Durante muito tempo uma empresa determinou que somente deveriam ser anotados nos controles de ponto dos empregados fatos excepcionais, como atrasos, faltas e afastamentos. Segundo a empregadora, as demais ocorrências corriqueiras, como horários de entrada e de saída, não precisavam ser registradas, pois poderiam ser presumidas, uma vez que faziam parte da rotina normal de trabalho.
Esse procedimento, que passou a ser adotado por várias empresas, é conhecido como “controle de ponto por exceção”. Mas será que a adoção desse sistema possui validade? Há quem entenda que não, mas e se houver norma coletiva autorizando essa prática?
Embora haja ainda entendimentos divergentes sobre o tema em outros Tribunais Regionais do Trabalho, observa-se que a matéria já foi praticamente pacificada no TRT de Minas, com exceção do posicionamento diferente manifestado pela 9ª Turma.
Nesta Notícia Jurídica Especial veremos os fundamentos que embasaram os posicionamentos dos julgadores que atuam na Justiça do Trabalho mineira, no sentido de ser válida ou inválida a adoção do sistema de controle de ponto por exceção.
Conceito
Ao julgar um processo em que se discutiu a matéria, o juiz convocado Vitor Salino de Moura Eça pontuou que o sistema de controle de ponto por exceção é aquele “pelo qual se presume o fiel cumprimento da jornada de trabalho, ficando a cargo do empregado anotar os atrasos, as ausências e as horas extras prestadas”. (Processo nº 0000551-80.2014.5.03.0098. Acórdão em 24/08/2015).
Em outras palavras, essa modalidade de marcação de ponto por exceção, geralmente prevista em norma coletiva, consiste na pré-assinalação da jornada normal de trabalho e das horas extras pela empregadora, as quais, em tese, poderiam ser alteradas pelo empregado em casos especiais de faltas, licenças, férias, saídas antecipadas, horas extras, afastamentos e outros motivos previstos em lei.
Se não existirem nos controles de ponto as anotações do que “foge ao normal”, presume-se que o empregado realizou a jornada contratual prevista, nos moldes da lei vigente.
Referências legais e súmula aplicável
Se a empresa tem mais de dez empregados, a lei determina que mantenha controle de ponto, com anotação da hora de entrada e saída, em registros manuais, mecânicos ou eletrônicos (artigo 74, §2º, da CLT). Esse controle tem dupla finalidade: para a empresa saber quantas horas o empregado trabalhou e para o empregado checar se o seu salário corresponde às horas efetivamente trabalhadas.
Em 1995, o Ministério do Trabalho e Emprego editou a Portaria 1.120/95, que, depois, foi substituída pela Portaria nº 373, de 25/02/2011. Essa Portaria, que facultou aos empregadores a adoção de sistemas alternativos de controle da jornada de trabalho, estabelece o seguinte:
“Art. 1º – Os empregadores poderão adotar sistemas alternativos de controle da jornada de trabalho, desde que autorizados por Convenção ou Acordo Coletivo de Trabalho.
§ 1º – O uso da faculdade prevista no caput implica a presunção de cumprimento integral pelo empregado da jornada de trabalho contratual, convencionada ou acordada vigente no estabelecimento.
§ 2º – Deverá ser disponibilizada ao empregado, até o momento do pagamento da remuneração referente ao período em que está sendo aferida a frequência, a informação sobre qualquer ocorrência que ocasione alteração de sua remuneração em virtude da adoção de sistema alternativo.
Art. 2º – Os empregadores poderão adotar sistemas alternativos eletrônicos de controle de jornada de trabalho, mediante autorização em Acordo Coletivo de Trabalho.
Art. 3º – Os sistemas alternativos eletrônicos não devem admitir:
I – restrições à marcação do ponto;
II – marcação automática do ponto;
III – exigência de autorização prévia para marcação de sobrejornada; e
IV – a alteração ou eliminação dos dados registrados pelo empregado.
