Você já ouviu falar em direito à desconexão do trabalho? Pois foi alegando descumprimento desse dever pela ex-empregadora que um trabalhador procurou a Justiça do Trabalho pedindo o pagamento de indenização por dano moral. De acordo com o reclamante, seus períodos de descanso e convívio familiar não eram plenamente usufruídos, uma vez que ficava à disposição da empresa, de sobreaviso. Ele contou que era acionado para retornar ao trabalho durante as madrugadas, fins de semana e até nas férias.
O pedido foi indeferido em 1º Grau, por entender o juiz que o empregado não provou a ocorrência de danos morais. Na condição de gerente administrativo da empresa do ramo de combustíveis, o reclamante ocupava cargo de confiança, podendo administrar seu horário de trabalho. Portanto, para o juiz, as condições de trabalho eram inerentes ao cargo.
No entanto, ao analisar o recurso apresentado pelo trabalhador, a 1ª Turma do TRT de Minas teve entendimento diferente e reformou a decisão para condenar a ré ao pagamento de R$10 mil por dano moral existencial. Em minuciosa decisão, o relator, desembargador Luiz Otávio Linhares Renault, reconheceu que o extenuante regime de trabalho imposto ao reclamante comprometeu a liberdade de escolha do reclamante, inibindo a sua convivência familiar e social e frustrando seu projeto de vida. No seu modo de entender, a impossibilidade de desconexão ao trabalho gerou prejuízo passível de reparação.
“Viver não é apenas trabalhar; é conviver; é relacionar-se com seus semelhantes na busca do equilíbrio, da alegria, da felicidade e da harmonia, consigo própria, assim como em todo o espectro das relações sociais materiais e espirituais”, destacou o julgador, ponderando que quem somente trabalha, dificilmente é feliz. Assim como não é feliz quem apenas se diverte. “A vida é um ponto de equilíbrio entre o trabalho e lazer”, registrou. Daí o valor de institutos como os das férias e intervalos, que transcendem o próprio Direito do Trabalho, explicou.
Para o desembargador, há violação ao princípio da dignidade humana previsto no artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal quando o empregado não pode se dedicar à sua vida privada em função do trabalho excessivo. A decisão pontuou que as relações familiares, o convívio social, a prática de esportes e o lazer são muito importantes. Segundo destacou, o trabalho extenuante retira a possibilidade de o prestador de serviços se organizar interna e externamente como pessoa humana e em permanente evolução, desprezando o seu projeto de vida.
“A sociedade industrial pós-moderna tem se pautado pela produtividade, pela qualidade, pela multifuncionalidade, pelo “just in time”, pela disponibilidade full time, pela competitividade, e pelas metas, sob o comando, direto e indireto, cada vez mais intenso e profundo do tomador de serviços, por si ou por empresa interposta”, frisou. Nessas circunstâncias, a moderna doutrina entende que se desencadeia o dano existencial, de cunho extrapatrimonial, que não se confunde com o dano moral.
A decisão se baseou em ensinamentos da Professora e Desembargadora Alice Monteiro de Barros para explicar o conceito e contexto do dano existencial. Em suas próprias palavras, o desembargador resumiu:
“O dano existencial ofende, transgride, e arranha com marcas profundas a alma do trabalhador, ulcerando, vilipendiando, malferindo diretamente os direitos típicos da dignidade da pessoa humana, seja no tocante à integridade física, moral ou intelectual, assim como ao lazer e à perene busca da felicidade pela pessoa humana, restringida que fica em suas relações sociais e familiares afetivas”.
“O dano existencial tem como “bas fond” a lesão que afeta o trabalhador em seus sentimentos humanos e em sua percepção íntegra e integral da vida em todos os seus aspectos, em sua honra, em seu decoro, em suas relações sociais, e em sua dignidade, retirando-se-lhe, corpo e alma, do convívio sadio com a família, com os seus semelhantes, parentes e amigos, e com a natureza, enfraquecidos ficando os laços consigo mesmo e com seus projetos de vida”.
E acrescentou: “Viver é, em certa medida, projetar o futuro”. Isto porque diariamente as pessoas fazem planos e lutam para alcançá-los. Na visão do julgador, a conduta da empresa em exigir sempre mais e mais trabalho de seus empregados, como se fossem uma “máquina ou uma coisa” pode configurar o dano existencial. Exatamente o caso dos autos em que ficou demonstrado que o reclamante, além de prestar horas extras, ainda tinha que ficar à disposição em tempo integral via celular.
Entendendo que o reclamante experimentou prejuízo na esfera existencial, o relator deu provimento ao recurso para condenar a reclamada a pagar R$10.000,00 a título indenização por danos morais. A Turma de julgadores acompanhou o voto.
( 0011067-61.2014.5.03.0163 )
Fonte: Tribunal Regional do Trabalho 3ª Região Minas Gerais, 28.10.2015
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