Alterações trabalhistas pensadas para um grande centro urbano podem gerar condições de trabalho absurdas em áreas rurais mais distantes e com trabalhadores mais vulneráveis
O tema “reforma trabalhista” desperta imediatamente paixões. O tema é o centro da eterna disputa entre capital e trabalho, em que os lados “combatem” sempre com altíssima carga ideológica. Difícil surgir um discurso racional em termos de discussão quando se fala em mexer com direitos do trabalhador. Nessa toada, chama a atenção a superficialidade das propostas até agora apresentadas, a ausência de estudos e percepção de consequências atuais e futuras para o país e para os trabalhadores e empresas.
A terceirização é boa? Quem disse? Sob qual aspecto? Na experiência da Justiça do Trabalho, a terceirização só trouxe precarização e prejuízos. E não foi apenas do ponto de vista do trabalhador. Quantas empresas, solventes, tiveram de arcar com os custos trabalhistas de uma terceirização malfeita ou de uma empresa que, mesmo participando de licitação e apresentando garantias, ficou insolvente, deixando dívidas para a tomadora dos serviços?
O trabalhador terceirizado “veste a camisa” da empresa como o trabalhador com vínculo de emprego? Ou teríamos um aumento do turnover, uma volatilização da mão de obra? Alguém poderia pensar em uma empresa, por exemplo, de pilotos de grandes aeronaves, terceirizados, sem que a tomadora tenha ciência de como são treinados, podendo fazer-se substituir por outro de última hora sem prévio aviso? São perguntas não respondidas diante da sanha pela terceirização total do mercado.
Mas vamos adiante: negociado pelo legislado. A Justiça do Trabalho já aceita inúmeras cláusulas negociadas por sindicatos. Quais os limites? Ora, os limites estão na própria Constituição, nos princípios da melhoria da condição social, na dignidade da pessoa humana, na solidariedade social. Os limites são principiológicos, não sendo válidas cláusulas, ainda que negociadas, mas que coloquem em risco a saúde do trabalhador, sua dignidade ou seu direito constitucional ao mínimo existencial.
Ou será que o legislador imagina, por exemplo, o Judiciário simplesmente chancelando uma cláusula que, por hipótese, permita jornadas de 12 horas a cortadores de cana, permita revistas íntimas nos empregados ou liberem o empregador do fornecimento de equipamentos de proteção para segurança do trabalho? Então, que negociado seria esse? Até agora, as bases específicas dessa proposta não foram lançadas, pois é extremamente complexo mexer em um sistema enraizado e fundamentado em princípios constitucionais.
Existem alterações possíveis? Sim, existem. A começar, por exemplo, pela enorme carga tributária sobre o trabalho, pela redução de encargos e do custo sobre a folha de pagamento, sem reduzir qualquer direito. Sobre o tema, há silêncio. A estrutura sindical também poderia ser modernizada com a pluralidade, para que pudesse haver concorrência entre entidades, e para que o trabalhador pudesse optar pela entidade que melhor lhe conviesse e que prestasse o melhor serviço ou tivesse as melhores propostas. O tema também não veio à tona.
Sobre a CLT, essa senhora, de fato poderia haver uma “recauchutagem”, mas pontual, permitindo uma maior facilidade para cumprimento de normas específicas. Por exemplo, autorizando o empregador, por acordo individual, a estabelecer intervalo intrajornada menor que uma hora (como já está estabelecido na Lei 150/2015 para o doméstico), desde que demonstradas condições adequadas de trabalho. Mas, repiso, seriam pontuais e ainda assim deveriam ser objeto de forte reflexão.
O país é continental. Alterações trabalhistas pensadas para um grande centro urbano podem gerar condições de trabalho absurdas em áreas rurais mais distantes e com trabalhadores mais vulneráveis. Ainda enfrentamos, neste século, trabalho análogo ao de escravo. Ainda temos trabalho infantil, e os acidentes de trabalho são uma chaga nacional. Portanto, é dizer: calma, cautela e ponderação. Alterações em um direito tão difícil de construir, como é o Direito do Trabalho, feitas de afogadilho, no meio de paixões e lutas ideológicas, podem ter consequências nefastas não só para os trabalhadores, mas para todo o conjunto da sociedade, e isso não interessa a ninguém.
(*) Luciano A. T. Coelho, mestre em Direito, é juiz do Trabalho em Curitiba.
Fonte: Gazeta do Povo, por Luciano A. T. Coelho, 22.09.2016
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