As mudanças nas leis trabalhistas sugeridas ontem pelo ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, começam enfim a tocar num tabu brasileiro: os direitos trabalhistas, criados pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e alterados com a instituição do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) nos anos 1960.
A proposta prevê mudança na jornada de trabalho, que passaria a ser de até 12 horas diárias, contratos por hora trabalhada e por produtividade. São alterações bem-vindas, mas não mexem na essência da CLT. São insuficientes para desengessá-la. Mesmo asssim, já levantaram o protesto de sindicatos e movimentos sociais (na imagem, manifestação em Brasília).
Não há como negar o direito ao protesto. Certamente não faltam motivos para criticar o atual governo. Poucos argumentos, porém, são tão equivocados quanto a defesa da CLT. Ela é um fóssil getulista que emperra o mercado de trabalho, reduz a competitividade brasileira e só gera desemprego e injustiça.
O primeiro motivo é que a CLT encarece a geração de empregos no Brasil. Um estudo clássico do economista José Pastore, de 1996, avaliou em 102% do salário o custo de um posto de trabalho. Tradução: para cada salário pago ao trabalhador, o empregador paga outro ao governo, na forma de obrigações sociais (Previdência, FGTS, salário educação, sistema S), tempo não trabalhado (abonos, aviso-prévio, feriados, décimo-terceiro salário) e reflexos cumulativos (FGTS sobre 13º e encargos sobre o tempo não trabalhado).
Tal estudo foi objeto de diversas críticas, em virtude de pôr na conta repouso semanal e 30 dias de férias. Mesmo assim, cálculos mais generosos não mudam o quadro na essência. Pesquisadores da FGV de São Paulo estimam em 83% do salário o custo de cada posto de trabalho para o empregador. Como esse custo se compara ao de outros países? Um estudo publicado em fevereiro deste ano pela consultoria UHY International avaliou a questão, somando apenas impostos e seguridade social. Numa amostra de 29 países em todo o mundo, o Brasil se revelou o mais caro para gerar empregos.
“O Brasil tem os impostos mais caros para o empregador de todos os países no estudo – 71% do salário”, afirma o relatório final. Só para comparar, esse valor é 42,7% na França, 38,6% na Itália, 29,9% em Portugal, 14,8% na Holanda; 42% na China, 18% na Rússia e 12% na Índia; 26% na Argentina, 13,7% no México e 8,8% nos Estados Unidos. Não há, no mundo, nenhum país que se compare ao Brasil no custo de empregar. Todo investidor internacional leva isso em conta na hora de aplicar seu dinheiro para abrir empresas.
A lógica que rege nossa legislação trabalhista se baseia numa visão distorcida, que atribui ao empregador um ônus fantasioso, como se todo empresário não passasse de um vil explorador de mão-de-obra. O Brasil tem até mesmo uma justiça específica para relações de trabalho, única no mundo. Na verdade, a lei brasileira cria duas classes de trabalhador. Incapazes de arcar com os custos legais de empregar, boa parte do empresariado parte para a ilegalidade, ao criar empregos informais.
Um estudo da FGV/Ibre, em parceria com o Instituto Brasileiro de Concorrência Empresarial (Etco), revelou em junho que, pela primeira vez em mais de dez anos, a economia informal voltou a crescer em 2015 no país. Ela movimentou R$ 957 bilhões, ou 16,2% do PIB. No mercado de trabalho, a proporção de empregos informais, que era de 55% no início da década de 2000, vinha caindo com a formalização do trabalho doméstico. Mesmo assim, eles ainda representam 40% do total.
Isso significa que quatro em cada dez trabalhadores não têm direito nenhum. Daqueles que têm, vários direitos são na verdade obrigações disfarçadas – como o FGTS, considerado pelos sindicatos pedra fundamental na legislação que protege o trabalhador. É dinheiro descontado do salário todo mês que rende apenas 3% ao ano, perante um rendimento médio de 14% de aplicações financeiras. Trata-se, na verdade, de mais um imposto disfarçado.
Uma regulação trabalhista eficaz é fundamental. Funcionários precisam de garantias contratuais a respeito do número de horas trabalhadas, férias, descanso semanal, dispensa remunerada em caso de doença, qualidade do ambiente de trabalho e regras claras para contratação e demissão. Mas é necessário equilíbrio. “Os efeitos negativos da super-regulação estão bem documentados na literatura econômica”, diz o último relatório Doing Business, estudo anual de competitividade publicado pelo Banco Mundial. “A proteção rígida pode desencorajar o emprego e reduzir o crescimento econômico.”
A regulação do trabalho criada no Brasil pela CLT é claramente desequilibrada. Sob pretexto de proteger o empregado, cria injustiça, gera desemprego e informalidade, reduz nossa produtividade, nossa competitividade e nossa capacidade de enriquecimento. Só serve para manter feudos sindicais protegidos. Uma reforma trabalhista que substituísse a CLT por uma legislação mais moderna serviria para estender direitos necessários a todos aqueles que não têm, contribuiria para gerar mais riqueza e mais empregos formais.
(*) Helio Gurovitz é formado em Jornalismo e Ciência da Computação pela Universidade de S.Paulo, com pós-graduação em Hipermídia pela Universidade de Westminster, em Londres.
Fonte: G1, por Helio Gurovitz (*), 09.08.2016
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