Conforme a disposição contida no artigo 127, caput, da Constituição da República, o Ministério Público (MP) pode ser definido como instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, a quem incumbe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.
Ao se reportar à expressão “instituição permanente”, o legislador constituinte deixa claro que o Ministério Público consiste em instituição por meio da qual o Estado manifesta a sua soberania, sendo indispensável à construção do projeto democrático, o que afastaria a possibilidade de sua supressão por parte do legislador constituinte derivado. Daí porque se defende tratar-se de cláusula pétrea, a despeito da ausência de previsão específica no artigo 60, § 4º, da Constituição da República.
Por sua vez, a essencialidade do MP à função jurisdicional do Estado não significa dizer que a sua atuação é obrigatória em todos os processos judiciais. Esta essencialidade decorre da sua importância em se alcançar o objetivo de concretização do valor da Justiça. Assim sendo, esta característica deve ser analisada sobre duplo enfoque: restritivo e ampliativo[1].
Sob o aspecto restritivo, a atuação do Ministério Público não se faz presente em todos os feitos que estejam em trâmite no Judiciário, mas tão somente naqueles em que haja o interesse público primário subjacente à lide.
Por “interesse público primário” entende-se aquele de cunho eminentemente social, seja pela natureza da lide e/ou pela qualidade da parte, concernente a valores relevantes à sociedade como um todo, e não o pontual e momentâneo do administrador público, denominado de “interesse público secundário”.
Sob o prisma ampliativo, a atuação do Parquet não se restringe à intervenção em processos judiciais, destacando-se duas outras importantes formas de exercício de suas funções institucionais: a promoção de interesses e as atividades de órgão agente, além dos procedimentos de mediação e de arbitragem[2].
Em relação às atribuições imputadas ao MP pela Carta Magna, a primeira delas é a defesa da ordem jurídica. Logo, cabe ao Parquet o papel de defensor da ordem jurídica em sentido amplo, e não apenas da lei, devendo cumprir esta importante função tanto na condição de órgão agente como na condição de órgão interveniente (custos legis).
A segunda atribuição é a defesa do regime democrático. O Ministério Público é o guardião do Estado Democrático de Direito, o que justifica a instituição de garantias e prerrogativas para atuação independente de seus membros. E esta atuação não se limita à defesa de direitos políticos. Uma sociedade democrática exige o respeito da ordem jurídica pelo Estado e pelos particulares, além da tutela dos direitos fundamentais.
Por fim, a terceira atribuição é a defesa dos interesses sociais e individuais indisponíveis. Trata-se da tutela do interesse público primário, concretizada na proteção dos direitos metaindividuais explicitados no artigo 81, parágrafo único, da Lei 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), ou seja, os direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos.
Formas de Atuação do Ministério Público do Trabalho (MPT)
Existem diversos critérios de classificação das formas de atuação do MPT. Um primeiro critério leva em conta a sua atuação extrajudicial (modelo resolutivo) ou judicial (modelo demandista).
O modelo resolutivo se caracteriza pela busca da solução extrajudicial dos conflitos, o que assegura ao membro do MPT um maior controle da efetividade do resultado perseguido, assim como liberdade para apresentar soluções alternativas. Como exemplos, podemos citar a celebração de termos de compromisso de ajustamento de conduta e a expedição de notificações recomendatórias.
Por outro lado, o modelo demandista se caracteriza pela judicialização dos conflitos, implicando uma atuação do MPT como agente processual, de modo a transferir a resolução do conflito para o Poder Judiciário. Como exemplos, podemos citar o ajuizamento de ações civis públicas, ações civis coletivas e ações anulatórias de cláusulas coletivas.
Outro relevante critério de classificação baseia-se na natureza da atuação ministerial nas formas de: promoção de interesses, órgão agente e órgão interveniente.