§ 1º – Para fins de fiscalização, os sistemas alternativos eletrônicos deverão:
I – estar disponíveis no local de trabalho;
II – permitir a identificação de empregador e empregado; e
III – possibilitar, através da central de dados, a extração eletrônica e impressa do registro fiel das marcações realizadas pelo empregado.
(…)”.
É importante destacar, ainda, o entendimento consolidado na Súmula 338 do TST:
“I – É ônus do empregador que conta com mais de 10 (dez) empregados o registro da jornada de trabalho na forma do art. 74, § 2º, da CLT. A não-apresentação injustificada dos controles de frequência gera presunção relativa de veracidade da jornada de trabalho, a qual pode ser elidida por prova em contrário. (ex-Súmula nº 338 – alterada pela Res. 121/2003, DJ 21.11.2003)
II – A presunção de veracidade da jornada de trabalho, ainda que prevista em instrumento normativo, pode ser elidida por prova em contrário. (ex-OJ nº 234 da SBDI-1 – inserida em 20.06.2001)
III – Os cartões de ponto que demonstram horários de entrada e saída uniformes são inválidos como meio de prova, invertendo-se o ônus da prova, relativo às horas extras, que passa a ser do empregador, prevalecendo a jornada da inicial se dele não se desincumbir. (ex-OJ nº 306 da SBDI-1- DJ 11.08.2003) “.
Existe uma portaria ministerial que autoriza o controle de ponto por exceção?
Este é um dos argumentos utilizados por muitas empresas que recorrem à Justiça do Trabalho mineira: a adoção do sistema de ponto por exceção encontra-se autorizada pelo Ministério do Trabalho, mediante a Portaria 373/2011.
Entretanto, no que se refere a esta modalidade de controle de jornada, apesar de a Portaria 1.120/95, do MTE, revogada posteriormente pela Portaria 373/2011, dispor que “os empregadores poderão adotar sistemas alternativos de controle da jornada de trabalho, desde que autorizados por convenção ou acordo coletivo de trabalho”, a jurisprudência dominante do TRT mineiro tem se consolidado no sentido de que os registros de ponto por exceção são nulos, por violarem normas referentes à fiscalização do trabalho, em especial o art. 74, §2º, da CLT.
Nesse contexto, os julgadores que atuam na JT mineira, em sua maioria, aplicam ao caso o entendimento contido na Súmula 338, I, do TST, segundo o qual “a não apresentação injustificada dos controles de frequência gera presunção relativa de veracidade da jornada de trabalho, a qual pode ser elidida por prova em contrário”.
Na interpretação do juiz convocado Carlos Roberto Barbosa, a Portaria ministerial em questão não autoriza o sistema de ponto por exceção. “Ao contrário, a Portaria 373/2011 do MTE, expressamente, não admite marcação automática de ponto (art. 3º, II) e determina que os sistemas alternativos possibilitem “através da central de dados, a extração eletrônica e impressa do registro fiel das marcações realizadas pelo empregado” (art. 3º, §1º), o que vai de encontro com a marcação por exceção promovida pela ré”, pontuou o relator do recurso da empresa. (Proc. PJe nº 0010380-93.2015.5.03.0084-RO).
São válidas as normas coletivas que autorizam o controle de ponto por exceção?
Outro argumento utilizado por muitas empresas que recorrem à Justiça do Trabalho mineira é o fato de existirem normas coletivas que autorizam a adoção do sistema de ponto por exceção.
Os magistrados que atuam na Justiça do Trabalho mineira, em sua maioria, enfatizam que a Constituição da República, no art. 7º, XXVI, assegura a eficácia das convenções e acordos coletivos de trabalho legitimamente celebrados pelas entidades sindicais representativas das categorias profissional e econômica, os quais devem ser reconhecidos e observados, por se tratar do fruto da negociação coletiva em que as partes fazem concessões mútuas, sempre visando o interesse específico de determinada categoria. Entretanto, segundo o entendimento dominante, não se admite a negociação e a redução dos direitos indisponíveis, como aqueles destinados a proteger a saúde e a segurança do trabalhador.
