domingo, 21 de junho de 2015

Canal de denúncias ajuda a coibir a corrupção.

A Lei Anticorrupção já estava em discussão, mas ainda longe de ser sancionada, quando a Kroton Educacional implementou um canal interno de comunicação que permite aos seus 35 mil funcionários denunciar qualquer prática que vá contra as políticas e os procedimentos da organização.
Segundo o gerente de controles internos Nelson Guimarães Filho, a decisão de aprimorar os processos de governança e criar a área de compliance dentro da empresa foi tomada em 2012. “Naquele momento, entendemos que era necessário ter um canal para os funcionários reportarem irregularidades”, conta.
Assim nasceu o “canal confidencial Kroton “, uma ferramenta disponível na intranet do grupo e na internet que recebe entre 15 e 20 reportes por mês. Desde então, houve um grande trabalho de comunicação para as pessoas entenderem que a área de controles internos, responsável pela análise e investigação de todas as denúncias que chegam, é independente dentro da empresa e se reporta ao comitê de auditoria. “Isso assegura a confidencialidade dos envolvidos na denúncia. Além disso, o fato de a alta administração da companhia demonstrar comprometimento em relação à independência da área gera um ambiente de confiança.”
Agora, após a regulamentação da Lei 12.846/13, a Kroton criou um manual anticorrupção e treinou virtualmente mais de 20 mil funcionários em relação às práticas contidas no documento. “Nosso objetivo é que 100% dos colaboradores passem por esse treinamento até o meio do ano”, afirma o executivo.
Hoje, o esperado é que toda grande empresa possua um canal de denúncias e políticas claras anticorrupção. “Não é algo opcional”, afirma Gustavo Costa, diretor executivo jurídico da White Martins. Há 19 anos na organização, ele percebeu ao longo dos últimos anos um fortalecimento dessas normas por exigência do mercado.
A prática na White Martins é antiga, pois o programa de conformidade existe desde 1992 e é aperfeiçoado continuamente. “Nesse processo, uma ferramenta importante é oferecer uma linha de telefone dedicada a receber denúncias”, diz Costa. Uma empresa independente recebe a ligação do funcionário, e quem denuncia faz a queixa em seu próprio idioma. A ação gera um número de rastreamento que permite ao delator acompanhar o caso. A informação, por sua vez, vai para a área de segurança corporativa da empresa, que se reporta à Praxer nos Estados Unidos, controladora da White Martins.
“O fato de ser uma empresa independente que recebe as denúncias preserva o anonimato e dá mais confiança a quem denuncia”, afirma Costa. Entre as delações há desde questões ligadas a relacionamentos interpessoais, como assédio, até fraudes que envolvem as áreas contábil e financeira. “Apuramos tudo. Se for algo de relacionamento entre funcionários, vai para o RH. Se tem potencial de infração da lei ou do código de ética, vai para a área de segurança.”
Costa não informa números sobre as denúncias feitas por funcionários, mas afirma que os relatos vêm aumentando, o que, segundo ele, é um bom sinal. “Demonstra que as pessoas estão mais à vontade para fazer a delação”, enfatiza. Na White Martins, o funcionário pode escolher fazer a denúncia por telefone ou por e-mail.
Além dessas duas opções, mais comuns nas empresas que mantêm um canal de denúncia, companhias com funcionários que têm pouco acesso ao computador usam também uma caixa para receber a queixa em papel. Já algumas consultorias independentes que recebem a denúncia também dão a opção do uso do WhatsApp.
Seja como for, o fato é que a prática já se mostrou um meio bastante eficaz de combate a desvios de conduta. “Aspectos de corrupção, questões antiéticas e fraudes fazem parte do dia a dia das organizações. Não há empresa blindada contra isso”, afirma Ricardo Teixeira, sócio da Deloitte, empresa de auditoria e consultoria. Em sua opinião, isso ressalta a importância de ter um canal de denúncias adequado. “Se não há, o funcionário acaba fazendo uma carta anônima, que circula por vários departamentos, ou liga para o SAC da empresa. Em ambos os casos, a confidencialidade é deixada de lado.”
