A prevalência do negociado sobre o legislado tem tomado conta do noticiário nacional por ser objeto de discussão no âmbito dos três Poderes da República. A reforma trabalhista é inevitável e ocorrerá, cedo ou tarde.
Acerca do tema há duas posições antagônicas no Poder Judiciário.
O Tribunal Superior do Trabalho direciona o seu entendimento para a concepção de que os sindicatos não têm legitimidade de fato e que os instrumentos de negociação coletiva não podem servir para suprimir direito assegurado em lei, mesmo com a substituição desse direito por outros benefícios. Entende, portanto, que o legislado prevalece sobre o negociado.
Em 2015, o Supremo Tribunal Federal julgou o RE 590.415, que ficou nacionalmente conhecido como o “Caso BESC”. O Banco do Estado de Santa Catarina, antes de ser privatizado, firmou um acordo coletivo com o sindicato dos empregados em que constava uma cláusula de quitação geral. Isto é, o empregado que aderisse ao plano recebia indenização e estaria impedido de obter qualquer diferença em processo judicial trabalhista. Mediante a interposição de recurso ao STF, o Banco conseguiu reverter a decisão, ficando assentado, em célebre voto do Ministro Luís Roberto Barroso, que a cláusula era válida, tendo sido afirmado, em apertada síntese, que (i) a Constituição Federal prestigiou a autonomia coletiva da vontade como mecanismo pelo qual o trabalhador participará da formulação das normas que regerão a sua própria vida, inclusive no trabalho, bem como que (ii) os acordos e convenções coletivas são instrumentos legítimos de prevenção de conflitos trabalhistas, podendo ser utilizados, inclusive, para redução de direitos trabalhistas.
Já se prenunciava, com o processo do BESC, a posição antagônica da Suprema Corte.
No dia 13/09/2016, o Diário de Justiça Eletrônico publicou decisão o Supremo Tribunal Federal, da lavra do Ministro Teori Zavascki provendo um recurso extraordinário (RE 895.759) e reformando decisão do Tribunal Superior do Trabalho, que havia anulado uma cláusula de acordo coletivo que excluía o pagamento das horas in itinere. No caso, o Sindicato e a empresa haviam negociado essa exclusão em troca de outros benefícios mais vantajosos financeiramente aos empregados.
O Ministro, nessa nova decisão, fazendo remissão ao caso BESC, ressaltou que “não se constata, por outro lado, que o acordo coletivo em questão tenha extrapolado os limites da razoabilidade, uma vez que, embora tenha limitado direito legalmente previsto, concedeu outras vantagens em seu lugar, por meio de manifestação de vontade válida da entidade sindical.” Em outras e diretas palavras, assentou que deve se respeitar o negociado, mesmo que se limite direito legalmente previsto.
A importância desse posicionamento recente se revela no fato de que a amplitude da decisão do BESC, que parece ter sido mitigada pelo TST, foi afirmada pelo STF em um caso representativo de controvérsia. Isso significa que a atual decisão produzirá efeitos em milhares de processos em que houver discussão da prevalência do negociado sobre o legislado.
Na estrutura do Poder Judiciário brasileiro, em matéria constitucional, o STF tem a palavra final. A questão tem status na Lei Maior, especificamente no artigo 7º XXVI e queremos crer que a partir de agora o Judiciário Trabalhista deverá analisar com outros olhos a questão da legitimidade dos sindicatos e da possibilidade de transação coletiva em matéria trabalhista. Caberá ao sindicato decidir quais vantagens serão mais benéficas para aquela categoria específica, respeitadas as intocáveis questões que digam respeito a saúde e segurança do trabalhador.
O debate no Congresso Nacional deve continuar, mas enquanto ele não se resolve, as matérias de cunho trabalhista serão enfrentadas pelo STF, conforme anunciado pela recém empossada Presidente da Suprema Corte, Ministra Carmen Lúcia Antunes Rocha.
(*) Mauricio de Figueiredo Corrêa da Veiga é Sócio do Corrêa da Veiga advogados, membro do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB) e conselheiro da OAB/DF. Luciano Andrade Pinheiro é Sócio do Corrêa da Veiga advogados, professor Universitário de direito autoral e responsabilidade civil.
Fonte: JOTA, por por Mauricio de Figueiredo Corrêa da Veiga e Luciano Andrade Pinheiro, 19.09.2016
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