Em outras palavras, as negociações coletivas encontram limites nas garantias, direitos, princípios e normas constitucionais e infraconstitucionais instituídos e que são intangíveis à autonomia coletiva, tais como as normas de proteção à saúde e segurança do trabalhador. Sob essa ótica, no âmbito do Direito do Trabalho é pacífico o entendimento de que as normas devem ser interpretadas no sentido de ampliar – e não de restringir – a proteção e as conquistas do trabalhador, que é o elo mais frágil na relação de emprego. Assim, de acordo com a jurisprudência dominante do TRT de Minas, embora o art. 7º, XXVI, da Constituição da República, prestigie os acordos e convenções coletivas, é certo que não ampara a possibilidade absoluta e ilimitada de se transacionar direitos trabalhistas consagrados na mesma Constituição, principalmente no que se refere às normas relativas à duração da jornada de trabalho.
Dessa forma, na visão da maioria dos julgadores que atuam na JT mineira, é destituída de qualquer validade a cláusula normativa que desconsidera a regra geral de anotação, pelo empregador que possua mais de dez empregados, do início e término da jornada efetivamente trabalhada pelo empregado, através de registro manual, mecânico ou eletrônico, conforme estabelecido no artigo 74, § 2º, da CLT.
Um exemplo que ilustra esse entendimento pode ser encontrado no processo nº 0000183-88.2014.5.03.0060. No caso, o empregado, que exercia a função de técnico de mina e geologia na empresa Vale, alegou que, durante todo o contrato de trabalho, invariavelmente, iniciava e/ou terminava sua jornada de trabalho fora do horário a que estava legalmente obrigado, sem receber as horas extras e reflexos correspondentes. Salientou que a empresa exigia a antecipação do início de seu turno de trabalho para as 15 horas, quando, na realidade, a sua jornada teria início às 18 horas.
A Vale, em sua defesa, aduziu que os acordos coletivos de trabalho firmados com o sindicato da categoria preveem o registro automático da frequência ao trabalho, por meio de controle de exceções, sendo perfeitamente válida essa previsão. Afirmou ainda que eventual hora extra realizada está devidamente registrada no controle de frequência, como exceção. Salientou que os ACTs vigentes permitem a compensação de eventuais horas extras.
Ao analisar o conjunto de provas, o desembargador relator Sércio da Silva Peçanha concluiu que, embora não fosse exigência da empresa, ficou comprovado nos autos que o reclamante chegava antes e saía depois do horário contratual sem registrar as entradas e saídas e sem receber ou compensar as horas extras não anotadas. Na ótica do relator, os depoimentos das duas testemunhas ouvidas a convite do reclamante são suficientes para comprovar que os técnicos chegavam às 15h quando o turno começava às 18h e também saíam mais tarde. Isso porque, segundo as testemunhas, mesmo nos períodos de horário de verão, era necessário fazer uma espécie de vistoria na mina para ver, à luz do dia, se havia alterado alguma área.
O desembargador não deu razão à ré quanto à alegação de que os ACTs firmados com o sindicato da categoria preveem o registro automático da frequência ao trabalho, controle de exceções, e que tal previsão é válida. “Adoto o entendimento de que as normas coletivas que preveem a adoção de sistema de ponto por exceção, carecem de validade, pois afrontam a previsão constante do art. 74, § 2º da CLT, em relação ao controle da jornada de trabalho para as empresas que contam com mais de dez empregados. Trata-se de matéria de ordem pública, não se admitindo transação por meio de negociação coletiva”, completou.
