As práticas de conciliação e mediação são objeto de forte controvérsia entre operadores da Justiça do Trabalho.
Uma audiência pública realizada na quinta-feira (23/6) pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) mostrou que um dos principais conflitos de interesses se dá em torno da possibilidade de mediadores, e não juízes, darem a palavra final sobre questões trabalhistas.
Alvo de críticas e elogios, iniciativas de regulamentação da política sobre o tratamento de conflitos na esfera trabalhista – estipuladas pela resolução 125/2010 do CNJ – foram debatidas na audiência de abrangência nacional a convite do conselheiro e ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST) Lélio Bentes. Ele preside o grupo de trabalho sobre o tema.
Essa proposta de resolução também prevê possibilidade de conciliação e mediação pré-processual, não só em dissídio coletivo – matéria já regulamentada pelo TST -, mas também em casos individuais.
A norma do CNJ diz, no artigo 18-B, que o conselho deve editar uma resolução específica dispondo sobre a Política Judiciária de tratamento adequado dos conflitos de interesses da Justiça do Trabalho.
A especificação não é sem razão: diferentemente dos outros braços do judiciário federal, a solução de conflitos no âmbito das relações de trabalho não é regulada pela Lei da Mediação (nº 13.140/2015). “A solução de controvérsias e a autocomposição de conflitos no âmbito das relações de trabalho será regulada por lei própria”, diz o parágrafo único do artigo 42º da lei.
Mercantilização
A juíza Rosarita Caron, presidente da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 10ª região (Amatra 10), é contra a mediação na Justiça Trabalhista. Ela encara a prática como inadequada à realidade das questões laborais.
“É a mercantilização das soluções judiciais”, avalia.
Numa mesa de negociações composta por patrões e empregados, há uma assimetria clara, uma relação de poder que não pode ser ignorada.
“Quando o empregado chega, ele já não é mais empregado. Isso impõe algumas restrições à atuação de um mediador, de uma mediação que não é feita por um juiz”, ressalta Caron.
Para ela, o juiz é o conciliador por excelência. Visão que seria respaldada pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), no artigo 846, por exemplo.
A magistrada liderou um projeto piloto de conciliação chamado Conciliar é 10, do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região (TRT-10).
Implantado em 2007, contava com quatro juízas conciliadoras que faziam todas as iniciais e teve êxito durante três anos: o uso de técnicas de conciliação em audiências inaugurais aumentou o índice de acordos em cerca de 60% nos processos da 15ª Vara do Trabalho de Brasília.
“Tivemos que interromper a boa experiência pois estávamos sobrecarregados”, conta.
O que, na sua opinião, mostra que é preciso consertar o que está errado na Justiça do Trabalho, e não terceirizar funções. Trata-se de observar todas as especificidades desse ramo da Justiça, capacitar os juízes para o problema sociológico e selecionar mais juízes substitutos.
Caron é categórica: “Tenho a expectativa de que a mediação não se instale na Justiça do Trabalho. Temos um princípio protetivo, já que existe uma relação de força, de poder. Se o juiz não estiver ali, corremos o risco de serem negociados direitos que são inegociáveis.”
Experiências
“Desde que ingressei na Justiça do Trabalho minha sensação foi a de não conseguir, em tempo adequado, ministrar plena e adequada prestação jurisdicional”, contou a desembargadora do trabalho Maria Inês Targa. Ela é coordenadora do Centro Integrado de Conciliação de 2º grau do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª região (TRT-15), que desde março de 2015 mantém em funcionamento oito Centros Integrados de Conciliação nas regionais.
Os resultados estatísticos são um dos trunfos da experiência narrada pela desembargadora. No primeiro ano de programa, foram realizadas 1.952 audiências de conciliação – desse total, foram fechados 1.153 acordos, gerando uma movimentação financeira da ordem de R$ 115,6 milhões. Com sede em Campinas (SP), o TRT-15 é recordista da Semana Nacional de Conciliação Trabalhista, contabilizando mais de R$ 103 milhões em créditos homologados aos trabalhadores.
O programa funciona mediante adesão das empresas que respondem a processos trabalhistas e todos os centros contam com a presença de um magistrado e mediadores formados pela escola judicial. Os mediadores têm sempre a presença de magistrados, que são chamados a atuar já que também é dado encaminhamento dos processos quando não há acordo.
“O que eu vejo é que pouca gente conhece mediação e pouca gente conhece as experiências sérias de mediação na justiça do trabalho”, observa Targa, cujos estudos sobre o tema renderam o livro Mediação em Juízo (editora LTR). “Todo mundo acha que é um meio de flexibilizar direitos, mas o que nós pregamos é que sempre o magistrado analise esses acordos com seriedade.”
A magistrada rebate a tese, defendida pela Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), de que quem deve cem não pode pagar noventa. Assim, nem sempre a sentença judicial torna real que quem deve cem deve cem mesmo – “as coisas são muito plurais, poucas pessoas sabem o que realmente aconteceu”.
“A Justiça do trabalho tem um DNA de conciliação entre o capital e o trabalho, mas hoje não é mais só o capital e o trabalho, hoje é o trabalho e o trabalho que sentam lá nas nossas mesas. ”
Fonte: JOTA, por Mariana Muniz, 29.06.2016
Nenhum comentário:
Postar um comentário