quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

Empresas renegociam pacotes de executivos.

Assim como aconteceu durante a crise econômica de 2008, grandes corporações voltam a procurar escritórios de advocacia e consultorias de recursos humanos para revisar contratos de executivos do primeiro escalão. As alterações mais comuns são o corte de vantagens como o custeio de moradia, oferta de carros de alto padrão e gratificações. Em algumas bancas, a demanda para a análise dos acordos subiu até 50% em 2015, em relação a 2014, ano em que os primeiros pedidos começaram a aparecer, segundo advogados ouvidos pelo Valor.
“Há uma nítida tendência das empresas em revisar os benefícios concedidos como primeira alternativa para evitar desligamentos”, diz Ana Paula Vizintini, sócia da área trabalhista do Trench, Rossi e Watanabe Advogados. Para os especialistas, as contratações futuras deverão vincular a remuneração variável não só à performance do empregado, mas aos resultados financeiros das organizações. Na prática, os líderes tendem, cada vez mais, a compartilhar dos riscos do negócio junto com os acionistas.
Segundo Caio Taniguchi, responsável pela área de remuneração estratégica de executivos do ASBZ Advogados, o escritório recebeu, desde 2014, cerca de 20 solicitações de revisão de programas salariais de presidentes, diretores e gerentes. “Em um cenário de estabilidade econômica, os clientes avaliam os riscos envolvidos na concessão de benefícios adicionais”, diz. “Já em um quadro de crise, há demanda para mudar a forma de pagar os funcionários.” O escritório tem 233 contas ativas e 35% delas são de grandes empresas.
O advogado do ASBZ afirma que os períodos de paralisia econômica sempre respingaram nas políticas de contratação. Segundo ele, desde a crise mundial de 2008, os salários dos quadros são analisados com muito mais cuidado pelas empresas. “Percebeu-se que atrelar ganhos a fatores de desempenho exclusivamente individuais, sem relação com os resultados da companhia, trazia sérios riscos aos negócios.” A mudança foi motivada por escândalos financeiros nos Estados Unidos, protagonizados por grupos que manipulavam planilhas para justificar pesados pagamentos de remuneração variável às equipes.
No Brasil, Taniguchi observa que as empresas passaram a rever os contratos dos líderes com mais ênfase depois da apuração dos balanços de 2014. “No decorrer de 2015, com a percepção de que o cenário de recessão não se alteraria no curto prazo, o volume de revisões aumentou.” A preocupação das diretorias de RH agora é reduzir custos, com o menor risco legal possível, sem perder de vista o alinhamento de interesses e o engajamento dos gestores.
Entre as alterações de contratos mais solicitadas está a forma de contratação. “As empresas observam a possibilidade de admitir quadros como pessoa jurídica, com encargos trabalhistas mais leves”, diz o advogado. Há ainda a substituição de benefícios que geram o recolhimento de impostos – como bônus e gratificações – por vantagens de “custo zero”, caso de bolsas de estudo e participação nos lucros.
Para Ana Paula Vizintini, do Trench, Rossi e Watanabe Advogados, as releituras nos contratos têm acontecido desde o segundo semestre de 2014. “Na época, as renegociações representavam menos de 5% das demandas trabalhistas do escritório”, diz. Já no último ano, houve um aumento de 40% a 50%, proporcionalmente, no número de pedidos de revisão. A banca atende 2,2 mil empresas e cerca de 90% são grandes grupos de segmentos da indústria e do setor de serviços.
Vantagens como o custeio de moradia, oferta de carros de luxo e pagamento de escolas para os filhos dos executivos foram os primeiros itens a serem revisitados, afirma Ana Paula. “Em 2015, com a acentuação da crise e a necessidade de diminuir custos, rever programas de bonificação ficou mais comuns.” Segundo a advogada, quando a economia estava aquecida, profissionais qualificados eram disputados pelo mercado e recebiam ofertas agressivas. Naquele cenário, a manutenção de talentos exigia que as companhias abrissem as torneiras dos benefícios. “A crise levou as organizações a reavaliarem todo o desembolso com a mão de obra”, afirma.
A atual lista de cortes nos contratos também aposenta os bilhetes de classe executiva nas viagens internacionais e destaca pacotes de rescisão mais enxutos. “O pagamento de indenizações além das exigidas pela legislação trabalhista tem sido cada vez menor e, até mesmo, excluído em determinadas empresas”, diz Ana Paula. Mas a especialista lembra que nem tudo pode ser posto de lado nos acordos já firmados com os empregados. Como regra, a legislação trabalhista, independentemente do cargo do funcionário, veda alterações nos contratos e nas condições de trabalho. Salários e benefícios estipulados em convenção coletiva também não podem ser engavetados.
A orientação é que a renegociação seja feita com cautela para não expor a corporação a riscos legais desnecessários, mesmo se tratando de colaboradores em cargos de direção. “Apenas os auxílios concedidos por liberalidade da direção podem ser revistos”, explica Júlia Pereira Salerno, advogada sênior da área trabalhista do Trench, Rossi e Watanabe. “É importante que a oferta de benefícios discricionários, no momento da contratação, já estabeleça uma possibilidade de revisão, mantendo aberta uma futura conversa entre as partes.”
Se o ritmo lento da economia continuar, a tendência, segundo a advogada, é que os acordos não tragam mais atrativos caros ou que não sejam essenciais à manutenção dos currículos mais qualificados. “Ofertas como carros com motorista e o custeio integral de planos de saúde de alto custo também devem ser diminuídas, sendo dada apenas a possibilidade do executivo bancar eventuais ‘upgrades’.”
Ana Paula afirma que, embora a alta gerência represente uma parcela de empregados cuja renegociação de contratos geralmente se dá de forma menos traumática, os riscos trabalhistas não devem ser desconsiderados. “Se, em anos anteriores, o ajuizamento de ações por executivos do primeiro escalão era incomum, hoje se dá com bastante freqüência. Temos acompanhado um número crescente de processos dessa natureza, que envolvem valores expressivos.”
No escritório Mattos Filho, a demanda por renegociações nas empresas aumentou mais de 20% em 2015, em relação ao ano anterior. “Os bônus de contratação e planos de retenção também foram reduzidos pelos clientes”, analisa o sócio Domingos Fortunato, que nota o movimento entre indústrias e instituições financeiras. “Não se pode imaginar que as alterações sejam definitivas, pois as companhias podem perder a capacidade de atrair talentos”, diz. Em sua opinião, a partir do momento em que o mercado conseguir se recompor e sair da crise, teremos uma melhor definição do futuro dos pacotes de benefícios.

Fonte: Valor Econômico, por Jacilio Saraiva

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