terça-feira, 8 de novembro de 2016

‘Desafio é aplicar imparcialmente uma lei que é parcial’, diz presidente do TST.

O presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), Ives Gandra da Silva Martins Filho, se queixa dos cortes nos recursos para bancar as despesas da Justiça do Trabalho – cujo orçamento deste ano teve de ser enxugado em R$ 1 bilhão em relação a 2015, para R$ 16 bilhões. Segundo ele, a tesourada contribuirá para aumentar ainda mais a morosidade na resolução das ações trabalhistas no País. Mais da metade dos tribunais teve de fechar as portas mais cedo, às 14 horas, para economizar com água, luz e energia. Cerca de 5 mil empregados terceirizados e estagiários foram demitidos. A seguir, os principais trechos da entrevista.
Como o sr. recebe as críticas de que a Justiça do Trabalho protege demais o trabalhador?
Qualquer crítica que se faça, temos de refletir sobre ela. Não posso, ao ser criticado, dizer que a crítica é injusta, que não ajo assim. Sempre que um neném chora, ou está com fome, sujo, ou está com cólica. Se há tanta reclamação no setor patronal, alguma coisa está acontecendo. Não podemos, como Justiça do Trabalho, fechar os olhos para as críticas.
Elas são procedentes?
Em relação às soluções da Justiça do Trabalho, será que não estamos sendo protecionistas demais?
Será que a balança não está pesando demais para um lado? O grande desafio para um juiz trabalhista é aplicar imparcialmente uma lei que é parcial. A lei é protetiva do trabalhador. Agora, a Justiça tem de ser imparcial. A Justiça está lá com a venda nos olhos. Ela não pode levantar a venda e dizer: ‘Deixa eu dar uma ajudazinha neste porque acho que ele está mais desprotegido’. Não podemos ser refratários às críticas. Temos de recebê-las e ver se realmente não está havendo um desbalanceamento na hora das decisões trabalhistas. A CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas) diz que, nas decisões, é preciso se atentar para dar o justo salário ao trabalhador e a justa retribuição à empresa. Não posso estar sempre tendendo para um lado. Essa tem sido a reclamação que temos ouvido. Quando vou pedir dinheiro no Parlamento para conseguir melhora do nosso orçamento, tenho ouvido muito essa reclamação.
A Justiça do Trabalho tem uma taxa das causas que foram ganhas pelos trabalhadores e das que as empresas venceram?
O que eu sei é que a taxa de improcedência total é muito baixa. Sempre que o trabalhador entra na Justiça, ganha alguma coisa. Na pior das hipóteses, consegue um acordo. Às vezes, ele não tem razão nenhuma, mas só de o empregador pensar que vai ter de enfrentar um processo longo, que vai ter de depositar dinheiro para recorrer, acaba fazendo um acordo quando o valor não é muito alto. Isso acaba estimulando mais ações.
Essa sua recepção às críticas e a conclusão de que é preciso analisar todo o processo para ver o que está acontecendo é de toda a Justiça do Trabalho?
Eu espero. Estou fazendo minha parte e espero que meus colegas façam o mesmo. Não podemos, absolutamente, ser refratários às críticas. Uma pessoa que é refratária à crítica nunca evolui.
O número de processos nas varas trabalhistas deve bater recorde este ano. O que explica esse aumento?
A projeção para este ano é de mais 3 milhões de ações trabalhistas (em 2015, foram 2,66 milhões). Infelizmente, a Justiça do Trabalho ainda é a Justiça do desempregado. Quando o empregado é despedido, aí é que ele entra com ação, ou espontaneamente ou porque um sindicato ou colega o orienta. Com o aumento dos desempregados, é natural que haja um aumento substancial do número de reclamações.
A consequência desse aumento é também a demora ainda maior na decisão das ações que correm na Justiça do Trabalho?
Às vezes, eu me sinto pregando no deserto. Nós devíamos simplificar o processo, fazer com que tivesse menos recursos, que as instâncias fossem percorridas com mais rapidez. Mas as novidades do novo CPC (Código de Processo Civil) acabaram fazendo uma espécie de pingue-pongue: o processo sobe, desce, você tem uma série de novas oportunidades para se chegar ao mérito. Aquilo que antes se resolvia por perda de prazo ou porque o processo não estava corretamente instruído, agora pode ser consertado. O processo só vai demorando ainda mais para andar. A Justiça tem muito mais ações, mas o número de juízes do Trabalho é o mesmo: pouco mais de 4 mil. Não temos condições de atender a todas as reclamações, fazendo as audiências com rapidez.
O corte no orçamento da Justiça do Trabalho neste ano também contribuiu para aumentar a morosidade?
Sim. Houve esse corte substancial do orçamento da Justiça do Trabalho, o que fez com que vários tribunais tivessem de fechar o expediente mais cedo para gastar menos água, luz, telefone. Se você fecha mais cedo, tem menos tempo para as audiências. Uma vara que poderia ter oito audiências, acaba tendo cinco. O que fazemos com as outras três? Jogamos lá para frente. Chega uma hora em que o prazo que seria de seis meses para ter um primeiro approach do processo aumenta para um ano e meio.
Como está a situação dos tribunais regionais?
Mais da metade dos tribunais teve de reduzir substancialmente o horário. Atrasou as pautas de julgamento em torno de um ano. Todos tiveram de fazer ajustes. Imagina que em Cuiabá, cidade quentíssima, onde o normal é fazer 40 graus à sombra, tivemos de cortar o ar-condicionado. Alguns tribunais fecham as portas às quatro da tarde; outros, às duas da tarde. Tivemos de cortar garçom da presidência, despedir 2,5 mil terceirizados e 2,5 mil estagiários.
Trabalhadores com ações na Justiça são os mais prejudicados?
Sim. Significa que hoje um processo que poderia levar cinco anos ou até dez para ser solucionado, pode passar para 12 anos, 15 anos. É triste a gente ver muito processo trabalhista que as partes são a empresa tal contra espólio de fulano de tal. Quer dizer que são os filhos do trabalhador que vão receber o que ele tinha direito. A crítica mais comum nas nossas ouvidorias está relacionada à demora em julgar os processos.
O Banco Nacional de Devedores Trabalhistas (BNDT), espécie de “SPC da empresa com dívida trabalhista”, não tem tido êxito?
Isso serve para assustar. Muita empresa que, para não estar neste banco, porque não pode participar de licitação pública, acaba pagando. Só que nem todas as empresas disputam licitações públicas. Aliás, a maioria não disputa. A rigor, tem um efeito limitado, de fazer com que a empresa cumpra as decisões trabalhistas para não mostrar que está devendo. Mas tem muita empresa que está quebrada. Não adianta, você vai atrás do patrimônio do sócio e não encontra.
O dado mais atual que me lembro estava perto de quase 70% a taxa de congestionamento da execução trabalhista. Significa que só por volta de 30% dos trabalhadores, ao ganhar o processo, vão receber no mesmo ano. Significa que pode ser que ele fique anos para receber o que a Justiça reconheceu que tem direito. Mas a Justiça não encontra bens, não encontra mais a empresa, porque quebrou.

Fonte: O Estado de São Paulo, por Murilo Rodrigues Alves, 29.10.2016

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