Em decisão paradigmática, o Pleno do Colendo Tribunal Superior do Trabalho (TST) decidiu que a correção monetária e os juros de mora, referentes às contribuições previdenciárias resultantes de acordos homologados judicialmente ou sentenças condenatórias, são devidos a partir da prestação de serviços. A decisão repercutirá significativamente nos processos em trâmite perante a Justiça do Trabalho.
Com a posição da Corte trabalhista, os valores devidos a título de contribuição social passam a ser considerados exigíveis desde o momento em que há efetiva prestação de serviços pelo trabalhador à empresa, e não mais após o dia dois do mês seguinte ao da liquidação da sentença judicial trabalhista, conforme dispõe o artigo 276, “caput”, do Decreto 3.048/1999, que regulamenta a Lei 8.212/1991.
Assim, dando aplicabilidade à atual redação do artigo 43 da citada lei previdenciária, conferida pela Medida Provisória (MP) 449/2008, convertida na Lei 11.941/2009, o C. TST, por maioria, chancelou o entendimento do relator, ministro Alexandre de Souza Agra Belmonte, proclamado nos autos de número E-RR-1125-36.2010.5.06.0171.
Para melhor compreensão do assunto, cite-se o referido dispositivo legal:
“Art. 43. Nas ações trabalhistas de que resultar o pagamento de direitos sujeitos à incidência de contribuição previdenciária, o juiz, sob pena de responsabilidade, determinará o imediato recolhimento das importâncias devidas à Seguridade Social.
(…)
3o As contribuições sociais serão apuradas mês a mês, com referência ao período da prestação de serviços, mediante a aplicação de alíquotas, limites máximos do salário-de-contribuição e acréscimos legais moratórios vigentes relativamente a cada uma das competências abrangidas, devendo o recolhimento ser efetuado no mesmo prazo em que devam ser pagos os créditos encontrados em liquidação de sentença ou em acordo homologado, sendo que nesse último caso o recolhimento será feito em tantas parcelas quantas as previstas no acordo, nas mesmas datas em que sejam exigíveis e proporcionalmente a cada uma delas.”
Impende destacar, porém, que a referida decisão judicial se aplica apenas aos casos cujos serviços foram prestados a partir do dia 5/3/2009, marco inicial da exigibilidade da Lei 11.941/2009, uma vez que a MP 449/2008 foi publicada em 4/12/2008 e suas alterações somente podem ser exigidas com o transcurso do prazo de noventa dias, consoante preconiza o princípio da anterioridade privilegiada, também chamada de qualificada ou nonagesimal, insculpido no artigo 150, III, “c”, da Constituição Federal (CF).
Além disso, a decisão da Corte Superior Trabalhista fixou a diretriz no sentido de que o recolhimento da contribuição previdenciária observará o mesmo prazo em que serão pagos os créditos trabalhistas apurados em liquidação de sentença ou em acordo homologado em juízo. Todavia, a atualização monetária e os juros de mora incidem desde a data da prestação de serviços, retroagindo, assim, à época em que as contribuições sociais deveriam ter sido recolhidas na forma da lei.
Outro importante norte fixado é que, diferentemente da atualização monetária e dos juros de mora, a multa pelo não recolhimento da contribuição previdenciária à época própria não incidirá de forma retroativa à prestação dos serviços. Por ser uma penalidade, a multa somente passará a ser exigida, no juízo trabalhista, após a citação da empresa para pagamento dos créditos previdenciários.
Destarte, conquanto a votação pelo Pleno do C. TST tenha sido acirrada, com 12 votos favoráveis ao entendimento do ministro relator, e outros 12 votos acompanhando a divergência encabeçada pela ministra Maria Cristina Irogoyen Peduzzi, prevaleceu a tese do relator, ministro Alexandre de Souza Agra Belmonte – com o voto de minerva do ministro Ives Gandra Martins Filho, que presidiu a sessão do dia 20.10.2015 –, de que o fato gerador para a contribuição social não seria aquele disposto no artigo 195, I, da CF, representado pelo pagamento do crédito ao trabalhador.
Citando precedentes do Supremo Tribunal Federal, o relator afirmou que o momento da ocorrência do fato gerador, envolvendo as contribuições previdenciárias, não é matéria tributária de ordem constitucional, e sim infralegal, podendo ser alterado por lei ordinária – como ocorreu, de fato, por meio da Lei 11.941/2009 –, sem necessidade de edição de lei complementar.
