Já foi o tempo em que predominavam as doenças infectocontagiosas. Hoje, avolumam-se as enfermidades degenerativas. No Brasil, 70% dos idosos se queixam de pelo menos uma doença crônica e 20% relatam dificuldade para se alimentar, tomar banho e usar o banheiro. É uma proporção imensa. Além deles, há um grande número de pessoas que requerem cuidados especiais.
Nas famílias mais ricas, isso é realizado por profissionais dentro ou fora de instituições especializadas. Nas de classe média, é comum a contratação de cuidadoras improvisadas (empregadas domésticas) e, mesmo assim, sobra muito trabalho para os familiares. Nas famílias mais pobres tudo é feito pelas esposas, filhas ou noras dos dependentes.
Mulheres que trabalham fora de casa e que assumem responsabilidades em relação a familiares dependentes prejudicam sua vida laboral. Com frequência, essas mulheres se atrasam ou faltam no trabalho. Outras reduzem a jornada ou abandonam o emprego por completo. Em todos os casos, há perdas para a carreira e para a renda das cuidadoras o que, por sua vez, afeta o orçamento doméstico e a sua empregabilidade futura. Estudos recentes mostram que, ao cuidar de um familiar durante 10 horas por semana, uma cuidadora perde 4% da sua empregabilidade e claras possibilidades de promoção profissional e melhoria salarial (Jan M. Bauer e Alfonso Sousa-Poza, Impacts of informal caregiving on caregiver employment, health and family, Bonn: Institute for the Sudy of Labor, 2015).
Os avanços na medicina têm alongado cada vez mais a vida dos dependentes. Ao mesmo tempo, têm prolongado por mais tempo as responsabilidades das cuidadoras, tornando praticamente irreversível a sua volta ao trabalho normal. São perdas definitivas.
Os problemas não param aí. Trabalhar fora de casa e cuidar de um familiar dependente afeta a saúde das cuidadoras. A atividade exige atenção permanente. É estressante e cansativa, física e mentalmente. Não há horário fixo nem dia de folga e muito menos férias. Muitas cuidadoras adoecem na atividade de cuidar. Para complicar, a mulher fica dividida, pois a atenção dedicada ao familiar dependente é a mesma que seria dispensada ao marido e aos filhos. Os desentendimentos são inevitáveis e abalam a harmonia familiar.
Apesar de o trabalho da maioria das cuidadoras ser informal e não remunerado, estudos procuram estimar o valor dessa atividade, levando em conta o quanto elas deixam de ganhar por não estarem no mercado formal. As estimativas não são precisas, mas os números são impressionantes. Nos EUA, a renda agregada que as cuidadoras deixam de receber no mercado formal chega a US$ 200 bilhões por ano. Na Alemanha, 60 bilhões de euros.
Em maior ou menor escala, esses problemas estão presentes em todos os países. Entre nós, há uma agravante porque o Brasil envelheceu antes de ficar rico, ao contrário dos países mais adiantados que ficaram ricos antes de envelhecer, o que vem permitindo a contratação de instituições e cuidadores profissionais. Aqui, a sobrecarga de trabalho das cuidadoras raramente deixa alternativa para as mulheres ascenderem na carreira e aumentarem a renda.
O Brasil tem pela frente a tarefa de compreender melhor as condições de trabalho das cuidadoras de familiares dependentes e as repercussões sobre sua vida laboral e familiar. Políticas e mecanismos específicos precisam ser definidos para assegurar aos dependentes uma atenção que não destrua os recursos humanos e econômicos da família. É bem possível que encontremos algumas soluções no campo dos seguros que seriam destinados à manutenção de instituições e/ou profissionais capazes de ajudar os familiares a cuidar dos dependentes, sem esquecer, é claro, a dimensão humana de atender com carinho os nossos entes queridos.
(*) José Pastore é professor da FEA-USP, presidente do Conselho de Emprego e Relações do Trabalho da FECOMERCIOSP e membro da Academia Paulista de Letras.
Fonte: O Estado de São Paulo, por José Pastore (*), 12.08.2015
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