Se fazer o cadastro de empregados domésticos no e-Social — sistema criado para recolher as novas contribuições — já causou dor de cabeça para muitos patrões no ano passado, dar baixa de um funcionário em caso de demissão pelo novo sistema tem sido uma missão impossível. Isso porque, quatro meses após seu lançamento, a plataforma ainda não tem uma função para formalizar o desligamento de empregados.
Sem o recurso, as guias para pagamento das contribuições continuam sendo geradas, mesmo após a saída da doméstica. Quando decidiu demitir a empregada, em dezembro, a fisioterapeuta Patrícia Macedo não tinha ideia de como proceder. Ela dispensou a empregada no dia 18 daquele mês e teve de pesquisar muito. Hoje, acha que conseguiu acertar as contas, mas ainda tem dúvidas. — Este mês de fevereiro, que pagaria relativo ao trabalho de janeiro, o nome dela ainda estava lá no sistema. Fiz tudo direitinho, paguei o 13º salário.
Mas não sei se em março agora vai gerar de novo — conta Patrícia, que acha o sistema tão confuso que sequer sabe explicar como fez. — Mexi em muita coisa. O maior problema citado pelos usuários é que, sem a previsão de demissão no sistema, o cálculo da verba rescisória é mais complicado. Se o empregado tiver direito à multa de 40% sobre o FGTS, como nos casos de demissão sem justa causa, é preciso gerar uma guia separada no site da Caixa Econômica Federal.
O documento, chamado Guia de Recolhimento Rescisório do FGTS (GRRF), calcula o valor da multa e demais verbas a serem pagas, como salário, férias e 13º proporcionais. Depois disso, é preciso ir ao e-Social para gerar a guia de recolhimento relativa ao último mês de trabalho. Nesse caso, é preciso editar o Documento de Arrecadação (DAE), para desmarcar as linhas de contribuição do FGTS relativo àquele mês, porque esses valores já devem ter sido lançados na GRRF.
Além disso, o patrão precisa imprimir o termo de rescisão do contrato de trabalho e entregar ao funcionário. Ainda assim, o trabalhador continua constando como funcionário, já que é impossível dar baixa no empregado. A Receita Federal, responsável pelo sistema, admite que o e-Social ainda não conta com a “funcionalidade” de demissão. O manual disponível no site da ferramenta avisa que a opção só será lançada “no futuro”. Segundo o Fisco, a previsão é que a função entre no ar em março. “Melhorias no e-Social estão sendo implantadas continuamente.
Como qualquer sistema, as funcionalidades são adicionadas aos poucos”, afirmou o órgão, em resposta ao GLOBO. A Receita informou ainda que o sistema tem hoje 1,2 milhão de empregados cadastrados.
Domésticas demoram a conseguir sacar fundo
Por enquanto, para evitar que as guias para pagamento continuem a ser geradas mesmo com o empregado demitido, a solução é alterar o salário para R$ 0,00 mensalmente, a partir do mês seguinte à demissão. O empregado continuará constando como funcionário, mas não haverá cobrança de encargos. Caso o doméstico tenha filhos com direito a salário-família, também é preciso editar a área de dados cadastrais e, na guia “Dependentes para Fins de Recebimento de Salário- Família”, marcar a opção “não”.
Um erro comum dos patrões é tentar clicar no botão “excluir”, ao lado do nome do empregado demitido. A Receita explica que esse não é o procedimento correto. O comando apenas faz com que as informações sobre o empregado fiquem indisponíveis, mas não as elimina do sistema nem interrompe a geração de débitos. — Se excluir, acaba com todo o histórico. Isso não é recomendado. O problema é que o governo lançou o sistema sem a função — explica Mario Avelino, presidente do Instituto Doméstica Legal, que enviou uma lista ao Comitê Gestor do e-Social com sugestões para melhorar o sistema.
Enquanto a função de demitir não é criada, domésticos que conseguirem um novo emprego posistemas trabalhando separadamente aumenta o risco de de erros e pagamentos indevidos, como aconteceu com Renata Maia, que acabou pagando o FGTS duas vezes: — Consegui (fazer a demissão), mas tive um estresse enorme. Fiz muita pesquisa para encontrar informações de como pagar a rescisão. Depois que paguei, minha funcionária foi à Caixa, mas não conseguiu sacar porque o recibo que eu dei não era o oficial.
Lógico, eu não tinha ideia de que era preciso tal documento. Então encontrei o documento correto na internet e demorei mais um tempão para descobrir os códigos para preenchimento. Mas o que mais me incomodou foi pagar mensalmente a porcentagem para rescisão, embutida no Simples, e ter de pagar de novo à Caixa a multa total. O problema também atinge as domésticas, que acabam demorando mais para receber. No Sindoméstica, sindicado das empregadas de São Paulo, os problemas têm sido constantes.
— A Caixa não está muito bem informada sobre esse programa. Muitas vezes eles não localizam o depósito, a empregada vem aqui. Aí a gente fala para irem a outra agência, e conseguem — relata Maria Sirlene de Souza, auxiliar administrativa que trabalha no atendimento do sindicato. Procurada, a Caixa informou que todo o procedimento pode ser feito pelo site do banco, por meio da GRRF. Segundo a instituição, além de servir para calcular as verbas rescisórias, a ferramenta informa quando o empregado pode comparecer à agência para sacar o dinheiro.
O banco destacou que não é preciso apresentar a homologação, apenas o termo de rescisão e o comprovante de pagamento do e-Social. A complexidade do sistema tem feito profissionais como a administradora Claudia Sepulveda, especializada em consultoria para empregadores domésticos, ampliar a clientela. Ela conta que dobrou o número de atendimentos desde que o e- Social foi ao ar: — Não é que o o sistema seja malfeito. Ele é relativamente bom para uma pessoa que tenha uma noção. Além disso, você precisa ter conhecimento básico da legislação.
“Impossível calcular sozinha”
Uma de suas clientes, a psicóloga Monique Leal, simplesmente desistiu de tentar entender a nova plataforma. Ela acabou ficando no prejuízo ao não conseguir lançar corretamente as informações de sua empregada, que entrou em licença-maternidade. O e-Social não prevê essa situação e acaba descontando a contribuição ao INSS total. Por lei, a parte da empregada deve ser deduzida diretamente de seu salário-maternidade. Para evitar isso, também é preciso alterar manualmente a guia do e-Social, o que Monique não fez.
— O sistema é uma entidade. Quando é o salário, é tranquilo. Mas em qualquer evento trabalhista, você fica perdido — queixa-se Monique. A empresária Patricia Guarnieri também está insatisfeita com o sistema: — Impossível fazer sozinha os cálculos dos impostos a serem pagos por ocasião do desligamento da funcionária, quer demitida ou demissionária.
Fonte: O Globo, 24.02.2016
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