domingo, 23 de agosto de 2015

A transição de carreira exige equilíbrio emocional

Por Patrícia Bispo para o RH.com.br


Há momentos que chegam à vida das pessoas que são inevitáveis e optar pelo desespero, sem dúvida alguma, é a pior escolha a se fazer. Isso ocorre no campo pessoal, quando um relacionamento chega ao fim ou, então, um ente querido se vai. Já no campo organizacional, essa fase pode surgir através de uma transição de carreira - momento em que o profissional pede desligamento da empresa ou se depara com uma demissão inesperada. No último caso, mesmo que a pessoa possua reservas econômicas, o fato sempre irá afetar tanto a ela quanto aos seus familiares, uma vez que todos precisarão se reajustar a essa realidade que pode ser rápida ou demorar muito além do esperado.
Para Ana Paula Zacharias, CEO da Hunter Consultoria, a transição de carreira afeta o lado emocional, e esse ponto é bastante delicado, já que não envolve somente a condição da pessoa que foi demitida, mas a da família inteira. "Eventualmente, chamamos a esposa ou o marido, os filhos, até mesmo a sogra, porque precisamos ter na casa desse profissional o eco daquilo que estamos tratando aqui dentro. Não adianta dizermos que está tudo bem e que vai dar tudo certo, para depois o profissional chegar à sua casa e ouvir o contrário", afirma ao mencionar o momento em que realiza o processo de outplacement, ou seja, a recolocação do profissional no mercado de trabalho.
Em entrevista concedida ao RH.com.br, Ana Paula esclarece que a procura pelo outplacement, apesar de ser um processo muito valioso para que busca uma nova oportunidade, deixou de crescer no Brasil a partir de 2004 e que hoje, as empresas que recorrem ao outplacement normalmente procuram esse serviço para colaboradores do alto escalão e da gerência para cima. Durante a entrevista, ela toca em outros pontos interessantes como, por exemplo, como o profissional de Recursos Humanos deve agir frente a um profissional estratégico que solicita o desligamento da organização. Boa leitura e até breve!

RH.com.br - A procura pelo outplacement tem diminuído no Brasil ou é apenas impressão.?
Ana Paula Zacharias - Não tem ocorrido um aumento pela procura do outplacement, pelo contrário. O Brasil já teve um boom de outplacement, entre os anos de 2000 e 2004, em especial até 2002. Nesse período, houve uma grande queda no mercado de telecomunicações e Tecnologia da Informação e, aí sim, esses mercados passaram a utilizá-lo como um diferencial no momento da demissão, tanto para amparo ao demitido quanto para diminuição - grande - de problemas trabalhistas. Era uma fase que, ainda, o outplacement era incipiente no Brasil e se consolidou fortemente como uma ferramenta importante de desligamento. A partir de 2004 houve um declínio natural na utilização dessa ferramenta, já que não houve uma situação parecida de demissão em massa, até 2008. Na grande crise de 2008, já houve uma menor procura na contratação de serviços de outplacement. Agora, estamos vivendo a segunda grande crise e desde então - e que, para mim, é maior do que a de 2008, e a procura por outplacement tem sido mínima, porque as empresas estão ajustando o cinto ao máximo, para conseguir passar por tudo.

RH - Quais os diferenciais de se procurar o outplacement e de ingressar no mercado de trabalho sem a ajuda de um especialista?
Ana Paula Zacharias - Essa é uma pergunta bem interessante, porque realmente faz muita diferença, apesar de, infelizmente, nem todas as empresas disporem deste serviço no momento de desligamento. Quando você é desligado, naturalmente você tem dois impactos. O primeiro é econômico, ou seja, vai deixar de ter uma renda e precisa se organizar para essa nova realidade - e nem sempre está preparado para isso. Segundo, o emocional: você foi demitido. E não adianta você falar que ficou feliz, por qualquer motivo, porque ninguém fica feliz com demissão. Então, é muito mais difícil você procurar um trabalho em estado de crise emocional. Além disso, é uma ferramenta muito importante para ser mais assertivo na procura por oportunidades que condigam com o seu perfil e para ter um maior autoconhecimento.
RH - Qual o perfil de quem recorre ao outplacement?
Ana Paula Zacharias - As empresas que recorrem ao outplacement normalmente procuram esse serviço para colaboradores do alto escalão, de gerência para cima. Existem consultorias no mercado que fazem outplacement para pessoas físicas, que não é o caso da Hunter. E, aí sim, trabalha-se com os perfis mais sortidos de profissionais, desde analistas até cargos mais altos.

