segunda-feira, 2 de maio de 2016

Tendências e Debates: Flexibilizar legislação trabalhista traria benefícios ao país?

SIM

por Jorge Cavalcanti Boucinhas Filho (*).
NEGOCIAÇÃO COLETIVA
Há muitos indicadores de que precisamos de uma nova legislação trabalhista. O nosso direito sobre o tema está hoje mais pautado pelo Judiciário –os quase 1.300 verbetes editados pelo Tribunal Superior do Trabalho– do que pelo Legislativo –os 922 artigos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
Temas de grande relevância –como dispensa coletiva, assédio moral e terceirização– ainda não foram objeto de norma aprovada após debate legislativo. Acabaram norteados por pronunciamentos judiciais diversos.
A reforma trabalhista não se tornou necessária em razão da atual crise econômica e não será a responsável por nossa saída dela. Conduzida de forma irresponsável, poderá, inclusive, aumentá-la.
É ilusório imaginar que apenas reduzindo salários e benefícios trabalhistas poderemos superar as atuais dificuldades econômicas. Os empregados representam um relevante grupo de consumidores. Empobrecê-los impactará o consumo e, por conseguinte, a produção.
As normas trabalhistas devem ser mais flexíveis para valorizar a construção do direito do trabalho a partir da negociação coletiva entre sindicatos de trabalhadores e de empregadores. Eles conhecem as peculiaridades de suas categorias melhor do que qualquer parlamentar.
Precisamos de um direito do trabalho que tenha seu esqueleto construído por leis trabalhistas gerais, inflexíveis, de cunho protetivo aos trabalhadores, mas com musculatura formada por normas coletivamente negociadas por quem sabe das necessidades e dos anseios próprios, por vezes exclusivos, das categorias econômicas e profissionais.
É ingênuo, contudo, acreditar que apenas a aprovação de uma norma que permita a sobreposição do negociado coletivamente sobre o legislado solucionará tudo.
A negociação coletiva deve ser um instrumento de adaptação das regras gerais e irrevogáveis às particularidades das atividades e da realidade. Não deve servir para prevaricar as relações de trabalho e garantir o lucro dos empregadores.
Para que isso se viabilize, é necessário reformar a estrutura sindical, de modo a tornar os sindicatos efetivamente representativos de suas categorias. Não podemos permanecer com um modelo como o atual, no qual dirigentes mantêm os quadros de filiados reduzidos para ser mais fácil vencer a próxima eleição.
Precisamos de mais liberdade sindical para termos sindicatos mais legítimos e representativos, que não se acomodem com as receitas garantidas por lei e lutem efetivamente por melhorias sociais para os trabalhadores por meio da negociação e do diálogo social.
Reformas dessa magnitude são mais bem conduzidas em momentos de estabilidade econômica e política. Na década passada, quando vivíamos um cenário favorável, foi organizado, com esse fim, o Fórum Nacional do Trabalho, com participação de representantes de empregados, empregadores e de diversas esferas do aparato estatal.
É lamentável que, naquele momento, quando tudo conspirava a favor, não tenhamos conseguido empreender a reforma necessária na nossa legislação sindical e trabalhista. A discussão inevitavelmente retornará num cenário em que uma crise econômica grave pressiona em direção a medidas socialmente ruins, com o país dividido e uma instabilidade política sem precedentes.
Será fundamental muita engenhosidade para implementar as mudanças necessárias sem provocar retrocesso social. O arrependimento pela oportunidade perdida é inevitável.
(*) Jorge Cavalcanti Boucinhas Filho, 36, é professor de direito do trabalho na Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas e pesquisador do Neop (Núcleo de Estudos em Organizações e Pessoas).
NÃO
por Luiz Carlos Motta (*).
VAMOS PROTEGER A CLT
Assinada em 1943 por Getúlio Vargas, então presidente da República, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) é considerada a principal conquista trabalhista da história do Brasil.
Entre outros avanços, esse marco representou para os trabalhadores ganhos como a criação do salário mínimo, a redução da jornada para oito horas diárias e o surgimento da Carteira de Trabalho, reconhecendo por lei o vínculo trabalhista.
Com o passar dos anos, esses direitos fundamentais foram ampliados a partir da luta das entidades sindicais. Alguns exemplos são a criação do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), em 1966, e a regulamentação do aviso prévio, da licença maternidade e do pagamento de horas extras, em 1988.
Aos poucos, a semente plantada em 1943 pôde se desenvolver em uma legislação madura, capaz de defender e melhorar as condições de vida da classe produtiva do país.
Hoje septuagenária, a CLT passa por seu período de maior dificuldade. Em um contexto conturbado econômica e politicamente como o nosso, diversos atores se mobilizam para promover ataques às leis que por tantos anos foram motivo de orgulho para todo o Brasil.
A tentativa de desconstrução da CLT possui uma cronologia crescente. Apenas para pontuar alguns acontecimentos recentes, temos as medidas provisórias 664 e 665 (2014), responsáveis por dificultar o acesso dos trabalhadores a direitos como seguro-desemprego, auxílio-doença e até mesmo pensão por morte para dependentes.
Há ainda o nefasto projeto de lei 4.330/2004, talvez a pior afronta aos direitos trabalhistas desde sua consolidação, uma vez que propõe a ampliação da terceirização para a atividade-fim das empresas, algo que hoje é considerado ilegal pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST). Tramitando agora no Senado, esse projeto permitiria uma terceirização irrestrita.
Basicamente, a medida tornaria possível a criação de verdadeiras aberrações, como uma marcenaria sem marceneiros e lojas sem vendedores. Tudo para que a mão de obra possa ser barateada de maneira predatória, reduzindo salários e benefícios, além de dificultar que o trabalhador tenha acesso a seus direitos.
No momento de crise em que vivemos, diversos grupos passam a se movimentar politicamente para fazer pressão e dobrar leis e conquistas trabalhistas. Trata-se de uma tentativa de aproveitar os problemas econômicos para forçar os trabalhadores a pagarem a conta por uma crise que não produziram.
A atuação das centrais sindicais em favor da CLT e dos direitos conquistados durante esses mais de 70 anos não é uma defesa romântica ou nostálgica de uma realidade distante da nossa. Está fundamentada não só no bom senso, mas na razão, uma vez que não existe saída para a crise atual que passe pela redução de direitos.
No lugar de relativizar as conquistas trabalhistas, precisamos garantir a estabilidade financeira e a segurança da classe. Apenas assim podemos incentivar o consumo interno e fazer a roda da economia, hoje fora dos eixos, voltar a girar. É daí que vem a potência que alimenta a indústria nacional e o crescimento econômico necessário para aprofundar as conquistas sociais.
Nossa septuagenária CLT passa por tempos difíceis, mas, como tem sido ao longo da história, sempre encontrará nas centrais sindicais aliados dispostos a defendê-la com unhas e dentes, lutando até o fim para mantê-la em segurança e ampliar suas conquistas.
(*) Luiz Carlos Motta é presidente da Fecomerciários (Federação dos Comerciários do Estado de São Paulo) e da UGT-SP (União Geral dos Trabalhadores do Estado de São Paulo).
Fonte: Folha de São Paulo, 30.04.2016

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