quinta-feira, 12 de novembro de 2015

Por que o trabalho torna-se estressante para muitas pessoas?

Por Patrícia Bispo para o RH.com.br 

Acordar cedo, antes de sair de casa fazer algumas pequenas atividades domésticas, levar os filhos para a escola e de lá seguir para o trabalho. No meio do caminho, mais um engarrafamento que parece consumir todos os minutos que você tanto precisava para adiantar aquele relatório que precisa ser entregue o mais breve possível. Ao chegar à empresa, para não perder o ritmo da agitação, você é informado que foi convocado para uma reunião de "última hora". Olha para o relógio e os ponteiros confirmam que são apenas 8h48min. Tudo indica que o dia será mais longo do que o previsto e é nesse momento que começa a surgir aquela "dorzinha de cabeça", tudo e todos ao seu redor lhe irritam ao mínimo contato. O que está acontecendo com sua vida, afinal? Simples: as atividades pessoais e profissionais estão em desequilíbrio e sua qualidade de vida simplesmente inexiste. Você entrou no automático e nem percebeu quando isso começou.
Para Roberto Aylmer, professor da Fundação Dom Cabral, especializado em Liderança e Gestão Estratégica de Pessoas, embora muitos falem do equilíbrio entre vida pessoal e profissional, quando a meta não é atingida no final do mês ou quando o trabalho tem que ser entregue na segunda de manhã para o presidente, a conversa muda de figura. Em algumas empresas a pressão e a falta de vida pessoal são valores ocultos. 
"Nas empresas listadas no Great Place To Work há um esforço para mostrar um grau de consideração entre a vida do colaborador com agendas flexíveis, trabalho remoto, suporte para filhos pequenos. Mas isso já é elementar em sociedades mais estruturadas quanto à produtividade. Você não precisa de 50 horas por semana em uma empresa americana ou europeia para conseguir resultados lá, talvez aqui elas façam isso, mas, em suas matrizes, isso não acontece porque está provado que é contra produtivo", comenta durante entrevista concedida ao site RH.com.br.
Durante nossa conversa, Aylmer sinaliza outros pontos relevantes como, por exemplo, o que precisa ser melhorado urgentemente para que o trabalhador brasileiro tenha uma melhoria significativa na qualidade de vida no trabalho (QVT). Confira esses e outros pontos destacados pelo nosso entrevistado e que certamente farão você refletir sobre que fatores podem estar minando a produtividade da sua empresa e que iniciativas podem ser adotadas para reduzir os índices de estresse dos colaboradores. Boa leitura!


RH.com.br - A partir dos anos 90, o equilíbrio entre a vida pessoal e profissional tornou-se mais difícil. O que mudou nas relações de trabalho de lá para cá? 
Roberto Aylmer - Um fato mudou toda a natureza das relações de trabalho: a Reengenharia. O conceito criado pelo consultor norte-americano Michael Hammer - do MIT, Massachusetts Institute of Technology, tinha como proposta aumentar a eficiência operacional com o intuito de repensar os processos organizacionais e ao mesmo tempo reduzir as barreiras burocráticas, eliminar os estágios e melhorar os fluxos de trabalho. O sucesso foi tão grande que, no meio da década de 90, 60% das empresas listadas na, Fortune 500, estavam fazendo ou diziam que iriam fazer uma reengenharia. Mas por que tanto interesse nesta metodologia? Talvez um fator pouco estudado tenha influenciado essa moda. Quando uma empresa anunciava o trabalho de redução de sua estrutura, dos processos - e isso representava também redução de quadro de pessoal -, ela, no mesmo instante, via suas ações subirem na Bolsa de Nova Iorque, criando ganho imediato no bônus dos executivos. Isso faz com que uma moda pegue rapidamente, ainda que sem uma visão de longo prazo. Como disse Peter Senge: "Os problemas de hoje são resultados das soluções maravilhosas de ontem". Assim que ficou estabelecido que demitir pessoas - especialmente a média gerência - era sinal de reduzir burocracia ou que eram limitadores da eficiência organizacional, uma relação de confiança quebrou-se. Dos anos 90 em diante, as decisões corporativas são mais influenciadas pela Bolsa do que pela realidade do mercado. Então, a tomada de decisão por quarter - trimestres - não tem compromisso com o longo prazo. O custo humano e até mesmo financeiro destas escolhas são incalculáveis.

