Com a evolução da tecnologia da informação, muitas empresas passaram a exercer vigilância contínua sobre o que o empregado faz no computador utilizado no trabalho. As justificativas apresentadas para tanto são muitas, sendo as principais delas a defesa do patrimônio e questões de segurança. O respaldo para essa prática estaria na prerrogativa que a legislação confere ao empregador de conduzir o seu empreendimento.
De fato, o empregador possui o que se denomina “poder diretivo”. São poderes inerentes à direção do negócio. Mas não se trata de um poder absoluto. O patrão não pode se esquecer de que suas ações devem se pautar pelo respeito aos direitos da personalidade do trabalhador, que são aqueles inerentes à pessoa ou personalidade humana, protegidos pela Constituição da República: honra, moral, integridade física e psíquica, nome, imagem, privacidade, intimidade, entre outros.
No que toca à questão específica da vigilância sobre computadores usados pelos empregados, em serviço, o assunto não é regulamentado e tem gerado polêmicas. Pouco a pouco, vai integrando a pauta da Justiça do Trabalho. Nesta NJ especial, veremos alguns casos envolvendo esse contexto e as soluções adotadas no âmbito do TRT da 3ª Região.
Direito de fiscalização do empregador X direito à intimidade e privacidade do empregado.
Sob alegação de desaparecimento de um software, uma empresa do ramo de informática registrou uma ocorrência policial e ainda instalou programas para rastrear dados e senhas dos usuários no computador em que o empregado trabalhava. Esta conduta foi detectada pelo próprio trabalhador, profissional da área de informática que, incomodado, ajuizou reclamação trabalhista pedindo a rescisão indireta do contrato de trabalho e o pagamento de indenização por danos morais.
A tese apresentada, de invasão de privacidade, foi acatada tanto pela juíza de 1º Grau quanto pelo TRT de Minas. Dois fatores pesaram para esse desfecho: a ré não negou os fatos alegados pelo trabalhador e uma perícia técnica confirmou a instalação dos programas de monitoramento no computador de trabalho logo após o registro da ocorrência policial. A condenação envolveu a declaração da rescisão indireta, por quebra da confiança entre as partes, e uma reparação por danos morais no valor de R$5 mil.
Em 1ª Instância, a reclamação foi examinada pela juíza Maritza Eliane Isidoro, na titularidade da 1ª Vara do Trabalho de Contagem. Com base nas informações prestadas pelo perito, a julgadora entendeu que a instalação de programas no computador usado pelo reclamante configurou invasão à privacidade dele. Na sentença, ponderou que a espionagem constatada só não durou mais tempo porque o reclamante é profissional da área e conseguiu identificar os fatos assim que ligou o computador no dia seguinte.
Para a magistrada, a conduta adotada, envolvendo o instrumento de trabalho do reclamante, foi considerada abuso do direito de fiscalização do empregador e um desrespeito à pessoa do trabalhador, além de invasão de privacidade.
Com base nesse contexto, o pedido de declaração da rescisão indireta do contrato de trabalho foi julgado procedente, sendo a reclamada condenada a cumprir obrigações próprias da dispensa sem justa causa. Consoante fundamentou a magistrada, “Deveras o liame de emprego entre as partes resta intolerável e insustentável, pois o ato de a reclamada instalar ou mandar instalar programas no microcomputador de trabalho do autor com o objetivo, que se não for no sentido de investigá-lo, no mínimo corresponde a ato de espionagem ou um meio de manter o empregado sob vigilância e às escondidas”.
A juíza sentenciante também reconheceu que o reclamante sofreu dor e constrangimento pela invasão de sua privacidade e sensação de estar sendo vigiado, “espionado mesmo”, conforme registrou. Por esta razão, a ré foi condenada a pagar indenização por danos morais no valor de R$5 mil ao ex-empregado.
A ré apresentou recurso, mas a 8ª Turma do TRT-MG manteve a sentença. Acompanhando o voto da juíza convocada Luciana Alves Viotti, os julgadores também reconheceram que o reclamante teve sua privacidade violada pela instalação furtiva/às escondidas de programas espiões na sua máquina de trabalho. “Comprovado o ato antijurídico e o seu nexo de causalidade com a ofensa evidente ao patrimônio moral do Autor, sendo inquestionáveis, no caso, os danos (artigos 186 e 927 do CC c/c artigo 5º, inciso X, da Constituição Federal)”, foi registrado no acórdão. (Processo nº 02643-2011-029-03-00-4 – 18/12/2013)
Monitoramento e chantagem.