Nesse contexto, o relator concluiu que não merecem guarida os fundamentos apresentados pela Vale no sentido de que se deve conferir validade a controles de jornada marcados por exceção, principalmente quando constatado, no caso analisado, que a própria testemunha da ré informou que a antecipação da jornada de trabalho e a participação em reuniões não eram computadas. Assim, foi confirmada a sentença que fixou a jornada com base na prova oral colhida e a condenação ao pagamento das horas extras, assim consideradas as excedentes à 6ª diária, por todo o período não atingido pela prescrição, bem como os reflexos correspondentes.
Corrente minoritária
No TRT-MG, apenas os desembargadores que compõem a 9ª Turma assumem um posicionamento distinto sobre o tema, no sentido de ser possível e legal a marcação de ponto por exceção, desde que haja previsão em norma coletiva, isto é, prévia negociação com o sindicato da categoria profissional.
Exemplo desse posicionamento pode ser encontrado no proc. PJe nº 0010910-13.2014.5.03.0091, no qual o desembargador relator João Bosco Pinto Lara enfatizou: “Inicialmente deve ficar claro que, efetivamente, os empregadores poderão adotar sistemas alternativos de controle da jornada de trabalho, desde que autorizados por Convenção ou Acordo Coletivo de Trabalho. (Portaria nº 373/2011 do Ministério do Trabalho e Emprego – MTE “.
Mas, nesse caso, a empresa não foi absolvida da condenação ao pagamento de horas extras, justamente por causa da prova documental juntada ao processo, inclusive as normas coletivas, que determinaram, para os estabelecimentos com mais de 10 empregados, a obrigatoriedade da anotação da hora de entrada e saída em registros mecânicos ou não, devendo ser assinalados os intervalos para repouso. As normas coletivas estabeleceram que o registro da jornada extraordinária deveria ser feito no mesmo documento em que se anotava a jornada normal (exemplo: cláusula 13ª, § 1º, da CCT 2010/2011).
Em outro processo, a desembargadora relatora Maria Stela Álvares da Silva Campos analisou o recurso da Unimed, que não se conformou com a sua condenação ao pagamento de uma hora extra por dia e correspondentes reflexos. A relatora observou que os ACTs da categoria dispuseram expressamente que os empregados sujeitos ao regime de plantão 12×36 horas fariam jus ao intervalo de uma hora para descanso, a ser gozado de acordo com sua conveniência (cláusula 8ª). Autorizou-se, também, àqueles que trabalhavam em jornada especial, 12×72 horas, o mesmo intervalo, fruído, igualmente, de acordo com a “conveniência destes e a compatibilidade do serviço em execução, ressalvados os casos de jornadas regulamentadas por legislação específica em razão da atividade”. A cláusula décima, por seu turno, prevê a “marcação de ponto por exceção”, ou seja, permitiu-se a “adoção de marcação de ponto por exceção para preenchimento, pelo empregado, do seu cartão de ponto para marcação dos intervalos intra-jornada”.
A desembargadora apurou que os empregados da ré tinham assegurada a pausa de uma hora para alimentação e os cartões de ponto continham a pré-assinalação desse intervalo. Para a julgadora, o conjunto de provas demonstrou que as horas extras eram registradas e pagas e os intervalos fixados no ACT eram fruídos de acordo com a conveniência dos empregados. Ficou claro também que era a própria reclamante quem anotava suas pausas em seus cartões. Diante desse quadro, a relatora concluiu que o intervalo para refeição era efetivamente fruído e, em consequência, deu provimento ao recurso patronal para afastar a condenação ao pagamento de uma hora extra por dia e correspondentes reflexos. (Proc. nº 0000239-49.2015.5.03.0008-ROPS).
Conclusão
Pelos casos julgados na Justiça do Trabalho mineira, que bem retratam o entendimento prevalente na jurisprudência, é prudente que se continue a adotar a marcação regular do horário de entrada e saída no controle de ponto mecânico, eletrônico ou manual, a fim de se evitar a nulidade do controle de ponto por exceção ou eventual consideração de inexistência do controle de jornada do empregado.
Fonte: Tribunal Regional do Trabalho 3ª Região Minas Gerais, 16.05.2016
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