Durante anos a fio – para não dizer décadas –, fiquei quase sozinho nas discussões sobre a reforma trabalhista. Senti na pele quando o ministro do Trabalho Jaques Wagner disse considerar palavrão toda e qualquer referência à flexibilização das leis do trabalho.
O Brasil precisou destruir 1,5 milhão de empregos em 2015 e chegar a 12 milhões de desempregados em 2016 para admitir a necessidade daquela reforma. Hoje a imprensa, os advogados, os acadêmicos, os governantes e até mesmo boa parte dos dirigentes sindicais – laborais e empresariais – admitem a necessidade de modernizar a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Decisões recentes do Supremo Tribunal Federal (STF) engrossaram essa ideia e deixaram claro que, havendo trocas compensatórias, empregados e empregadores, com a participação dos sindicatos, podem firmar suas próprias regras para presidir as condições do trabalho. É o reconhecimento da importância da negociação e da valorização dos acordos e convenções coletivas.
É claro que a modernização das leis do trabalho não é receita para gerar mais empregos. Estes dependem de investimentos bem direcionados para criar oportunidades de trabalho. Mas, feitos os investimentos, sobrará como obstáculo o medo de empregar que hoje domina a maior parte dos empregadores.
E de onde vem esse medo? Ele decorre da insegurança em relação às leis e à conduta da Justiça do Trabalho. Sim, porque os detalhes antiquados e superados que ainda habitam os textos legais deixam perplexos os empregados e empregadores que têm de entrar numa relação de trabalho.
Muitos dos preceitos legais que hoje assustam as partes foram justificáveis nas décadas em que se criou a legislação trabalhista. Naquele tempo, por exemplo, muitas mulheres carregavam sacas de café e de açúcar nas costas, sem dizer as que passavam horas a fio cortando cana sob sol a pino e mal alimentadas. Por isso, o legislador pôs na CLT que as mulheres teriam direito a descansar 15 minutos antes de começar a fazer uma hora extra.
Mas hoje tudo mudou. As tecnologias tornaram o trabalho mais leve. Por isso, enfermeiras, bancárias e balconistas não entendem por que têm de parar 15 minutos antes de fazer uma hora extra. E se revoltam quando isso é exigido porque esses 15 minutos, além de não serem remunerados, atrasam a sua hora de saída do trabalho. É evidente que essa proteção se tornou desnecessária e disfuncional nos dias atuais.
O mesmo se pode dizer da regra que impede a divisão das férias em dois períodos para os trabalhadores que têm 50 anos ou mais. Volto a dizer: nas décadas de 30 e 40, quando as primeiras leis trabalhistas foram cunhadas, um homem de 50 anos era considerado velho e, por isso, precisava descansar 30 dias seguidos depois de um ano e trabalho. Mas a demografia mudou, o envelhecimento é acompanhado por uma inegável melhoria da saúde, de modo que os trabalhadores de 50 anos estão mais para jovens do que para velhos. Não há razão, pois, de admitir o parcelamento de férias para quem tem 49 anos e a proibição para quem tem 50 anos.
Os exemplos são infindáveis para mostrar que a CLT envelheceu e não se ajustou aos tempos modernos. O Constituinte de 1988 percebeu isso, o que o levou a conceder enorme liberdade para empregados e empregadores negociarem coletivamente o que consideram melhor para si, respeitadas, é claro, as normas constitucionais, as regras de proteção da saúde e as convenções internacionais ratificadas pelo Brasil.
O espaço de liberdade contido na Constituição de 1988 vem sendo reconhecido e aprovado pelo STF. Isso constitui grande avanço e deixa para trás o conceito de palavrão que os governantes do passado pretenderam atribuir às medidas que buscavam atender melhor empregados e empregadores e gerar mais empregos. É bom verificar que a sociedade começa a compreender a necessidade de modernização no campo do trabalho.
(*) José Pastore é Professor titular da FEA-USP, é presidente do Conselho de Emprego e Relações do Trabalho da Fecomercio-SP e membro da Academia Paulista de Letras.
Fonte: O Estado de São Paulo, por José Pastore (*), 20.09.2016
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