RH - Que fatores mais contribuem, para que as pessoas entrem no desequilíbrio vida pessoal e profissional?
Roberto Aylmer - Deste ponto onde a relação de confiança foi quebrada, a busca pela eficiência, leia-se empregabilidade, tomou proporções inimagináveis. A necessidade de trabalhar além das horas contratadas, de fazer cursos de desenvolvimento e formação após o expediente ou nos finais de semana, assim como o domínio de línguas e a capacidade de lidar com diferentes culturas, demandam um grau de investimento de tempo e energia que saem de algum lugar da vida pessoal. Além disso, o medo faz com que os problemas sejam potencializados e a tomada de decisão seja conservadora, reduzindo a velocidade e os resultados. Não há como conseguir uma solução de um sistema complexo individualmente e o profissional que aumenta sua carga de competitividade - e agressividade - pode conseguir algumas vitórias em curto prazo, mas estará cavando a própria cova mais à frente.

RH - Esse desequilíbrio entre vida pessoal e profissional tem sido evidenciado apenas nas grandes metrópoles ou já é uma realidade de cidades memores?
Roberto Aylmer - Tudo é proporcional ao que você está acostumado. Eu estava no interior do Rio Grande do Sul e ouvia as reclamações dos diretores e gerentes seniores de uma fábrica sobre os novos funcionários, todos da Geração Y. Eles estavam horrorizados como aqueles ‘moleques' não tinham compromisso com o trabalho e só falavam da vida pessoal. Por acaso tive uma interação longa com eles e, na minha percepção, eles eram muito mais interessados a ouvirem os mais velhos e a atenderem os padrões exigidos do que eu vi em São Paulo ou no Rio de Janeiro. Mas para os ‘mais velhos' do Sul, aquilo era uma afronta. Se esse jovem fosse para São Paulo ou Rio de Janeiro talvez seu chefe o achasse perfeito. Da mesma forma a percepção de desequilíbrio: quem antes chegava à sua casa às 18h e inicia um curso à noite ou recebe mensagens do chefe pelo WhatsApp no fim de semana, pode se sentir com a vida mais desequilibrada do que antes. Tenho ouvido em diferentes pedaços do Brasil a mesma queixa: instabilidade e aumento do esforço para se manter atualizado e relevante. O medo de perder o emprego pode ter mais efeito tóxico no organismo do que o trabalho em si.

RH - Quando o profissional mostra determinação em equilibrar vida pessoal e trabalho, a empresa em que ele atua exercerá peso nessa decisão? 
Roberto Aylmer - Sem dúvida. Embora muitos falem do equilíbrio entre vida pessoal e profissional, quando a meta não bate, quando o mês na fecha, quando o trabalho tem que ser entregue na segunda de manhã para o presidente, a conversa muda de figura e é dá ou desce. Em algumas empresas a pressão e a falta de vida pessoal é um valor oculto. Os heróis e os mártires da vida pessoal são vistos como o caminho para crescimento, o que não inspira os mais jovens. Nas empresas listadas no GPTW - Great Place To Work - há um esforço para mostrar um grau de consideração entre a vida do colaborador com agendas flexíveis, trabalho remoto, suporte para filhos pequenos, por exemplo. Mas isso já é elementar em sociedades mais estruturadas quanto à produtividade. Você não precisa de 50 horas por semana em uma empresa americana ou europeia para conseguir resultados lá, talvez aqui elas façam isso, mas, em suas matrizes, isso não acontece porque está provado que é contra produtivo.

RH - O momento da economia brasileira é de extrema sensibilidade. Isso tem contribuído para que empresas e trabalhadores percam o foco na qualidade de vida?
Roberto Aylmer - Na Teoria da Motivação Humana, do psicólogo Maslow, que em 1954 virou seu livro mais reconhecido sobre motivação e personalidade, mostrou que o ser humano tem uma hierarquia de necessidades. Este é um bom modelo para entendermos o contexto atual. Segundo Maslow, eu só passo a considerar uma necessidade quando uma mais básica estiver atendida. Assim ninguém vai pensar seriamente em qualidade de vida se o desemprego está batendo à porta. Qualidade de vida nesse caso é ter sua empresa crescendo quando o mercado está minguando. Nesses tempos de ansiedade generalizada o papel do líder é ainda mais importante. E eu falo em todos os níveis da organização, mas o mais importante é o chefe imediato. É ele que tem o maior impacto na qualidade de vida no trabalho.

RH - Em sua opinião, como as empresas posicionam-se quando o assunto é qualidade de vida do trabalhador?
Roberto Aylmer - Ainda de forma transacional, ou seja, numa relação de custo-benefício nas esferas mais altas. O conceito de sustentabilidade, que inclui a qualidade de vida no trabalho e fora dele, assim como a relação com a sociedade e o meio ambiente ainda é um tema periférico, que há 10 anos nem era citado. Creio que quando essa crise apocalíptica passar, o tema voltará a ser pauta de discussões estratégicas. Hoje o pensamento é sobrevivência: como vamos lidar com a instabilidade, a queda do consumo a inadimplência e o desinvestimento que leva uma retração de quase 3% do PIB em 2015.

