Quando o trabalho ficava pesado demais, uma associada de vinte e poucos anos de uma grande firma de advocacia entrava em uma sala vazia do escritório, fechava a porta e as venezianas, e começava a chorar. Em uma dessas ocasiões, ela percebeu um barulho distante: era uma colega chorando na sala ao lado.
Will Meyerhofer conta a história, protagonizada por sua cliente, para enfatizar a penúria que existe por trás da máscara de alguns advogados vistos como bem-sucedidos. “Há algo único na sociedade estabelecida entre profissionais do direito, na cobrança por hora e na competição brutal que existe em uma firma de advocacia”, diz.
Baseado no bairro de Tribeca, em Nova York, o ex-advogado é hoje um psicoterapeuta que encontrou um nicho observando clientes advogados. Alguns deles estão, inclusive, no Reino Unido, no Japão e na Índia e o aconselhamento é feito pelo Skype. Ele é procurado cada vez mais por advogados ansiosos, esgotados e deprimidos.
O setor financeiro sempre atraiu atenção por suas condições de trabalho punitivas, mas ele afirma que a situação pode ser pior para os advogados. Isso porque no mercado financeiro há a expectativa de que as coisas melhorem com o tempo, mas para os advogados não é este o caso. “Você passa sua vida inteira sendo o equivalente a um analista bancário. É algo brutal que vai para casa com você.”
Essa familiaridade com as funções jurídicas e com a cultura do setor significa que ele é empático para com os advogados. Nas sessões de terapia com os clientes, nomes de alguns chefes tirânicos são citados com frequência.
Alan Levin, de Chicago, é cofundador de um consultório de advogados que se transformaram em terapeutas para atender a colegas de profissão. Ele diz que embora não haja o pré-requisito de ser um advogado para entender outro, certamente isso ajuda. “Um cliente pode se referir a algo em sua experiência, sem precisar ficar explicando em detalhes”, afirma. Um terapeuta sem experiência corporativa pode sugerir a um cliente que ele pode, por exemplo, deixar de trabalhar aos sábados. “Eles não entendem como às vezes é impossível recusar trabalho.”
Meyerhofer, que frequentou Harvard e a faculdade de direito da Universidade de Nova York antes de trabalhar no escritório Sullivan & Cromwell, diz que não se encaixava no processo. “Eu odiava aquilo. Não nasci para ser um advogado corporativo. Era uma coisa muito competitiva e longas horas de trabalho, sempre com muitos detalhes. No fim, delicadamente me mostraram a porta da rua.”
Hoje, ele olha para trás e vê que era deprimido e ansioso. Além de se tornar insone, ganhou 20 kg em sua passagem no mundo da advocacia. Após se reciclar como psicoterapeuta e escrever em blogs sobre as consequências emocionais de atuar na área do direito, ele encontrou ex-colegas que sempre pareceram felizes, mas que confessaram que eram ansiosos e tinham dúvidas quanto à sua própria capacidade.
Como terapeuta, Meyerhofer encontra muitos clientes que, segundo acredita, inconscientemente sabotam suas próprias carreiras respondendo com ousadia ao chefe, por exemplo, na esperança de serem demitidos. Ele pergunta aos clientes como se sentiriam se fossem demitidos amanhã. Uma resposta comum é: aliviado. Alguns de seus clientes do sexo feminino demonstram frustração por serem marginalizadas, assediadas sexualmente e serem encarregadas do “trabalho de casa”, como cuidar dos colegas menos experientes.
Os clientes advogados fazem terapia porque querem ajuda, mas nem todos se sentem miseráveis em relação a seu trabalho. “Alguns adoram a advocacia”, diz Meyerhofer. Nem sempre ele aconselha aqueles que se sentem presos ao emprego a pedir as contas. Ajustes em suas funções ou mudanças suaves podem ajudar bastante. Um problema que Levin costuma ver entre seus clientes é o que ele classifica de “maldição do potencial ilimitado”. Trata-se de pessoas que foram informadas de que são brilhantes e que sentem que precisam atuar com todo o seu potencial. “A maldição é que se trata de algo ilimitado e que jamais poderá ser atingido de forma plena.”
A ansiedade pode ser alta quando o assunto é remuneração, especialmente no que diz respeito às bonificações, diz Levin. “Não se trata do dinheiro. A maioria das pessoas se sentiria melhor ganhando meio milhão de dólares se todos à sua volta recebessem menos, do que se ganhasse US$ 1 milhão e os outros US$ 1,6 milhão.”
O dinheiro, segundo Levin, diz respeito à validação, particularmente importante em um local de trabalho em que poucas pessoas são reconhecidas pelos clientes, colegas ou superiores. Para Meyerhofer, o dinheiro e o prestígio são uma armadilha. Ele conta o caso de uma advogada experiente e bem remunerada que frequentemente demonstra ansiedade por achar que se deixar o emprego acabará vivendo na rua. “Tal posição catastrofista está longe de atípica.”
Sarah Weinstein fica na Califórnia e é psicoterapeuta há mais de um ano, depois de trabalhar como advogada por 12. Aos 44 anos, ela diz que seus clientes apreciam a oportunidade de baixar a guarda. “Os advogados fingem estar bem o tempo todo. Demonstrar um lado exterior confiante pode ser exaustivo.”
Hoje, Meyerhofer tem sentimentos contraditórios em relação à faculdade de direito. “Gastei muito dinheiro e fiquei deprimido, mas desenvolvi uma nova carreira a partir disso”, diz. Ainda assim, ele diz que ganha hoje o mesmo que um advogado júnior.
Em algum momento, um cliente poderá dizer a Meyerhofer que ele é uma fraude, um resmungão ou um perdedor, e que ele virou terapeuta somente porque não teve sucesso no direito. Ele admite que não era um grande advogado: “Não sou um completo idiota. Eu apenas não queria mais fazer aquilo”. Além disso, diz ele, seu trabalho atual lhe possibilita noites livres e folga nos fins de semana.
Fonte: Valor Econômico / Financial Times, por Emma Jacobs
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