Em outro recurso examinado pela 8ª Turma, os julgadores confirmaram a sentença que condenou um sindicato a pagar indenização por danos morais no valor de R$10 mil a duas ex-empregadas. O caso também envolveu instalação pelo empregador de programa de monitoramento no computador utilizado pelas trabalhadoras no ambiente de trabalho. De posse de informações e conversas particulares obtidas, uma representante do sindicato chantageou as empregadas no sentido de pedirem demissão. Considerando ilícita a conduta, o juiz José Barbosa Neto Fonseca Suett, em atuação na 3ª Vara do Trabalho de Coronel Fabriciano, declarou a nulidade dos pedidos de demissão e converteu a dispensa em imotivada. Também nestes aspectos a sentença foi mantida, sendo o voto proferido pelo desembargador José Marlon de Freitas.
As provas revelaram que as reclamantes utilizavam o sistema disponibilizado pela empresa para travar conversas particulares, valendo-se de palavras inconvenientes ao se referirem às pessoas que compunham o ambiente de trabalho. Para o relator, contudo, esse comportamento não autoriza o empregador a constranger as empregadas a assinar um pedido de demissão. “A conduta patronal expôs as demandantes a situação degradante e vexatória incompatível com o momento atual vivenciado pela sociedade que prima pela proteção dos direitos da personalidade com destaque para a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho”, destacou.
O relator repudiou veementemente a instalação pelo empregador de programa de monitoramento no computador que as reclamantes usavam, o qual permitia captar todas as informações digitadas. No seu modo de entender, a prática configura invasão de privacidade. “Considero que a Resolução nº 26/2007 do Conselho Estadual de Trabalho e Geração de Renda de Minas Gerais CETER não pode servir de escudo à pratica de monitoramento exercida pelo Sindicato, pois a adoção da Política de Segurança da Informática (PSI) vinculada à participação no Sistema de Gestão de Ações de Emprego – IGAE não pode representar autorização geral e irrestrita para a fiscalização perpetrada, inclusive de e-mails e bate papos particulares, sob pena de invasão de privacidade”, destacou no voto, rebatendo argumentos do réu.
A decisão também levou em consideração o fato de não haver qualquer prova de que as reclamantes tivessem ciência da política praticada pelo réu, muito menos que tenham autorizado as gravações das conversas particulares (bate papo pelo Gmail, que é um serviço de correio eletrônico pessoal e não corporativo).
“A situação vivenciada pelas reclamantes foi passível de acarretar-lhes sofrimento de ordem moral, ficando, pois, configurados os elementos ensejadores da reparação, nos termos do artigo 186 do Código Civil”, concluiu o julgador, confirmando o valor da indenização, fixada em R$10 mil. Para tanto, considerou não apenas o fato de ter havido monitoramento indiscriminado dos computadores e coação praticada pelo empregador, mas também a conduta antiprofissional praticada pelas autoras, ao travarem conversas particulares utilizando a ferramenta corporativa de trabalho. A decisão se referiu aos artigos 944, 953 e 884 do Código Civil”. (Processo nº 00685-2013-089-03-00-6 – 04/02/2015).
Bloqueio de e-mail corporativo e retenção de dados pessoais do empregado: conduta abusiva.
Outra situação que suscita muito ainda a pensar e discutir foi encontrada num caso julgado pela 1ª Turma do TRT de Minas. Uma empresa de fios esmaltados e produtos químicos dispensou um empregado, sem permitir que ele retirasse seus arquivos, fotos e documentos pessoais do notebook que utilizava no trabalho. O e-mail do trabalhador foi bloqueado, sendo solicitado que devolvesse o equipamento imediatamente. Ao analisar os pormenores do caso, a Turma considerou ilícita a conduta praticada pela ré. Dando provimento parcial ao recurso do reclamante, os julgadores modificaram a sentença para deferir indenização no valor de R$10 mil.
Atuando como relator, o desembargador José Eduardo de Resende Chaves Júnior reconheceu que a empregadora tem o direito de requisitar o notebook entregue para o desempenho das funções. Mas não poderia impedir o acesso do reclamante ao conteúdo ali depositado por vários anos. “A ré exerceu com excesso o seu direito de propriedade, configurando o abuso de direito passível, como tal, de indenização, na literalidade do artigo 187 do Código Civil, c/c art. 8° da CLT”, concluiu.
A ré argumentou que seria ilógico o reclamante manter e-mails e arquivos pessoais no computador da empresa, por se tratar de ferramenta de trabalho. No entanto, o magistrado não viu nada de errado nessa conduta. É que o reclamante cumpria jornada estendida, trabalhando inclusive em feriados e fins de semana. Ele ficava com o notebook da empresa de forma contínua. O relator considerou muito natural que utilizasse o computador, bem como seu e-mail empresarial para fins pessoais.
