Um técnico de enfermagem impetrou mandado de segurança visando a garantir direito à nomeação no cargo para o qual foi aprovado em concurso público promovido por uma empresa de serviços hospitalares para atuar no Hospital das Clínicas da UFMG. Ele já trabalhava, na condição de estatutário, junto ao Hospital Odilon Behrens, pertencente ao Município de Belo Horizonte. A posse foi negada sob a alegação de impossibilidade de acúmulo de cargos públicos cuja somatória ultrapassasse 60 horas semanais.
Dando razão ao autor, a juíza de 1º Grau julgou procedente a pretensão para garantir a acumulação dos cargos. Ela reconheceu que nada impedia o exercício de ambos os cargos, uma vez que havia compatibilidade de horários de trabalho: enquanto no Hospital Odilon Behrens a jornada é no regime de 12×36, no período noturno, no Hospital das Clínicas seria de 36 horas semanais, em três plantões semanais, no período da tarde. No entanto, a 8ª Turma teve outro entendimento sobre o caso e deu provimento ao recurso ex officio para declarar a ilicitude da acumulação. Com base no voto da desembargadora Ana Maria Amorim Rebouças, a Turma julgadora determinou que o reclamante faça opção por um dos cargos.
Em seus fundamentos, a relatora lembrou que a regra disposta na Constituição da República é a não acumulação de cargos ou empregos públicos. Todavia, o inciso XVI do artigo 37 da Constituição estabelece exceções, sendo uma delas a possibilidade de acumulação de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas.
No caso, ficou demonstrado que a acumulação significaria o trabalho num total de 76 horas semanais, sendo 40 horas no Odilon Behrens e 36 horas no outro hospital. O montante foi considerado ilegal pela Advocacia Geral da União, que estabeleceu limite de 60 horas semanais em caso de acúmulo. A relatora considerou razoável o entendimento, sobretudo por se tratar da área de saúde. “O critério adotado no Parecer da AGU é pautado no respeito ao princípio da razoabilidade, o qual norteia os atos administrativos, ainda mais nos casos da área de enfermagem, em que é indubitável haver grande número de profissionais em acúmulo de jornadas muito acima das 44 horas semanais previstas na Constituição”, destacou.
A desembargadora ponderou que a vedação do acúmulo deve ser entendida não apenas de forma literal. Também a Lei nº 8.112/90 deve ser considerada, nela estando prevista a jornada de trabalho de, no máximo, 40 horas semanais para os servidores públicos federais, com possibilidade de duas horas de trabalho extras por jornada. Segundo a magistrada, certamente esse limite foi estabelecido pelo legislador visando a preservação da saúde física e mental do trabalhador, matéria diretamente afeta à dignidade da pessoa humana (art. 1º, III da CR/88), sendo norma de ordem pública, indisponível pelas partes.
“Revela-se humanamente impossível que, depois de 12 horas de trabalho em um hospital, o trabalhador consiga desempenhar, com a necessária eficiência, ou seja, sem comprometimento da atenção, concentração e qualidade do trabalho, as atribuições próprias de enfermagem em outro local de atendimento médico”, destacou, reiterando que o artigo 37, XVI, da Constituição deve ser interpretado com base no princípio da razoabilidade. “O profissional da área de saúde precisa estar em boas condições físicas e mentais para bem exercer as suas atribuições, o que certamente depende de adequado descanso no intervalo entre o final de uma jornada de trabalho e o início da outra. Sem dúvida, tal descanso se tornaria impossível se configurada excessiva carga de trabalho devido ao somatório das duas jornadas”, registrou no final do voto.
( 0010837-83.2015.5.03.0001 )
Fonte: Tribunal Regional do Trabalho 3ª Região Minas Gerais, 29.04.2016
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