A prática do chamado home office e outras formas de trabalho a distância nas empresas brasileiras enfrenta um vácuo na legislação que põe em alerta empresários e sindicalistas. O avanço tecnológico, com o advento da telefonia celular e da internet, fomentou novas formas de trabalho, com horários e rotinas flexíveis. Em vez do cartão de ponto e o trabalho presencial, um número crescente de trabalhadores brasileiros exerce suas atividades profissionais sem necessidade de comparecimento ao local de trabalho tradicional.
O problema, segundo empresários e especialistas, é que a adoção dessas novas formas de trabalho esbarra na insegurança das empresas em adotá-las, mesmo que seja para atender às necessidades e interesses do próprio empregado. “O empresário fica com o pé atrás, pois sempre corre o risco de ser surpreendido com ações trabalhistas, porque não tem segurança jurídica de achar que aquele contrato vai ser respaldado pelo Judiciário”, diz Alexandre Furlan, presidente do Conselho de Relações do Trabalho da Confederação Nacional da Indústria (CNI).
Furlan alega que a Justiça trabalhista no Brasil tornou-se uma “máquina de fazer conflitos” em vez de dar tranquilidade. Nos últimos anos, diz Furlan, milhares de novos processos entraram por ano na Justiça do Trabalho. “Temos empresas provisionando mais de R$ 100 milhões para pagamento trabalhista por ano.”
Não há uma legislação específica para regular esse tipo de trabalho, pois se trata de algo inédito, que está começando a aparecer agora no mundo. Uma das questões principais refere-se ao controle da jornada de trabalho e às horas extras. Boa parte desses novos profissionais é totalmente “ligada” no trabalho, disponível por e-mail e celular 24 horas por dia, sete dias por semana.
Metas. Na maioria dos casos, porém, o controle de horário tem sido substituído por metas, que definem a remuneração do empregado. Como não existe controle de horário, dizem os especialistas, não se fala em horas extras. Mas se em eventual fiscalização ou reclamação trabalhista ficar comprovado que o empregador controlava a jornada de trabalho do empregado, a decisão tende a ser pelo pagamento de horas extras e do adicional noturno.
“Há muito medo de processos, mas isso já está parcialmente superado”, diz Wolnei Tadeu Ferreira, presidente da Sociedade Brasileira de Teletrabalho e Teleatividades (Sobratt). Ele argumenta que os maiores tribunais do País estão aplicando o teletrabalho com políticas próprias. “Se o próprio Tribunal Superior do Trabalho, por exemplo, adotou e tem segurança nisso, não haveria por que as empresas privadas não fazerem o mesmo”, ressalta.
Os escritórios improvisados em casa também podem se transformar em passivo, já que a segurança dos funcionários é de responsabilidade do empregador quando eles estão realizando tarefas de trabalho, independentemente da localização. A legislação brasileira diz que acidente de trabalho é o que ocorre pelo exercício de atividades a serviço da empresa. “É tomar cuidado com ergonomia, o funcionário precisa trabalhar com equipamento adequado às condições físicas dele”, observa José Pastore, professor de Relações do Trabalho da Universidade de São Paulo (USP).
Mesmo voltado para as atividades intelectuais e de produção criativa, essa nova modalidade de trabalho tem crescido constantemente e já se tornou realidade em 36% das empresas brasileiras, segundo pesquisa da SAP Consultores Associados. Nada menos do que 85% delas estão localizadas na Região Sudeste. Foram ouvidas 325 empresas no período de outubro de 2015 a março deste ano, e a pesquisa constatou que 80% daquelas que praticam home office são dos setores de serviços e indústria de transformação. Entre os segmentos, destacam-se Tecnologia da Informação e Telecom (24%), químico, petroquímico e agroquímico (12%), serviços de suporte e provimento (9%), bens de consumo (8%) e máquinas, equipamentos e automação (8%).
Tendência. Além de alavancar a produtividade e otimizar os escritórios das empresas, o trabalho remoto também melhora a qualidade de vida dos funcionários. É uma tendência mundial que, no entanto, representa um desafio para a forma de organização e luta dos sindicatos no País. “Uma coisa é organizar 5 mil trabalhadores em uma única fábrica, outra é organizar trabalhadores dispersos que ninguém sabe exatamente quem são nem onde estão”, diz Clemente Ganz Lúcio, diretor técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese).
O professor Pastore observa que esse desafio é geral, não é só em trabalho a distância. “Hoje em dia, com a terceirização, o trabalho está muito segmentado.” “É uma tendência geral, as grandes concentrações de operários estão diminuindo muito e o resultado é que o sindicato perde força com esse quadro.”
Trata-se de um desafio para o qual o movimento sindical não pode virar as costas. Até porque tudo está virando serviços no País. Cada vez mais os produtos industrializados vêm acompanhados numa base de serviços. Quando se compra um carro zero-quilômetro, por exemplo, uma série de serviços já vem associada ao veículo. É garantia estendida, assistência técnica da empresa e GPS, entre outros.
Não é à toa que o emprego nos serviços é o que mais cresce na economia brasileira, dizem especialistas. Hoje, quatro em cada cinco empregos criados no País são no setor de serviços. Boa parte dos novos postos de trabalho em serviços está associada à presença das chamadas tecnologias da informação e comunicação. Essas tecnologias permitem que o conteúdo do trabalho seja cada vez mais portável.
“Percebi muito isso na última campanha eleitoral, quando rodei o Brasil”, conta o presidente da Força Sindical, o deputado Paulo Pereira da Silva (SD-SP). “Está surgindo um trabalhador que já não tem nada a ver com o tradicional, gente que não quer saber de redução de jornada, porque trabalha muito mais e só se importa em ganhar dinheiro.”
Fonte: O Estado de São Paulo, por Marcelo Rehder, 26.09.2016
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