terça-feira, 12 de julho de 2016

Direito em jogo – Competições à noite, uma realidade ignorada pelo direito.

A Constituição Federal proíbe o trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito anos e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos. O trabalho noturno é, por sua natureza, presumidamente insalubre, perigoso ou penoso, razão pela qual os trabalhadores que se ativam em tal período recebem uma remuneração diferenciada, no mínimo 20% superior aos que laboram no período diurno. A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) define como noturno aquele desenvolvido entre 22h00 e 05h. A Lei Pelé autoriza que o menor de dezoito anos e maior de dezesseis anos formalize um contrato especial de trabalho desportivo. O problema está na participação de atletas profissionais, menores de dezoito anos, em competições realizadas de forma integral ou parcialmente no período noturno.
No futebol, há muitos anos, os jogos realizados às quartas-feiras abrangem o período noturno. Na rodada do Campeonato Brasileiro da 1ª divisão, ocorrida no dia 29/06/2016, três jogos tiveram início às 19h30, dois jogos às 21h00 e dois jogos às 21h45. Nos três primeiros jogos, ainda que tenham terminado às 21h30, por certo que os jogadores só deixaram o estádio, pelo menos, às 22h30, considerando o tempo despendido para higiene pessoal e entrevista. Ademais, não são raros os casos em que os atletas que não participaram da partida façam uma rotina de exercícios físicos após o jogo.
A legislação trabalhista considera como de serviço efetivo o período em que o empregado esteja à disposição do empregador, aguardando ou executando ordens, salvo disposição especial expressamente consignada. Portanto, em tese, mesmo que o atleta não participe diretamente da partida, antes, durante e depois da partida, estará à disposição do seu empregador.
A controvérsia se acentua quando a disputa é realizada fora da sede do clube. Tal circunstância pode resultar em retorno após a partida ou pernoite no local do jogo com retorno no dia posterior. Considerando que a viagem só existiu para o cumprimento de uma obrigação trabalhista (disputar a partida), abre-se espaço para discussão da existência ou não de conduta passível de reparação pelo clube empregador.
É relevante destacar que o clube não é o responsável pela definição dos horários dos jogos que irá disputar. Trata-se de prerrogativa da entidade de administração do desporto, responsável pela organização do campeonato. Isso não quer dizer que os clubes não possuem nenhuma responsabilidade sobre tal definição, mas não podemos ignorar o fato de que dependem financeiramente dos direitos televisivos e que, portanto, na prática, podem sugerir e ponderar alterações.
Competições internacionais também envolvem disputas em horário noturno, observadas as características culturais do local do evento e também aos interesses das emissoras compradoras dos direitos de transmissão. Não se trata, em absoluto, de uma situação particular brasileira. Os jogos das semi-finais e finais da atual UEFA EUROCOPA começam às 21h00, horário local. Caso observada a legislação vigente, em sua literalidade, o atleta menor de dezoito anos só poderia jogar o primeiro tempo.
O desporto profissional possui características peculiares, exclusivas, que demandam um olhar diferenciado e especializado do legislador. A disciplina do adiciona noturno é uma das lacunas existentes na legislação atual.
Valendo-me do exemplo do futebol, por ser de mais fácil acesso ao público em geral, um jogador menor de 18 anos, com excepcional talento, dedicação aos treinos, rigor na alimentação e preparação física, com altíssima propensão a ser o destaque no seu clube e, sem exagero, na seleção brasileira é privado de participar de competições oficiais que ocorram após às 22hs.
O atleta profissional se prepara, intensamente, para obter o melhor desempenho durante a competição oficial. Ser privado de tal oportunidade em face de uma legislação alheia às circunstâncias de sua profissão é, no mínimo, frustrante.
Não se trata apenas da obrigação do pagamento da parcela, mas do absurdo de se impedir que um atleta profissional menor de dezoito anos não possa exercer seu ofício em competições no período noturno. Segundo já ponderamos, o atleta sequer poderia acompanhar seus colegas de trabalho, já que existe o risco da interpretação de estar à disposição de seu empregador.
É iminente a necessidade de alteração legislativa para regular o trabalho dos atletas profissionais em horário noturno. O atleta, o clube e a torcida perdem com a ausência de disciplina específica. Pelé e Ronaldo foram campeões mundiais com 17 anos. Quando o direito ignora a realidade, a realidade se vinga ignorando o direito (Georges Ripert).
(*) Fabricio Trindade de Sousa é Advogado, sócio do Amorim Trindade e Paz Advogados. Membro da Academia Nacional de Direito Desportivo.
Fonte: JOTA, por Fabricio Trindade de Sousa (*), 12.07.2016

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