sexta-feira, 20 de novembro de 2015

Para conter a deterioração de empregos e salários.

No contexto da recente crise, do fim do super ciclo das commodities e da desaceleração da China, os brasileiros começam a se questionar sobre o que pode ser feito para preservar os ganhos de emprego e salários conseguidos nos últimos 12 anos.
Para encontrar a resposta, há duas reflexões importantes: existe um perigo real de reversão dos ganhos de salário e de emprego? E se para evitar esta reversão há mudanças que são necessárias, que mudanças seriam essas?
Nossa análise sumariada no relatório do Banco Mundial, “Sustentando Melhorias no Emprego e nos Salários no Brasil”, e construída ao longo de vários anos de parceria com entidades brasileiras, aponta duas metas críticas para evitar a reversão dos ganhos: aumentar a produtividade do trabalho, como forma de impulsionar os aumentos dos salários, e conectar os mais pobres a melhores empregos, para garantir que estes se beneficiem.
Entre 2002 e 2014, o mercado de trabalho no Brasil apresentou resultados muito positivos. O país criou mais de 19 milhões de novos empregos formais, os salários reais aumentaram cerca de 40% e a economia passou por um período prolongado de quase pleno emprego. O número médio de anos de escolaridade no país aumentou 50%. Os brasileiros passaram a ser mais bem remunerados, a ter mais oportunidades de qualificação e conseguiram transformar esta qualificação em rendimentos reais.
Estes ganhos foram maiores entre os mais pobres. Neste grupo, os jovens que terminaram a escola média, muitos em famílias apoiadas pelo programa Bolsa Família, foram exatamente aqueles que registaram os maiores aumentos de inserção em empregos formais. A redução da pobreza e da desigualdade no país foram notáveis. A maior parte desta redução decorreu do desempenho positivo do mercado de trabalho.
Desde 2014, o mercado de trabalho tem experimentado uma forte e preocupante deterioração. O desemprego está agora ao nível de 2009, a geração de empregos formais e a qualidade do emprego têm diminuído. Os trabalhadores menos qualificados e mais pobres são os mais vulneráveis. O abandono da força de trabalho tem aumentado mais entre os jovens menos qualificados, cujos vínculos laborais são mais precários e que têm menos experiência profissional.
A causa do aumento do desemprego no último ano é claramente a crise econômica. A retomada vai depender da dinâmica da demanda agregada e de como esta se traduz em geração de empregos, mas também de investimentos do lado da oferta que fortaleçam a força de trabalho e apoiem a empregabilidade.
De uma perspectiva do mercado de trabalho, há dois grandes desafios que se colocam. Primeiro, que se o mercado de trabalho tiver que se ajustar a um novo “normal” de crescimento, de menor estímulo, proveniente dos altos preços das commodities e de uma demanda interna menos vibrante, a nova trajetória dos salários e da criação de emprego dependerá cada vez mais do vigor da produtividade e competitividade. Neste contexto, a meta da produtividade do trabalho é essencial para estimular o crescimento e preservar os ganhos de emprego e salário. Atingi-la vai depender das empresas e do valor acrescentado da sua produção; dos trabalhadores e suas qualificações; e do governo e sua capacidade de promover um bom ambiente de negócios, uma oferta de trabalho cada vez mais fortalecida e um bom funcionamento das instituições e regulações laborais.
O segundo desafio é que a crise econômica não tenha efeitos regressivos que poderiam levar a um aumento da pobreza e da desigualdade. Em tempos de menor crescimento e mercados de trabalho mais fracos, os menores níveis de escolaridade e a menor disponibilidade para investimento entre os mais pobres tornam-os mais vulneráveis às adversidades laborais. Este contexto leva à existência de uma relação estreita entre a performance dos mercados de trabalho e a pobreza, e é por isso que promover a empregabilidade dos mais pobres representa um desafio ainda mais urgente em tempos de crise.
Estes padrões de menor criação e menor qualidade dos empregos, além de um percentual crescente de trabalhadores a deixarem a força de trabalho, traduzem-se em menor rendimento para as famílias mais pobres, pondo ainda mais pressão sobre os programas de assistência social, seguro desemprego, serviços de intermediação de emprego (SINE), políticas de emprego para jovens e de qualificação profissional. A capacidade de resposta destas políticas vai ser um determinante importante da rapidez do ajuste e de quem sofre as perdas de renda mais elevadas e duradouras. O que nos remete à nossa segunda questão. Num contexto de menor espaço fiscal, que mudanças nas políticas e programas já existentes seriam o melhor caminho para aumentar sua eficiência e atingir as metas críticas que apresentamos acima?
Aumentar a produtividade depende de diversos fatores, inclusive fatores externos ao mercado de trabalho, como o clima de investimento, o custo de fazer negócios, políticas de concorrência, serviços financeiros e expansão do comércio internacional. Mas depende também de altas taxas de colocação profissional nos serviços de intermediação de emprego (SINE), estágios de aprendizagem que abram a porta para boas carreiras, educação e formação profissional com alta qualidade e relevância face à demanda por competências, da reversão de desincentivos à busca ativa por emprego e dos altos custos não salariais obrigatórios.
Promover a inclusão dos mais pobres, conectando-os a melhores empregos, depende de mudanças incrementais nas políticas de qualificação e emprego. Incrementais porque se trata de tornar os programas existentes mais adaptados ao perfil dos mais pobres, mais inclusivos, melhor articulados e sequenciados. Promover a participação na força de trabalho aumentando o acesso a creches. Melhorar o acesso dos pequenos empresários a crédito e tecnologia e estabelecer elos mais eficazes entre os programas de apoio financeiros e assistência técnica. Garantir que os sistemas de monitoramento e avaliação forneçam dados suficientes sobre as taxas de colocação do Sine, sobre resultados de salário e empregabilidade dos beneficiários dos programas de juventude e sobre a sobrevivência de empresas nos programas de empreendedorismo.
O Brasil pode ficar mais bem preparado para evitar a reversão dos tremendos ganhos de emprego e salário conquistados na última década e evitar que os trabalhadores mais pobres paguem a maior conta pelo atual cenário econômico. Focar esforços nas metas da produtividade do trabalho e inclusão não é apenas socialmente responsável, mas necessário e financeiramente eficiente.
(*) Joana Silva e Rita Almeida são economistas-sênior do Banco Mundial e co-autoras do relatório “Sustentando Melhorias no Emprego e nos Salários no Brasil”.
Fonte: Valor Econômico, por Joana Silva e Rita Almeida, 18.11.2015

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