RH - Por onde se inicia o processo de outplacement?
Ana Paula Zacharias - Pelo acolhimento. A pessoa que acabou de ser demitida precisa de um ombro amigo. Você deixa a pessoa chorar, entender que foi demitida, mas não morreu, e que ela não está sozinha, que tem alguém ao lado dela para ajudar nesse momento de transição.

RH - Qual ou quais os pontos mais delicados durante a transição de carreira?
Ana Paula Zacharias - O emocional, sem dúvida, é um ponto bastante delicado. E ele não envolve só a condição da pessoa que foi demitida, mas a condição da família inteira. Eventualmente, chamamos a esposa ou o marido, os filhos, até mesmo a sogra, porque precisamos ter na casa desse profissional o eco daquilo que estamos tratando aqui dentro. Não adianta dizermos que está tudo bem e que vai dar tudo certo, para depois o profissional chegar à sua casa e ouvir o contrário. Além disso, o financeiro também é crítico, porque, por falta de planejamento, o profissional sai de uma empresa, gasta o restante das suas reservas e entra em pânico até o momento de conseguir colocar uma nova oportunidade. E esse momento entre o pânico e a recolocação vai dificultar cada vez mais a sua recolocação.

RH - O que nunca deve ocorrer durante o processo de outplacement?
Ana Paula Zacharias - As variáveis são imprevisíveis, mas o que uma vez ocorrendo inviabiliza completamente o processo é o assessorado desistir. Se ocorrer essa desistência, se ele não se engajar, se não se interessar, não tem o que uma consultoria possa fazer para ajudá-lo.

RH -
 Quais são os principais desafios que os profissionais deparam-se para retornar ao mercado?
Ana Paula Zacharias - Primeiro, a demissão é uma resposta econômica àquele mercado que continua fraco, com poucas possibilidades, demitindo francamente muitas pessoas. Por mais qualificado que ele seja, essa é uma variável que vai dificultar a sua reinserção. Outras estão mais relacionadas ao indivíduo em si. Uma falta de preparo, um gap que eventualmente causou sua demissão e não foi trabalhado ou resolvido - e que, muitas vezes, ele pode nem ter percebido a existência se não estiver sendo assessorado por uma consultoria, dentre outras possibilidades.

RH - O que mudou nos últimos anos no perfil dos profissionais, principalmente aqueles que assumem cargos estratégicos?
Ana Paula Zacharias - Não posso afirmar que mudou muito. Mas, na verdade, tem havido um movimento que impele estes profissionais a pensarem mais na gestão, no viés estratégico, numa forma de inspirar seus liderados, mais do que comandar. É importante frisar que não necessariamente estes profissionais estejam caminhando para essa direção, mas o mercado está forçando-os a segui-la.
RH - Quando a área de Gestão de Pessoas percebe que perderá um talento estratégico, deve apresentar uma contrapartida para que a situação seja revertida?
Ana Paula Zacharias - Depende, cada caso é um caso e não existe uma regra específica. Depende de quanto a empresa necessita desse profissional, de quanto ele traz de retorno para a organização. Se ele for medianamente necessário, a minha sugestão é que não haja contraproposta. Porque aí você entra em um processo de leilão de salário, inflaciona os salários do mercado e exemplifica para os outros colaboradores que esta é uma prática que é possível. Acaba criando-se um movimento que, na hora que quiser um aumento de salário ou algum outro benefício, coloca a situação em leilão. Mas, se o profissional é fundamental e não há ninguém para substitui-lo, eu pago e procuro, paralelamente, outro profissional.

RH - O que a senhora diria para os profissionais que buscam uma recolocação no mercado, contudo sentem-se perdidos e não têm a mínima ideia por onde retomarem suas carreiras?
Ana Paula Zacharias - Para aqueles que não têm o benefício do outplacement, podem procurar como pessoas físicas por consultorias que trabalhem com esse público. Para os que não têm condições de fazê-lo, podem se beneficiar com o que tem público por aí. Existem muitos tutoriais disponíveis na internet que podem explicar um pouco sobre isso. Mas, prioritariamente, pensar que o fundamental é cuidar do emocional, porque o estado atrai a vida. Então, se você estiver em um estado de desespero, por mais informado que esteja, é desespero que será atraído.

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