Recintos alfandegários têm travado uma disputa milionária contra a taxa exigida pelos terminais portuários para separação e entrega de cargas importadas, após a descarga do navio. No Porto de Santos (SP), o valor máximo da taxa chamada de Terminal Handling Charge (THC2) é de R$ 123 por contêiner. De janeiro a agosto, desembarcaram pelo porto paulista 790.831 contêineres importados.
Em São Paulo, os desembargadores do Tribunal de Justiça (TJ-SP) divergem sobre a legalidade da cobrança. A Justiça Federal, por sua vez, tem anulado condenações de terminais portuários no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). O entendimento do órgão é o de que a taxa viola a ordem concorrencial vigente. No Cade, as penalidades podem variar de 0,1% a 20% do faturamento.
Em recente decisão, a 23ª Câmara de Direito Privado do TJ-SP decidiu a favor da legalidade da taxa cobrada por um terminal portuário de Santos. A ação foi ajuizada por um terminal retro alfandegado (TRA) - no qual se executam serviços de controle aduaneiro. O terminal alegou que o Cade já havia emitido parecer contra a cobrança.
De acordo com o advogado do recinto alfandegário, esse serviço de segregação de contêineres já faz parte do pacote pago por meio da THC, destinado a cobrir os custos de movimentação do contêiner até seu embarque na exportação ou até sua entrega ao cliente na importação, no terminal portuário. "É como se eu enviasse um Sedex para a minha família em Natal e, quando a encomenda chegasse na agência de lá, entrassem em contato com meus familiares para cobrar uma nova taxa para poder entregá-la", diz.
Além desse serviço a mais não existir, há uma prática anticoncorrencial reconhecida pelo Cade. Isso porque, de acordo com o advogado, esse valor da THC2 é cobrado pelo terminal portuário do recinto alfandegário, que ou assume o ônus ou o repassa ao consumidor - no caso os importadores. "Como o terminal portuário também oferece um serviço de alfandegamento, dá um desconto no seu preço, por não pagar o THC2, e torna seus preços melhores do que os concorrentes que pagam a taxa."
Para o advogado do terminal portuário, a THC2 é legal, já que os serviços de segregação e entrega de contêineres prestados pelos operadores portuários aos recintos alfandegados existem e geram custos adicionais não cobertos pela taxa paga pelo armador, conhecida como THC. "A medida que os terminais retro alfandegados solicitam o serviço de segregação, há uma nova prestação de serviços, que demanda pessoal, maquinário específico e logística", diz.
Ao analisar o caso no TJ-SP, o relator, desembargador Sebastião Flávio, entendeu que a taxa seria legal, já que foi devidamente regulamentada pela Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp), na condição de autoridade portuária, e pela Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) por meio da Resolução nº 2.389, de 2012. Assim, condenou o recinto alfandegário ao pagamento do THC2 desde o início da ação ainda pendente, cujo total atualizado é de R$ 9 milhões.
O advogado do terminal portuário ressalta que a decisão, com 31 páginas, foi bastante detalhada e servirá como referência para outras discussões semelhantes. "Os desembargadores decidiram que ela irá integrar o repertório de jurisprudência do TJ-SP."
O recinto alfandegário deverá recorrer ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) alegando que a jurisprudência do TJ-SP tem sido amplamente majoritária contra a cobrança, até mesmo em decisões recentes. Em agosto, a 36ª Câmara de Direito Privado entendeu que não há qualquer serviço adicional prestado.
A área técnica do Tribunal de Contas da União (TCU) deu um parecer contra a cobrança e mesmo a Antaq emitiu nova nota técnica (nº 48, de 2015) reconhecendo que há uma interpretação equivocada dos terminais portuários sobre a resolução de 2012 para a cobrança do THC2.
Os advogados que defendem um terminal em um processo no Cade, afirmam que a Justiça tem dado decisões recentes importantes que reforçam a legalidade da cobrança. "O Cade não pode fechar os olhos diante da posição do Judiciário."
O Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª e o da 3ª Região recentemente anularam multas aplicadas pelo órgão a terminais. Segundo as decisões, o Cade não seria competente para tratar do tema, regulamentado pela Antaq.
A matéria ainda será discutida no Cade ainda esse ano. Pode ser o primeiro voto da história do Cade reconhecendo a legalidade da cobrança e isso pode refletir em uma reviravolta no posicionamento do órgão.
Fonte: Valor Econômico
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