Promoção de Interesses
A promoção de interesses destaca-se por sua natureza interdisciplinar, preventiva e pedagógica. Dentro deste contexto, ganha relevo a instauração de procedimentos promocionais, com a finalidade de fomentar a promoção de interesses cuja relevância social justifique a tutela ministerial. Exemplos que podem ser citados são a celebração de convênios e de protocolos interinstitucionais, a participação em seminários, fóruns sociais, entrevistas, palestras e debates e a distribuição de cartilhas e cartazes informativos, que visem à divulgação, prevenção e combate a lesões a bens jurídicos que justifiquem a atuação do Parquet, notadamente os relacionados a violações de direitos fundamentais, indisponíveis por sua essência.
Outra característica é a participação conjunta de outros órgãos ou organismos públicos e privados, tais como o Ministério do Trabalho e Emprego, o Ministério Público Estadual e Federal, os Conselhos Tutelares, os Sindicatos, ONG’s, entre outros.
Embora esta modalidade de atuação venha se destacando, no âmbito da esfera extrajudicial, nada obsta que se vislumbre a necessidade de propositura de ações coletivas com vistas à materialização desta promoção aos interesses juridicamente protegidos, notadamente os caracterizados por forte conteúdo social e que, por isso, encontram-se dentro das metas institucionais do MPT[3].
Órgão Agente
A atividade de órgão agente está diretamente relacionada à tutela dos direitos metaindividuais, quais sejam: os difusos, coletivos e individuais homogêneos, conceituados na norma prevista nos incisos I a III do parágrafo único do artigo 81 da Lei 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor).
Conforme disposição contida no artigo 129, inciso III, do Texto Constitucional, é função institucional do Ministério Público a promoção do inquérito civil e da ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos.
Na verdade, diga-se que o inquérito civil e a ação civil pública não são propriamente funções institucionais, mas efetivos instrumentos de atuação do Parquet, para que este possa exercer, de fato, sua atribuição nuclear: a tutela do interesse público.
Quanto ao MPT, o artigo 83, inciso III, da Lei Complementar 75/93 (Lei Orgânica do Ministério Público da União) lhe atribui a promoção da ação civil pública no âmbito da Justiça do Trabalho, para defesa de interesses coletivos, quando desrespeitados os direitos sociais constitucionalmente garantidos.
A notícia de lesão ou ameaça de lesão a direitos metaindividuais desencadeia a instauração de procedimento investigatório, para apuração da veracidade dos fatos denunciados, com vistas à com vistas à identificação ou não de hipótese autorizadora da propositura de ação civil pública ou coletiva..
O inquérito civil, não é o único, mas é o principal instrumento investigatório do Parquet, instituído pela Lei 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública), com reconhecida inspiração no inquérito policial. O inquérito civil é instrumento de investigação exclusivo do Ministério Público (artigo 8º, § 1º, da Lei 7.347/85), não obstante a legitimidade concorrente e disjuntiva para ajuizamento de ação civil pública (artigo 5º da Lei 7.347/85).
Em sede de inquérito civil, não há acusação (inexiste a posição de “acusado” ou “réu”, mas de mero “investigado” ou “inquirido”) não se aplicam penalidades ou sanções e não se decidem interesses. Além de se tratar de mero procedimento administrativo, e não de processo, o inquérito civil possui natureza inquisitorial, ou seja, não se submete aos princípios da ampla defesa e do contraditório, previstos no inciso LV do artigo 5º da Constituição da República.
Se o membro do MPT, ao final do inquérito civil, concluir pela materialidade e autoria da lesão denunciada, poderá propor ao inquirido a celebração de Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta, nos termos do § 6° do artigo 5° da Lei 7.345/85 (LACP), visando à reparação do dano, à adequação da conduta às exigências legais ou normativas e, ainda, à compensação e/ou à indenização pelos danos que não possam ser recuperados (artigo 14 da Resolução 69/2007 do CSMPT).
O descumprimento das obrigações consignadas no Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta importa o ajuizamento de ação de execução de título executivo extrajudicial, tendo por objeto não somente a multa cominatória fixada no referido instrumento, mas também, e principalmente, as próprias obrigações (de fazer, não fazer ou de pagar) ali constantes.
