A palavra de ordem hoje na maior parte das companhias é buscar soluções rápidas e criativas para enfrentar a concorrência iminente de negócios disruptivos, aqueles que podem acabar com um serviço ou produto da noite para o dia. Preparar a empresa para viver nesse novo contexto requer uma força de trabalho alinhada, treinada e motivada estrategicamente. A grande questão é como os departamentos de recursos humanos vão se reinventar para promover esses processos internamente no ritmo que o mercado impõe.
A resposta pode vir com a adoção de novas soluções digitais que se propõe a livrar o RH das tarefas mais burocráticas, o que em tese faria sobrar mais tempo para ações estratégicas. Implementações dessa natureza, entretanto, são igualmente disruptivas e implicam em uma mudança cultural no modus operandi das organizações. Elas afetam a maneira de trabalhar de funcionários e gestores. Por essa razão, talvez representem o maior desafio para a área de RH no século 21.
Esse foi um dos temas mais discutidos da terceira edição do Oracle HCM World, conferência que reuniu, na semana passada, quase dois mil executivos de recursos humanos de 40 países em Chicago, nos EUA. Foram mais de 40 painéis e apresentações com especialistas, consultores, acadêmicos e gestores.
“O RH precisa aumentar o seu poder de influência nas empresas porque hoje elas estão pressionadas a obter resultados no curto prazo, mas muitos objetivos estratégicos da área são de longo prazo”, diz Peter Capelli, professor e diretor do Centro de Recursos Humanos de Wharton, uma das mais importantes escolas de negócios do mundo.
A desaceleração da economia mundial nos últimos cinco anos fez com que as empresas passassem a cortar despesas e a adotar estratégias de sobrevivência, explica Mark Hurd, CEO da Oracle, que emprega 130 mil funcionários, em 145 países. Os investimentos foram direcionados para áreas de compliance, segurança e tecnologia, entre outras. Segundo ele, sobrou pouco para o RH.
“Hoje as companhias sabem que para serem competitivas precisam de times altamente engajados, produtivos e voltados para a inovação. Elas querem um RH que responda a essas demandas”, afirma Hurd. Em sua opinião, o departamento não pode mais ser apenas um gerenciador de informações de listas de benefícios ou folhas de pagamento. “Ele precisa se concentrar na atração de talentos, no treinamento e na retenção dos melhores profissionais, e usar o que sabe sobre a força de trabalho a favor dos negócios.”
Para ganhar a mesma atenção dos diretores financeiros por parte dos CEOs, os executivos de RH precisam de números e dados que justifiquem seus investimentos. “Existem muito mais informações disponíveis hoje, então será fundamental para o gestor da área no futuro fazer uma especialização em análise de dados”, diz Gretchen Alarcon, vice-presidente de Human Capital Management da Oracle. “Quem não fizer não vai ter trabalho”. Ela defende a inteligência de negócios ou o “business intelligence” aplicada à gestão de pessoas. “É crescente o número de profissionais de outras áreas que mudaram para RH. Acho que está em curso uma importante mudança no perfil do profissional. Hoje já é possível ver um CHRO (Chief Human Resources Officer) se tornando CEO.”
Plataformas digitais customizadas para o RH, como o HCM Cloud, hoje armazenam informações na nuvem e propiciam em um só ambiente uma grande quantidade de dados e estatísticas sobre o funcionário e sua participação em projetos, avaliações de desempenho e grupos de discussão. Mas, o uso de sistemas como esse ou outros semelhantes requer uma mudança cultural na organização, dizem os especialistas. Isso porque serão usados por várias gerações de profissionais, com níveis diferentes de familiaridade com aplicações digitais.
“Os jovens aderem mais rapidamente”, diz Solange Oliveira, gerente de gestão corporativa da BT Call Center, empresa do grupo Oi. Há três meses, a empresa transferiu todo o recrutamento para uma plataforma digital. Aos poucos, deve migrar para a nuvem a maior parte de seus processos de RH. Como 70% dos 17 mil funcionários são da geração milênio (nascidos a partir de 1980), ela acredita que as mudanças serão bem recebidas.
“Acabando com o recebimento de currículos em papel conseguimos economizar 35% no processo de seleção”, afirma Solange. Ela acredita que a transformação digital é inevitável, mas que automatização dos procedimentos não deve eliminar postos de trabalho no RH. “Algumas pessoas poderão mudar de função para atuar em assuntos mais estratégicos.”
“Não quero meus funcionários se debatendo com a tecnologia, quero apenas que eles vivenciem a disrupção digital”, diz Jackie Tischer, vice-presidente sênior de operações de RH da rede americana de hospitais Baylor Scott & White Health, que emprega 40 mil pessoas e fatura mais de US$ 7,5 bilhões por ano. A rede centenária centralizou suas operações de RH e transferiu quase tudo para a nuvem. “A implementação não foi fácil, mas depois de um tempo meus gerentes entenderam que era possível dividir essa experiência com os funcionários e tudo começou a funcionar.”
Para Erica Volini, líder de transformações de RH da consultoria Deloitte, a organização precisa saber que as disrupções decorrentes da adoção de soluções tecnológicas provocam um grande impacto no ambiente de trabalho. “Uma das consequências é que as pessoas passam a trabalhar mais em times, o que é bom já que os processos colaborativos estão relacionados à inovação”, diz. O gerenciamento de talentos fica mais exposto, assim como os feedbacks, as oportunidades de crescimento e os propósitos da organização.
“Aumentando o acesso a informações estamos dando mais poder aos funcionários, ” diz William Tompkins, responsável pela área de RH e recompensas na rede de varejo Macy’s, que tem 870 lojas, quase 170 mil empregados e um faturamento anual próximo a US$ 28 bilhões. Ele conta que todo o processo de transformação digital foi dividido em várias fases. “A comunicação é fundamental, pois é preciso cuidado com essa transição”, diz. O executivo diz que em 2015 foram disseminados os conceitos e a visão do projeto. Este ano começam as mudanças e em 2017 ele espera estar com o RH “instrumentalizado para o futuro”.
O empregado de origem latino-americana, acostumado com o contato com o RH face a face, talvez leve um tempo maior para se adaptar a essa automação de processos, diz Roberto Spuri, diretor de desenvolvimento de negócios da Oracle Brasil. “Mas essa é uma questão que pode ser resolvida com treinamento”, explica. O quanto a empresa vai abrir de dados para os empregados é uma decisão estratégica e está relacionada com a sua cultura. “O engajamento e a conexão dos funcionários com os valores da companhia não vêm com a tecnologia.”
Fonte: Valor Econômico, por Stela Campos, 14.04.2016
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