Logo, a norma aplicável para fins de cálculo da contribuição previdenciária é aquela em vigor no momento em que foi prestado o serviço, uma vez que o fato gerador já estava consumado quando o crédito trabalhista passou a ser devido. Deste modo, a obrigação tributária nasce no referido momento, sendo certo que a sentença trabalhista não cria propriamente o direito ao crédito, mas apenas reconhece a violação à legislação tributária pelo contribuinte que deixou de pagar a contribuição previdenciária no prazo legal.
Ressalta-se, no entanto, que, para os contratos de trabalho anteriores à vigência da MP 449/2008, convertida na Lei 11.941/2009, o fato gerador das contribuições previdenciárias ocorre com o pagamento do crédito trabalhista. Em tais hipóteses, aplica-se a regra do artigo 276, “caput”, do Decreto 3.048/1999, de modo que a atualização monetária e os juros de mora sejam calculados a partir do segundo dia do mês subsequente ao da liquidação da sentença trabalhista.
Mencione-se, inclusive, a este respeito, o julgamento proferido pela Subseção I Especializada em Dissídios Individuais (SBDI-1), do Tribunal Superior do Trabalho, em destaque no “Informativo TST Execução – nº 12” (período de 3 a 23 de março de 2015), de relatoria do ministro Aloysio Corrêa da Veiga:
Execução. Valores reconhecidos em juízo. Recolhimento das respectivas contribuições previdenciárias. Art. 195, I, “a”, da CF. Prestação de serviços iniciada antes da edição da Medida Provisória nº 449/2008 (convertida na Lei nº 11.941/2009). Fato gerador. Pagamento. Juros de mora a contar do dia dois do mês seguinte ao da liquidação da sentença. Art. 276 do Decreto nº 3.048/99.
A Medida Provisória nº 449/2008, convertida na Lei nº 11.941/2009, fixou a prestação de serviços como fato gerador da contribuição previdenciária incidente sobre verbas trabalhistas reconhecidas em juízo. No entanto, para os contratos iniciados em período anterior à vigência da nova norma, o fato gerador é o crédito ou pagamento da importância devida. Incide, portanto, a regra do art. 276 do Decreto nº 3.048/1999, segundo a qual os juros e multa moratória pelo atraso no recolhimento são calculados a partir do segundo dia do mês seguinte ao da liquidação da sentença. Com base nesses fundamentos, a SBDI-I, por unanimidade, conheceu do recurso de embargos interpostos pela União, por divergência jurisprudencial, e, no mérito, negou-lhe provimento. TST-ERR-116800-14.2010.5.13.0022, SBDI-I, Min. Aloysio Corrêa da Veiga, 12.3.2015.
Registre-se, por fim, que a decisão objeto deste comentário foi uma vitória da Advocacia-Geral da União, considerando-se que renderá aos cofres da Previdência Social um acréscimo no recolhimento, estimado em mais de R$ 1,5 bilhão por ano. E a partir deste relevante precedente, já se imagina uma mudança na jurisprudência dos Tribunais Regionais do Trabalho (TRT), como é a situação, por exemplo, do E. TRT/SP da 2ª Região, que se posiciona em sentido contrário, conforme Súmula 17 abaixo transcrita:
17 – Contribuições previdenciárias. Fato gerador. (Res. nº 01/2014 – DOEletrônico 02/04/2014)
O fato gerador das contribuições previdenciárias decorrentes de sentença trabalhista é o pagamento, nos autos do processo, das verbas que compõem o salário-de-contribuição. Não incidem juros e multa a partir da época da prestação dos serviços.
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(*) Ricardo Calcini é Bacharel em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, onde obteve o título de Especialista em Direito Social. É também Pós-Graduado em Direito Processual Civil pela Escola Paulista da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo. Assessor de Desembargador no Tribunal Regional de São Paulo da 2ª Região. Professor, Palestrante, Articulista e Comentarista de Direito do Trabalho. Colunista do site Mega Jurídico, do Jornal Jurid e da FocoFiscal Gestão Educacional. É membro do Instituto Brasileiro de Direito Social Cesarino Júnior (IBDSCJ), da Academia Brasileira de Direito Processual Civil (ABDPC), da Academia Brasileira de Direito Constitucional (ABDConst), da Associação Brasileira de Direito Processual Constitucional (ABDPC), do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo (IBDD), da Academia Brasileira de Direito do Estado (ABDET) e do Instituto Brasiliense de Direito Aplicado (IDA).
Fonte: JOTA, por Ricardo Calcini (*), 28.10.2015