segunda-feira, 15 de agosto de 2016

Revolta sobre a “cláusula de não-concorrência”.

Em 2013, Ed Pileggi trocou um cargo de engenheiro de software em San Diego por uma lucrativa posição na área de consultoria junto à Hawaiian Airlines em Honolulu. Com a nova oportunidade veio um salário maior e a chance de desenvolvimento profissional.
O que Pileggi não percebeu foi que, ao assinar o contrato com a agência terceirizada de alocação de pessoal que lhe garantiu o emprego, ele havia concordado com uma “cláusula de não-concorrência” que efetivamente o proibiu de assumir qualquer outro trabalho de desenvolvimento de softwares no Havaí. A cláusula valia não só para a duração do contrato, mas por até um ano após seu término.
Essa cláusula pouco significava para ele enquanto ex-morador da Califórnia, onde as cláusulas de não-concorrência não são reconhecidas pelas leis estaduais. “Assinei o contrato vindo da Califórnia e não pensei duas vezes”, explica Pileggi.
Sua experiência reflete uma discussão mais ampla sobre as leis trabalhistas que se encontra em andamento nas legislações estaduais nos Estados Unidos, onde os interesses corporativos e os lobistas do setor empresarial se enfrentam.
Segundo um relatório da Casa Branca, quase um quinto dos trabalhadores americanos estão amarrados por acordos de não-concorrência – o que significa que as cláusulas estão previstas em seus contratos de trabalho ou eles continuam amarrados a elas pós deixarem seus empregos. A aplicabilidade varia de região para região, mas 47 dos 50 estados americanos permitem os acordos de não-concorrência.
Em Massachusetts, um grupo de funcionários da companhia de tecnologia EMC reuniram-se em um sindicato formado para eliminar os acordos de não-concorrência em seus contratos de emprego. Sob o nome Earn-Tee, o grupo espera tirar vantagem de um planejado takeover pela Dell para chamar atenção para a sua causa.
Aqueles em Massachusetts que são contra os acordos de não-concorrência afirmam que as cláusulas impedem o Estado de obter a inovação tecnológica e o ambiente competitivo do Vale do Silício.
“A livre circulação de talentos é igual à livre circulação de ideias”, afirma Ari Glantz, da New England Venture Capital Association, que faz lobby pela reforma. “A inovação depende dessa mobilidade de informação e capacidade cerebral.” O Estado está tentando resolver essas preocupações, mas qualquer ação sobre uma reforma final da legislação foi adiada até o ano que vem.
Quanto a Pileggi, ele só foi perceber que sua cláusula de não-concorrência podia ser imposta quando ele começou a pensar em seus movimentos seguintes e em cortar seus laços com a agência. A SCube, agência de empregos de Michigan por meio da qual ele conseguiu o emprego na Hawaiian Airlines, havia imposto um amplo acordo de não-concorrência em seu contrato que incluía trabalhar para clientes – e até mesmo para clientes de clientes.
Sreenivas Oruganti, dono da SCube, diz que as cláusulas de não-concorrência são cruciais para pequenos negócios como o seu. “Gasto tempo, dinheiro e recursos desenvolvendo relações com os clientes… Recuperar isso leva tempo para nós.”
Mas para Pileggi, a cláusula o deixou com opções limitadas. “Há pouquíssimos empregos na área de tecnologia da informação no Havaí. Se você quiser deixar seu emprego, terá de se mudar para o continente.”
Em vez disso, ele se uniu a um colega consultor, Jeff Hong, que com um grupo maior de trabalhadores estava fazendo lobby por uma reforma das leis havaianas que preveem a aplicação das cláusulas de não-concorrência. Juntos, eles conseguiram aprovar um projeto de lei em 2015 que criou a isenção para os trabalhadores da área de TI.
Os advogados trabalhistas estão divididos em relação ao problema das cláusulas de não-concorrência. Por um lado, os acordos podem proteger os segredos industriais de uma companhia. Por outro, eles sufocam o fluxo de talentos, prejudicando a inovação e transferindo poder de barganha para o empregador.
“Se eles são executáveis ou não nem é a questão, porque só o custo de chegar a essa resposta pode ser proibitivo para qualquer um que tenha um salário baixo ou mesmo mediano”, afirma Douglas Wigdor, um advogado trabalhista e sócio da Wigdor LLP.
Wigdor chama atenção para outras práticas, como os acordos de não-solicitação e a “licença jardinagem” – em que os funcionários param de trabalhar mas continuam recebendo -, que poderiam ser usados no lugar.
O uso de acordos de não-concorrência foi ampliado para além dos contratos para trabalhadores e executivos altamente capacitados do setor de tecnologia. A Casa Branca informa que 14% das pessoas que ganham menos de US$ 40.000 estão sujeitas a acordos de não-concorrência. Trabalhadores da área de “fast food”, consultores de acampamento e trabalhadores de salões de beleza estão entre o que demonstram preocupação.
Em junho, Eric Schneirderman, o procurador-geral do Estado de Nova York, resolveu um caso com a rede de lanchonetes Jimmy John’s, classificando os acordos de não concorrência para os trabalhadores de baixos salários de “injustos”. A companhia vinha incluindo a cláusula de não-concorrência nos documentos de contratação enviados para os franqueados.
Enquanto isso, no Havaí, a proibição às cláusulas de não-concorrência para os trabalhadores do setor de tecnologia está ganhando terreno. “As pessoas estão mais conscientes de seus direitos”, diz Pileggi sobre os colegas de seu setor.
No Brasil, cláusula é mais usada para o alto escalão
Apesar de não serem previstas pela legislação trabalhista, no Brasil as cláusulas de não-concorrência têm sido usadas com cada vez mais frequência em contratos de trabalho de executivos do alto escalão. Pela jurisprudência existente, sua validade só é reconhecida se for estipulado o pagamento de uma indenização ao profissional.
O objetivo é proteger informações confidenciais e estratégicas da companhia, aos quais esses profissionais têm acesso. Segundo Rodrigo Luís Shiromoto, da área trabalhista do Lobo & de Rizzo Advogados, o contrato precisa detalhar a limitação territorial e o período da restrição, que varia entre 12 e 36 meses. Também é necessário deixar claro o que exatamente configura os concorrentes – algumas empresas limitam a atuação no setor inteiro e outras listam companhias específicas.
Mais importante, no entanto, é determinar o valor da indenização a ser paga para o profissional no período. O valor é negociado com o executivo, e vai de 50% a até 100% da remuneração. “Nessa hora é preciso bom senso do empregador. Quanto maior for restrição, mais é preciso indenizar de forma compatível”, diz Shiromoto.
O sócio-diretor da empresa de recrutamento executivo Exec, André Freire, diz que há casos de companhias que incluem cláusulas de não-concorrência em contratos com executivos sem estipular uma indenização caso o profissional faça a movimentação. A exigência não tem validade na Justiça, mas acaba funcionando como um “acordo de cavalheiros” entre a empresa e o profissional. “É uma obrigação mais ética ou moral do executivo”, diz Freire.

Fonte: Valor Econômico, por Aimee Keane e Letícia Arcoverde, 15.08.2016

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