as limitações físicas e sensoriais), fixando que tal avaliação deve ser realizada por uma equipe multiprofissional e interdisciplinar que considerará, dentre outros detalhes, especificamente:
I ¬ os impedimentos nas funções e nas estruturas do corpo;
II ¬ os fatores socioambientais, psicológicos e pessoais;
III ¬ a limitação no desempenho de atividades; e
IV ¬ a restrição de participação. Dessa maneira é correto afirmar que a nova legislação abre um leque de alternativas para que as empresas possam cumprir a cota contratando pessoas com outros tipos de patologia (síndromes e depressões profundas transitórias ou permanentes ou distúrbios controlados por intervenção medicamentosa, esquizofrenias, entre outras patologias) e, ainda, enquadrar na chamada cota, empregados que foram afastados e retornaram às atividades sem a reabilitação formal do INSS, mas que por qualquer motivo, não podem exercer a função anterior (restritos).
Apesar de a lei apontar que caberá ao Poder Executivo a criação de um órgão para tais avaliações, não existe esse órgão e, com isso, o diploma em comento exige uma equipe multidisciplinar.
Por isso, não é errado afirmar que a própria empresa poderá providenciar tal aparato interna ou externamente com o objetivo de confeccionar os laudos para cada hipótese e considerar o empregado diagnosticado com essa barreira mental ou intelectual como deficiente. Dessa forma, a empresa se enquadra no cumprimento da cota.
Mesma lógica deve ser utilizada para aqueles restritos com alguma sequela ou impedimento físico para desempenhar a função outrora ocupada, ou seja, a equipe multidisciplinar deve indicar quais são os impedimentos ou limitações de mobilidade que incompatibilizam com a função e, por conseguinte, exigem uma readaptação, sendo, portanto, passível de contagem na cota.
Não há razões para que o Ministério Público do Trabalho ou mesmo eventuais fiscalizações do Ministério do Trabalho e Emprego entendam de outra forma, afinal, se o objetivo maior é inserir e promover o crescimento profissional e pessoal dos empregados com deficiência, sem dúvida, a empresa estará não só atendendo aos ditames do novo Estatuto da Pessoa com Deficiência, assim como a exigência da lei de cotas.
A lei é de aplicação direta e imediata até mesmo pelo objeto central não poder esbarrar em burocracias. Também, deve¬se partir da premissa de que a empresa agirá com a esperada boa¬fé atendendo sua função social, tanto na questão da montagem da equipe para análise e elaboração dos laudos de incapacidade como na contratação de tais pessoas atingindo o objetivo que também lhe é imposto.
Ao longo desses pouco mais de 25 anos de previsão legal das cotas, muito avanço se conseguiu em relação ao espírito precípuo da norma que é, de fato, promover a inserção e crescimento, no mercado de trabalho, dos deficientes, afinal, a própria Convenção 159 da OIT, ratificada e promulgada pelo Decreto nº 129 de 22 de maio de 1991, trata do tema da inclusão de maneira incisiva atribuindo a devida responsabilidade aos Estados signatários de olvidarem todos os esforços em diversos sentidos para promover o princípio de igualdade de oportunidades e de tratamento entre trabalhadores.
Toda ação afirmativa, ao menos de início, deve ser o mais abrangente possível e, ao longo do tempo, receber seus ajustes e acertos de acordo com a prática. Todavia, é bem sabido que os avanços legislativos não acompanham a velocidade das mudanças sociais e, também, não é possível ou cabível esperar que toda positivação contemple as situações concretas que surgirão no desenrolar dos fatos e, assim, o singelo critério matemático da lei gera, por vezes, barreiras intransponíveis para uma série de empresas e segmentos que trazem em seu bojo atividades perigosas que nem sempre compatibilizam com o atendimento da cota.
O Estatuto é muito amplo e trata de outras questões tão importantes quanto a inserção no mercado de trabalho, devendo ser comemorado e interpretado à luz das garantias constitucionais e, sobretudo, para que se consiga efetividade, reconhecendo no plano concreto que, de fato, as patologias mentais são complexas e merecem sim um destaque e a devida atenção tanto da empresa como também da própria sociedade. Incluir tais empregados na cota de deficientes parece um bom caminho para as garantias constitucionais.
(*) Fabiano Zavanella é Advogados e especialista em Relações do Trabalho.
Fonte: Jornal Valor Econômico, por Fabiano Zavanella, 30.03.2016
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