Depois dos precedentes abertos pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST), reconhecendo que empresas e funcionários têm competência legal para negociar diretamente condições de trabalho, o Supremo Tribunal Federal (STF) manifestou entendimento semelhante, admitindo que negociado entre empregados e empregadores prevalece sobre leis trabalhistas.
Em maio de 2015, com base em voto do ministro Luís Roberto Barroso no julgamento de recurso extraordinário impetrado por um banco público, a Corte já havia decidido que os acordos coletivos são “instrumentos legítimos de prevenção e autocomposição de conflitos trabalhistas”, permitindo, inclusive, eventual redução de direitos em face da retração da economia. “A Constituição prestigia a autonomia coletiva da vontade como mecanismo pelo qual o trabalhador contribuirá para a formulação das normas que regerão sua própria vida, inclusive no trabalho”, disse Barroso, na ocasião. Há uma semana, com base em voto do ministro Teori Zavascki no julgamento de um recurso interposto por uma usina de açúcar e álcool de Pernambuco, o STF decidiu que os acordos coletivos entre sindicato e empresa em matéria de salário e jornada de trabalho podem se sobrepor à Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), desde que o negociado não ultrapasse os “limites da razoabilidade”. Como a decisão de Zavascki é de repercussão geral, ela orientará as demais instâncias do Judiciário.
A nova decisão do STF não poderia ter vindo em melhor hora. Desde que o presidente Michel Temer anunciou a disposição de colocar a reforma trabalhista na agenda política, entidades empresariais e sindicais travam um acirrado debate. As centrais sindicais acusam o governo de querer revogar “conquistas dos trabalhadores”. Já as confederações empresariais alegam que a CLT em vigor impõe custos que comprometem a competitividade da economia brasileira.
A discussão não é nova. No início da década de 2000, o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso pressionou, sem sucesso, o Congresso a aprovar um projeto de lei que estabelecia a prevalência da negociação coletiva sobre a lei. No ano passado, vários parlamentares tentaram, também sem sucesso, incluir esse dispositivo no texto da medida provisória que criou o Programa de Proteção ao Emprego.
Quando a CLT foi editada, em 1943, o País ainda dava os primeiros passos rumo à industrialização. Sete décadas e três anos depois, o mundo do trabalho passou por sucessivas revoluções tecnológicas, tornando-se cada vez mais complexo e exigindo, por consequência, novas formas de contratação, remuneração e dispensa de empregados. Com a expansão e diversificação do setor de serviços, surgiram atividades que exigem contratos por projeto e remuneração atrelada à produção, e não a salário fixo.
Com isso, a CLT se converteu em camisa de força da iniciativa privada, pois dispensa o mesmo tratamento legal a uma ampla variedade de relações trabalhistas. Por ser um conjunto de leis gerais desconectadas das diferentes formas de produção de bens e prestação de serviços, a CLT engessa as relações entre o capital e o trabalho. Foi por isso que a maioria dos países desenvolvidos abandonou a ideia de um código de relações trabalhistas e passou a estimular os acordos coletivos, que possibilitam proteções mais adequadas às especificidades de cada setor produtivo.
A decisão do STF é uma contribuição importante para acelerar a modernização da legislação trabalhista, valorizando o princípio da livre negociação. Mas, por causa do alcance da reforma de uma legislação trabalhista anacrônica e intervencionista e de sua importância para o crescimento do emprego, o principal responsável por essa empreitada continua sendo o Executivo. Cabe a ele elaborar um projeto – e pressionar o Legislativo a aprová-lo – de um modelo mais flexível e mais eficiente de proteção trabalhista, fortalecendo a negociação coletiva e garantindo direitos ajustados às mais variadas condições de trabalho.
Fonte: O Estado de São Paulo, por José Pastore, 17.09.2016
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