Um estudo recente da Deloitte com 124 companhias de diferentes setores mostrou que 55% das participantes da amostra já tiveram algum caso de corrupção. Desses, metade foi descoberta por meio do canal de denúncias. “É a forma mais eficaz, porque é fácil de usar e deixa o funcionário confortável para dar o máximo de detalhes. Ele pode, inclusive, fazer ′upload′ de documentos e fotos”, afirma Teixeira.
Para que o meio seja efetivo, Teixeira diz ser importante encaminhar as denúncias para um comitê de ética ou diretamente ao conselho de administração – que devem ter independência em relação ao presidente da empresa. Além disso, o funcionário se sente cada vez mais motivado a denunciar quando vê que as queixas são de fato investigadas.
Suzana Fagundes, diretora jurídica e de relações institucionais para o Brasil e compliance officer para a América Latina da ArcelorMittal, diz que não é fácil criar um ambiente de confiança. Quando o programa foi implementado, em 2007, chegavam poucas denúncias. “Na medida em que os funcionários perceberam que todas as queixas eram investigadas, que o assunto era tratado seriamente e que não havia retaliação a quem fizesse a denuncia, a confiança no canal aumentou”, diz a executiva.
O canal de denúncias da ArcelorMittal Brasil, que opera por telefone e e-mail, recebe pelo menos um reporte por semana. Desses, 99% são anônimos. Suzana diz que há um grande número de denúncias relacionadas ao RH, como favorecimento na contratação de novos funcionários, trato indelicado com subordinado e chefe agressivo. Depois, vêm as denúncias sobre supostos favorecimentos nas contratações de fornecedores. Por fim, menos frequentes, estão as fraudes. “Tudo é investigado e cerca de 15% a 20% das denúncias acabam sendo inconclusivas por falta de informações”, afirma.
Todo reporte que chega é encaminhado para a área de compliance e para um comitê independente que fica na sede da empresa, em Luxemburgo. Esse comitê, segundo Suzana, está dissociado dos executivos da empresa, inclusive do CEO. A partir daí, as investigações são feitas pelo RH, quando é pertinente, ou então por auditorias internas e externas.
De acordo com o estudo da Deloitte, para reduzir de forma eficaz a probabilidade de risco de corrupção, as empresas precisam se atentar a três aspectos: compromisso da alta administração, treinamento adequado e comunicação ampla e clara das políticas. “O código de ética precisa estar no DNA do funcionário. É como se fosse a carta magna da empresa”, afirma Luiz Eduardo Osorio, vice-presidente jurídico e de relações institucionais da CPFL.
Desde 2001 a empresa tem um canal de denúncias, que recebe queixas relacionadas a desvios éticos, questões contábeis e fiscais e fraudes em geral. Tudo que chega é analisado pelo conselho de ética ou fiscal. Entre 2007 e 2013, o comitê de ética da CPFL recebeu 367 demandas, sendo 15 consultas (o que não se enquadra como denúncia). Dessas demandas, 210 foram consideradas improcedentes. Em 2014, foram 66 demandas, sendo 9 consultas. Dessa vez, 26 foram descartadas.
“Se os funcionários perceberem que há preocupação em proteger quem denuncia, cria-se um círculo de confiança”, afirma Osorio. Em sua opinião, contribui positivamente na evolução dos canais de denúncia o ambiente externo vivido hoje no Brasil. “Cada vez mais a sociedade está atenta aos desvios de conduta e as organizações estão mais cuidadosas com os procedimentos que podem levar a desvios éticos”, diz.
O estudo da Deloitte, que ouviu empresas de diferentes portes mostrou que 76% delas investem até R$ 1 milhão por ano em compliance. Ainda de acordo com o levantamento, 18% investem entre R$ 1 milhão e R$ 5 milhões e 6%, mais de R$ 5 milhões.
Teixeira acredita que um investimento anual de R$ 1 milhão em compliance é razoável para empresas com faturamento entre R$ 500 milhões e R$ 1 bilhão. Mas, para companhias com faturamento muito superior a esse ou em setores altamente regulamentados, como o financeiro, é pouco. “Ainda estamos em uma curva em ascensão. É uma onda que vai se ampliar muito.”
Fonte: Valor Econômico, por Adriana Fonseca, 18.06.2015

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