“Não se vislumbra, aqui, motivo para que tal devolução e o bloqueio do e-mail fosse feita de forma abrupta, de molde a impedir que o autor pudesse retirar do equipamento suas informações pessoais”, destacou, considerando abusiva e arbitrária a medida tomada pela empresa. Segundo ele, uma conduta que não pode ser tolerada pelo Judiciário, razão pela qual condenou a empresa a pagar ao reclamante indenização por dano moral, no valor de R$10 mil, tendo em vista a extensão do dano sofrido pelo reclamante, a culpa, o porte da reclamada e o caráter pedagógico da penalidade. (Processo nº 01466-2013-147-03-00-0 – 29/09/2014).
Uso do PC para controle de pausas no trabalho: constrangimento e violação da intimidade.
Veja só essa história: depois de um tempo pré-fixado, o computador era bloqueado e os empregados tinham que se dirigir ao supervisor para desbloqueá-lo, informando o motivo da pausa. No programa havia campos para coffee break, treinamento, banheiro e reunião, que deveriam ser preenchidos pelo chefe. Esse foi o cenário que levou a 8ª Turma a dar provimento ao recurso de uma trabalhadora e condenar as duas empresas envolvidas ao pagamento de indenização por dano moral no valor de R$ 1 mil.
No entender da desembargadora Ana Maria Amorim Rebouças, a conduta violou a intimidade e privacidade da reclamante. “A limitação do tempo de uso do banheiro por meio do sistema de bloqueio dos computadores dos empregados, comprovado por prova documental e testemunhal, mesmo que tenha o objetivo de segurança para a empresa, caracteriza um constrangimento para a reclamante e para os demais funcionários, visto que, o simples fato de dar explicações pela demora na utilização dos sanitários deixa claro um objetivo de controle dos funcionários, além de violar direitos fundamentais como o da intimidade e o da privacidade”, destacou no voto.
O valor da indenização foi fixado levando em consideração diversos aspectos, tendo como objetivo inclusive coibir práticas de constranger o empregado a explicar a demora na utilização dos sanitários. (Processo nº 0010435-82.2015.5.03.0039 – 29/07/2015).
Violação pelo empregado de normas de segurança da informação: justa causa confirmada.
Uma situação diferente foi a constatada pela 8ª Turma do TRT-MG, ao julgar o recurso de uma reclamante que não se conformava com a decisão que manteve a sua dispensa por justa causa. Neste caso, o monitoramento das atividades dos computadores pela empresa de móveis reclamada foi acolhido como prova de que a empregada teria apagado e copiado arquivos. Após analisar as provas, o relator, desembargador Márcio Ribeiro do Valle, considerou correta a conduta e manteve a aplicação da pena.
Ouvido como testemunha, o responsável pelo monitoramento dos computadores da ré esclareceu como tudo aconteceu. Segundo ele, a cada minuto recebe um e-mail com um printdas operações realizadas pelo usuário. Em julho de 2014, percebeu pela via remota que vários arquivos estavam sendo deletados e copiados em um HD externo. Eram projetos e contratos, além de imagens.
A testemunha constatou que a reclamante figurava como usuária, sendo que a empresa não utiliza HD externo em seus computadores. O fato foi comunicado à administração da ré, que solicitou o bloqueio do usuário na respectiva máquina. Menos de 60% dos arquivos deletados foram recuperados. A testemunha esclareceu que os empregados eram advertidos de que seus arquivos pessoais salvos nos computadores da empresa não estavam submetidos a segurança.
Somado a isso, o julgador registrou que a própria reclamante deixou claro em seu depoimento que tinha interesse de deixar os quadros da reclamada. Ela contou que depois de tentar fazer, sem êxito, um acordo com a empresa ré para a sua saída, deletou arquivos de projetos de propriedade da empresa, sem autorização patronal. O relator constatou que este ato é expressamente proibido no Manual de Conduta Ética da empresa.
Também foram juntados ao processo um Termo de Ciência e Comprometimento e o contrato de trabalho assinados pela reclamante, todos no sentido de dar cumprimento ao Manual de Conduta Ética e Regulamento Interno da Empresa.
Portanto, o vasto acervo probatório levou o relator a reconhecer que a trabalhadora violou, direta e gravemente, as normas internas, bem como a propriedade intelectual da empresa, causando potenciais prejuízos comerciais a ela. A Turma reconheceu que a reclamante incidiu em grave ato de indisciplina e de desobediência, capaz de justificar, por si só, a aplicação da justa causa. (Proc. n. 02866-2014-186-03-00-7 – 14/10/2015).
Fonte: Tribunal Regional do Trabalho 3ª Região Minas Gerais, 24.02.2016
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