Se o inquirido não concordar com a celebração de Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta, o membro do Ministério Público promoverá o arquivamento do inquérito civil, para ajuizamento da ação civil pública ou coletiva.
Órgão Interveniente
Na prática judiciária é comum referir às atividades do Ministério Público como órgão interveniente através da expressão “atuação custos legis”, ou seja, na condição de fiscal da lei.
No entanto, com a devida vênia, entendemos que o MP, em qualquer de suas formas de atuação, jamais se despe de sua função constitucionalmente assegurada de fiscal da lei. Dessa forma, com espeque no artigo 83, inciso II, da Lei Complementar 75/93, constitui atribuição do MPT manifestar-se em qualquer fase do processo trabalhista, acolhendo solicitação do juiz ou por sua iniciativa, quando entender existente interesse público que justifique a sua intervenção.
O interesse público a que se reporta o dispositivo legal acima destacado é o primário, ou seja, aquele inerente à própria sociedade, não se confundindo com o interesse público secundário, ínsito ao administrador público, de índole pontual e momentânea.
E este interesse público primário pode decorrer da natureza da lide e/ou da qualidade da parte. Quando o processo veicula demanda de índole coletiva, cuja pretensão vise à tutela de uma macro-lesão, com repercussão social; ou ainda, que vislumbre violação de direitos individuais indisponíveis[4] (como: assédio moral, assédio sexual, revista íntima, trabalho escravo, entre outros), de caráter fundamental, o interesse público primário justificador da intervenção ministerial encontra fundamento na natureza da lide.
Por outro lado, este interesse público primário pode se verificar a partir de pessoa, ou mesmo órgão ou instituição, que mereça uma proteção especial do Estado. É o caso de processos caracterizados pela existência de interesses de menores e de outros incapazes, índios, idosos, pessoas com deficiência, etc.
Frise-se, ainda, que se o MPT não for parte em ações de natureza coletiva, como a ação civil pública e a ação civil coletiva, este deve atuar obrigatoriamente como custos legis, nos exatos termos dos artigos 5°, § 1°, da Lei 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública) e 92 da Lei 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor).
Outra importante hipótese na qual o interesse público primário decorreria da qualidade da parte é a prevista no artigo 83, inciso XIII, da Lei Complementar 75/93, atribuindo ao MPT a intervenção obrigatória em todos os feitos nos segundo e terceiro graus de jurisdição da Justiça do Trabalho, quando a parte for pessoa jurídica de Direito Público, Estado estrangeiro ou organismo internacional. No entanto, nada impede que a atuação do MP se faça presente a partir do primeiro grau de jurisdição, desde que a natureza da lide justifique a sua intervenção.
Quando a lei dispõe ser obrigatória a intervenção do Parquet, sempre entendemos que o interesse público se presume existente, o que implicaria a emissão de parecer circunstanciado pelo respectivo membro ao qual tenha sido distribuído o feito.
Todavia, não é este o entendimento esposado na Orientação 04 da Câmara de Coordenação e Revisão do MPT. De acordo com essa orientação, a intervenção obrigatória implica a necessária remessa dos autos ao MPT, ficando dentro da esfera da discricionariedade e da independência funcional do membro a verificação da existência ou não de interesse público que justifique a emissão de parecer circunstanciado.
As ações de competência originária dos Tribunais Trabalhistas também ensejam a intervenção custos legis do Ministério Público, como nos casos de mandado de segurança, ação rescisória, ação anulatória de cláusula de instrumento coletivo e dissídio coletivo.
Saliente-se, ainda, que a norma contida no artigo 83, inciso VI, da Lei Complementar 75/93 assegura ao MPT legitimidade para recorrer das decisões da Justiça do Trabalho, quando entender necessário, tanto nos processos em que for parte, como naqueles em que oficiar como fiscal da lei, bem como pedir revisão dos Enunciados da Súmula de Jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho.
