Diante da pavorosa onda de crimes, é comum ver pessoas defendendo o trabalho forçado, duro e penoso para os condenados. Para elas, o trabalho tem de funcionar como castigo para os bandidos. O que dizer dessa tese?
Não há dúvida que trabalhar sempre é bom. No caso do trabalho prisional, porém, é preciso ter muito cuidado. Toda e qualquer atividade forçada é terminantemente proibida por convenções internacionais ratificadas pelo Brasil.
Nenhuma convenção internacional proíbe a prisão perpétua ou a pena de morte, mas várias proíbem o trabalho forçado. As Convenções 29 e 105 da OIT (aprovadas pelo Brasil), por exemplo, impedem essa prática. O trabalho deve ser oferecido aos presos como alternativa de redução de pena, aprendizagem de bons hábitos e geração de renda pessoal – e executado na base voluntária (ILO, Stopping Forced Labour, Genebra: Organização Internacional do Trabalho, 2001).
É claro que, com tais dispositivos em vigor, nenhum preso irá escolher um trabalho duro e penoso. Esse é um sério obstáculo. A violação dessas convenções pode gerar sérios problemas para o Brasil, levando países a parar de importar bens que são produzidos com trabalho forçado.
Ademais, as pesquisas mostram que a recuperação através da laborterapia depende muito do tipo de atividade exercida. O trabalho forçado, enfadonho e alienante mais enerva do que acalma os presos e instigam a reincidência dos criminosos. O trabalho só ajuda quando acompanhado de formação profissional de boa qualidade, ligada às demandas do mercado de trabalho, e onde há estímulos para as empresas contratarem ex-presidiários.
Nos países mais desenvolvidos, os melhores resultados vêm dos programas que, de forma compreensiva, treinam os presos para o exercício de modalidades de trabalho modernas como, por exemplo, organização de banco de dados, processamento de documentos para organizações governamentais, telemarketing e execução de serviços especializados em eletrônica para empresas que montam parte de suas fábricas dentro de prisões privadas. Mesmo assim, não é qualquer tipo de preso que se beneficia disso. Os bandidos de alta periculosidade raramente se sujeitam à disciplina exigida pelo trabalho voluntário.
Isso não quer dizer que o trabalho prisional deva ser abandonado para as pessoas perigosas. Significa apenas que as soluções simplistas de impor ao preso um trabalho que ele não quer fazer, além de ilegal, não ajuda na reorganização de sua vida para enfrentar a liberdade.
As soluções educativas têm mais êxito. É verdade que treinar presidiários é uma tarefa complexa e onerosa. Mas é o que funciona. O exercício voluntário de atividades profissionais bem apreendidas têm um efeito positivo na psicologia dos presos: Eles ficam mais seguros para enfrentar um mercado de trabalho que muda a cada dia.
Além do mais, isso tem um efeito psicológico valioso. Para uma grande parte dos presos, é desesperador ficar encarcerado, sabendo que suas famílias estão sem renda e passando dificuldades. E que, quando sair do presídio, cairão num cipoal de problemas que os levarão de volta ao crime. Para eles, passar alguma renda à família tem efeitos muito positivos. Por isso, o investimento em profissões contemporâneas é imperativo.
No Brasil, há cerca de 160 mil presos em cadeias públicas e 60 mil em delegacias. Uma parcela minúscula trabalha e, mesmo assim, em serviços de limpeza dos pavilhões, pequenos reparos, ajuda na cozinha e trabalhos artesanais.
Temos muito a fazer no campo do trabalho prisional. Mas não há fórmulas mágicas; e nem sistemas baratos. Já existem algumas experiências que merecem ser ampliadas. Dentre elas, a dos “presídios terceirizados”. Neles, os presos trabalham em projetos de empresas que utilizam a mão-de-obra prisional.
A Penitenciária Industrial de Guarapuava (Paraná), por exemplo, mantém convênios com empresas locais que passam aos presos uma grande parte de seu trabalho. Esse sistema vem sendo usado também na Penitenciária de Juazeiro do Norte (Ceará). Há outras do mesmo tipo. O Instituto Ethos indica dezenas de empresas que já recorrem ao trabalho de presos, oferecendo, inclusive, bons programas de treinamento (Roberto da Silva, O que as Empresas podem Fazer pela Reabilitação do Preso, São Paulo: Instituto Ethos, 2001).
Mas, uma coisa é certa. O trabalho que constrói e eleva a auto-estima, exige recursos bem investidos em programas de formação profissional para que os presos possam enfrentar, com sucesso, a vida em liberdade. Isso não tem nada a ver com trabalho forçado.
(*) José Pastore é presidente do Conselho das Relações do Trabalho da FecomercioSP.
Fonte: Diário do Aço, por José Pastore
Nenhum comentário:
Postar um comentário