segunda-feira, 23 de novembro de 2015

Por um mundo com chefes menos bonzinhos.

Logo que comecei a trabalhar na Folha, fui fazer uma entrevista com uma cientista. O meu chefe gostou muito, elogiou mais de uma vez.
Peguei confiança.
Uns dias depois, entreguei outro texto. Ele leu, me olhou e disse, com um tom de banalidade de quem poderia estar me pedindo para passar o grampeador: “Tá uma bosta, faz de novo”.
Fiquei ofendido. Minha vontade era falar que era então para ele imprimir, enrolar bem e… bom, e jogar no lixo, digamos. Mas pensei que talvez fosse cedo para ser demitido e tentei uma forma polida: “Então me diga por que está uma bosta”.
Para a minha surpresa, ele, então editor de Ciência, pacientemente mandou eu sentar do lado dele e explicou com clareza o que queria que eu mudasse. Fazia sentido. O pior desgraçado é o desgraçado que tem razão. Assim fica difícil –você lá procurando um pretexto para odiar a pessoa, e ela dizendo que você pode ficar à vontade para perguntar se tiver alguma dúvida…
Conto isso porque tenho muita resistência a certa tendência contemporânea ao ambiente de trabalho politicamente correto, em que as pessoas ficam excessivamente cheias de dedos umas com as outras. Talvez por isso que goste tanto de autores como o ex-presidente da GE Jack Welch e do consultor brasileiro Vicente Falconi.
Welch, que vive viajando o mundo conhecendo empresas e dando palestras, escreve que conheceu pouquíssimas empresas na vida que tinham criado uma verdadeira cultura de feedback sinceros –ainda mais nesta nossa época de ultrassensibilidades, em que marmanjo é capaz de ligar chorando para a mãe se o chefe é um pouco mais direto.
A tese de Welch é que naturalmente o trabalho de algumas pessoas estará abaixo da média, às vezes mesmo pessoas muito boas deixam a desejar em algumas tarefas, e essas coisas tem de ser apontadas claramente, mesmo que no curto prazo causem algum mal-estar.
Claro que uma cultura de transparência é muito mais fácil de implantar quando os subordinados admiram ou, vá lá, ao menos simpatizam com os planos da chefia. Quando a peonada assume uma posição defensiva, corporativista, “nós contra os poderosos” –muitas vezes por culpa da própria empresa–, fica muito difícil. Tudo vira conflito.
Mas todo mundo perde quando abrimos mão da transparência para evitar magoar as pessoas.
A pessoa que faz um trabalho apenas regular, mas não tem feedback, especialmente negativo, vai continuar na mesma rota por anos. Obviamente não verá muito progresso na sua carreira, e uma dia vai culpar a empresa, a sociedade, o machismo ou o azar pelo seu fracasso.
Recomendando tanto por Bill Gates quanto por Warren Buffett, “Winning”, de Welch, publicado no Brasil pela Campus Elsevier com o nome meio ruim de “Paixão por Vencer”, dedica amplo espaço à falta de franqueza nas empresas.
“As empresas vencem quando elas sabem fazer uma diferenciação clara entre quem tem melhor performance e quem não tem, quando elas cultivam os bons e abatem os ruins. Companhias não devem tratar a todos igualmente. Em geral, você nem precisa demitir os menos adequados. Eles percebem e vão embora antes. Ninguém quer ficar em uma organização onde não é desejado”, escreve Welch.
Isso não é cruel com quem se dá mal? O americano defende que não.
“Eu fico louco com as críticas contra a diferenciação, porque ela é melhor e mais justa para todo mundo. É melhor quando você recebe informações honestas o suficiente para saber se está perto de uma promoção ou se deveria estar procurando outra coisa. O feedback muitas vezes dói, eu sei, mas ele é libertador, porque mostra onde você está e quais expectativas deve ter.”
As críticas, óbvio, tem de seguir uma lógica e uma métrica coerentes ao longo do tempo –se cada dia é uma coisa diferente que importa, a mensagem que se passa é de que no fundo nada importa e o avaliador está escolhendo algo aleatório para implicar.
O autor americano critica também a vitimização de alguns funcionários. “Ver você mesmo como uma vítima é autodestrutivo. Isso pode ser o começo de uma espiral que vai levar ao fim da sua carreira. Você não ganha nada com isso. Nós vivemos em uma cultura em que os pais processam redes de fast-food porque as suas crianças estão gordas. Por favor!”
Eu sempre penso nos melhores técnicos de esportes –o Bernardinho, digamos.
Imagine se, em um jogo decisivo, o jogador de vôlei se confunde na hora de sacar e dá com a bola na rede. Nenhum técnico à beira da quadra reagiria dizendo diplomaticamente “tudo bem, eu sei que você está fazendo o seu melhor, e não acho que seu saque tenha sido ruim, continue se esforçando”. Por que as pessoas no ambiente corporativo deveriam fazê-lo?
Não se trata de defender a agressividade, longe disso, mas sim que um honesto “foi horrível, vê se agora faz direito” é fundamental para a formação de equipes que buscam bons resultados e para a própria carreira dos seus membros.
Fonte: Folha de São Paulo, por Ricardo Mioto, 23.11.2015

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