Por fim, a legitimidade para ajuizamento de ação rescisória pelo MPT não se restringe às hipóteses previstas nas alíneas “a” e “b” do inciso III do artigo 487 do CPC, nos moldes do posicionamento cristalizado na Súmula 407 do C. Tribunal Superior do Trabalho[5]. Existente qualquer dos vícios de rescindibilidade arrolados nos incisos I a IX do artigo 485 do CPC, é perfeitamente cabível a propositura de ação rescisória pelo Órgão Ministerial, na condição de órgão agente, ou mesmo interveniente.
Considerações finais
Este trabalho teve por meta esclarecer alguns importantes aspectos atinentes às formas de atuação do MPT. Jamais tivemos a intenção de esgotar o tema, pois existem tantos outros modos em que o MPT cumpre o seu papel de defensor da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis na seara das relações de trabalho.
Todas estas formas de atuação do Parquet trabalhista não se apresentam de forma estanque, mas articulada, otimizando o objetivo de tutela do trabalho decente, impedindo a precarização das condições laborais.
Considerando que a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho são fundamentos da República Federativa do Brasil, como Estado Democrático de Direito, não há como se deixar de atribuir ao MPT o protagonismo na luta contra todas as formas de exploração do trabalho que tenham por efeito reduzir a condição humana a artigo de comércio ou mercadoria.
Se o trabalho é um dos mais importantes instrumentos de concretização da dignidade da pessoa humana, cabe ao MPT assegurar que o meio ambiente laboral seja um lugar de realização pessoal e não de degradação do homem pelo próprio homem.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Ação Civil Pública. Editora Lumen Juris, 3ª edição, Rio de Janeiro, 2001.
LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Ministério Público do Trabalho: Doutrina, Jurisprudência e Prática. Editora LTr, 3ª Edição, São Paulo, 2006.
MAZZILLI, Hugo Nigro. O Inquérito Civil. Editora Saraiva, 2ª edição, São Paulo, 2000.
[1] Neste mesmo sentido: LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Ministério Público do Trabalho: Doutrina, Jurisprudência e Prática. Editora LTr, 3ª Edição, São Paulo, 2006, p. 42/43.
[2] Segundo a disposição contida no artigo 83, inciso XI, da Lei Complementar 75/93 (Lei Orgânica do Ministério Público da União): “Compete ao Ministério Público do Trabalho o exercício das seguintes atribuições junto aos órgãos da Justiça do Trabalho: (…) XI – atuar como árbitro, se assim for solicitado pelas partes, nos dissídios de competência da Justiça do Trabalho”.
[3] Orientação 04 da COORDINFÂNCIA do MPT: “Políticas Públicas para prevenção e erradicação do Trabalho Infantil. Ação Civil Pública. Competência da Justiça do Trabalho. Art. 114, I da CF/88. É competente a Justiça do Trabalho para processar e julgar ações civis públicas que tenham como objeto a imputação de obrigações ao Poder Público, relativamente à criação e implementação de políticas públicas para prevenção e erradicação do trabalho infantil, nos termos do art. 114, I da CF/88”.
[4] Orientação nº 12 da COORDIGUALDADE do MPT: “Em ações em que sejam discutidos direitos fundamentais dos trabalhadores, tais como discriminação, direito à intimidade, revista íntima, assédio moral e sexual, entre outros, há interesse público que justifica a intervenção do Ministério Público” (Aprovada na IV Reunião Nacional da Coordigualdade, dias 27 e 28/04/05).
[5] Súmula 407 do TST: “AÇÃO RESCISÓRIA. MINISTÉRIO PÚBLICO. LEGITIMIDADE “AD CAUSAM” PREVISTA NO ART. 487, III, “A” E “B”, DO CPC. AS HIPÓTESES SÃO MERAMENTE EXEMPLIFICATIVAS . A legitimidade “ad causam” do Ministério Público para propor ação rescisória, ainda que não tenha sido parte no processo que deu origem à decisão rescindenda, não está limitada às alíneas “a” e “b” do inciso III do art. 487 do CPC, uma vez que traduzem hipóteses meramente exemplificativas”.
(*) Fábio Goulart Villela é procurador do Trabalho da 1ª Região.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, por Fábio Goulart Villela (*), 21.11.2015