RH - O que pode precisa ser melhorado, com urgência, em relação à qualidade de vida do profissional brasileiro?
Roberto Aylmer - Podemos pensar em duas frentes nesse contexto. Uma mais ampla é a do Estado, criando condições de vida mais humanas, do transito à violência urbana. O Estado tem um papel importante na conjuntura da qualidade de vida nas metrópoles. Uma menor, mas de forma proporcional é a empresa. Considerar as diferentes necessidades e buscar flexibilidades práticas sem perder a identidade do trabalho tem sido um grande desafio para os profissionais de RH do mundo todo. Com a tecnologia, muito do trabalho que fazemos poderia ser feito de qualquer outro lugar. Um executivo me disse hoje que ganhou cinco horas a mais por semana e eu perguntei: "Como você conseguiu essa mágica?" Ele me disse que a empresa trabalha de forma remota, uma vez por semana. Ele gasta cinco horas por dia para ir e voltar do trabalho. E 80% da função dele poderia ser feita de qualquer lugar. Então, por que a resistência ao trabalho remoto? Talvez pelo nosso modelo de comando e controle em que o chefe precisa ver o empregado trabalhando. A vida é mais complexa, o desenvolvimento pessoal demanda uma carga enorme de tempo e tantas outras demandas que fazem com que as pessoas sintam-se sempre aquém do que se espera delas. Este é um dos piores fatores de estresse; o estresse continuado e a sensação de fracasso constante. Essa é a raiz do Burnout, que significa, ‘queimado até o fim'. 

RH - As questões comportamentais podem ser apontadas como fatores estressantes e, consequentemente, tornarem o ambiente de trabalho estressante? 
Roberto Aylmer - Segundo o HSE (Health and Safety Executive) - órgão de pesquisa e suporte à saúde no trabalho na Inglaterra, Escócia e Irlanda do Norte, um dos principais fatores de estresse no ambiente de trabalho é a relação com a chefia imediata e a relação com os pares. As relações, principalmente as de longo prazo como no serviço público, tem um efeito significativo na percepção da qualidade de vida. Einstein disse: a primeira pergunta essencial do ser humano é ‘O universo (meio) é amigável ou hostil?'. A resposta a essa pergunta é o filtro das relações. Uma vez estabelecida essa resposta, as informações do meio vem para confirmar as crenças, ou seja, é difícil conseguir mudar uma relação que começou dificultosa.

RH - Que ações o senhor considera eficazes e que podem ser adotadas pelos profissionais, com o objetivo de se alcançar a melhoria da qualidade de vida?
Roberto Aylmer - O ponto central é a cultura da empresa que deve conter a qualidade de vida como um valor. Caso contrário vira custo. Cada um precisa de uma ação diferente, mas podemos considerar as etapas da vida. Considerando as mulheres gestantes ou com filhos pequenos, muito tem sido feito para ajudar neste equilíbrio, mas ainda há muito por fazer. Considerando os que estão entrando na empresa, a principal ação é ajudar numa integração onde o mais jovem se sente estimulado e o mais velho, honrado. Esse processo tem sido muito superficial e os problemas se estabelecem num ambiente: "Nós X Eles", que pode corroer a qualidade de vida no trabalho. Muito do que fazemos não é necessário, é automático.

RH - E que iniciativas seriam apostadas como básicas, para que as organizações ofereçam condições propícias para a qualidade de vida no trabalho? 
Roberto Aylmer - Considero que a principal iniciativa para a mudança na QVT é sistêmica: a política de remuneração dos executivos. Quando um executivo tem metas trimestrais para os acionistas, ele toma decisões de curto prazo que vão impactar toda a estrutura organizacional. Podemos ser produtivos sem sermos estressados? Podemos ter um resultado crescente sem ser o resultado máximo? Corremos no ano como se fossemos fazer uma maratona de 42 quilômetros, com a velocidade de 100 metros rasos. Não vai dar. A valorização do estereótipo do estressado como comprometido dá a entender que quem não está sofrendo, não esta 'dando sangue'. As empresas não precisam de sangue, elas precisam de resultados. E resultados dependem de pessoas equilibradas e lúcidas, que confiam umas nas outras e sentem orgulho da empresa em que trabalham. Como disse o Rabino Milton Bonder: "Grande parte dos sacrifícios que fazemos são no altar do nada". É preciso mudar essa natureza, pararmos de valorizar o sofrimento e dar valor ao que realmente agrega as empresas e as pessoas: capital e trabalho reconciliados.

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