Recorde de empresas fechando as portas, maior número de desempregados em quatro anos e o empresariado com o pé no freio diante da economia em recessão. Equalizar os fatores que têm atemorizado o mercado brasileiro pode passar pela flexibilização das relações de trabalho. Especialistas em recursos humanos e as próprias empresas sediadas no País apostam em arranjos mais maleáveis, principalmente de jornada, para ajudar a “fechar a conta”. As mudanças, no entanto, devem ser amplamente discutidas para garantir, sobretudo, o direito do trabalhador.
Uma pesquisa realizada pelo Núcleo de Estudos em Recursos Humanos e Relações de Trabalho (Nerhurt) da PUC Minas, em parceria com a Fundação Dom Cabral (FDC) e apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), mostrou que mais da metade dos empresários consultados concorda total ou parcialmente que as companhias devam adotar arranjos de trabalho que sejam mais flexíveis para melhorar a produtividade e a qualidade de vida do trabalhador. Por outro lado, ainda há um receio sobre o passivo trabalhista que esse tipo de flexibilização poderia gerar à empresa.
Na avaliação de Juliana Andrade, professora associada da FDC, sócia da Aptta – Soluções em Carreiras Femininas, a mudança de postura e os reajustes nas relações trabalhistas podem auxiliar, principalmente, na desafiadora tarefa de conciliar as vidas profissional e pessoal. “A flexibilização pode ser em termos de contrato de trabalho, de vínculo, em termos de jornada. É uma questão que tem vários vieses. Mas o que percebemos é que talvez ela seja necessária, principalmente, para garantir mais qualidade de vida, compatibilizar melhor trabalho e família”, afirma.
Na opinião dela, as organizações brasileiras não têm conseguido acompanhar, com as estruturas e os processos, mas principalmente em termos de contrato de trabalho, a demanda do indivíduo contemporâneo.
O plano de governo do presidente interino Michel Temer prevê uma polêmica reforma trabalhista. O objetivo é flexibilizar a Consolidação das Leis de Trabalho (CLT), a partir, principalmente, de acordos coletivos, de forma a aumentar a produtividade da economia e reduzir os custos dos empresários. A proposta restringe as negociações coletivas à redução de jornada e de salários, ficando de fora dos acordos normas relativas à segurança e à saúde do trabalhador.
Na avaliação da juíza do trabalho Maria Raquel Ferraz Zagari Valentim, titular na 5ª Vara do Trabalho de Juiz de Fora, na Zona da Mata, a flexibilização deve estar associada à atuação dos sindicatos. “Dificilmente enxergo, no Brasil, um cenário em que o trabalhador saia ganhando. Uma coisa é flexibilizar em países com sindicatos bem estruturados, outra é em um país onde o imposto sindical é obrigatório. Existem questões positivas, mas muito pontuais”, argumenta.
A pesquisa realizada pela PUC Minas em parceria com a FDC e o CNPq mostrou ainda que 76,8% dos entrevistados apontaram a “maior satisfação com o trabalho” como principal ponto positivo dos arranjos flexíveis. Já a marginalização do profissional que opta por essa modalidade de trabalho e a percepção de baixo comprometimento dos profissionais apareceram como as duas principais razões negativas apresentadas pelas empresas consultadas, com 30,5% e 25,1%, respectivamente das opiniões.
O ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, disse que a proposta de flexibilização da CLT irá respeitar a Constituição e será amplamente discutida com os trabalhadores. Segundo ele, a reforma trabalhista será aprovada, sem polêmica, até o fim deste ano. “A construção será elaborada com a participação do trabalhador. Temos como inimigo comum o desemprego. Precisamos oferecer ao mercado um contrato que traga segurança e não fique sujeito a interpretações subjetivas”, afirmou, durante evento em São Paulo.
Da forma como é proposta a reforma, FGTS, férias, previdência social, 13º salário e licença-maternidade, entre outros direitos, continuarão existindo obrigatoriamente, mas serão flexibilizados. Ou seja, as partes envolvidas, empregadores e sindicatos da categoria, poderão negociar, por exemplo, o parcelamento do 13º e a redução do intervalo de almoço de uma para meia hora, com alguma contrapartida para os empregados. A proposta inclui ainda um projeto de lei que trata da terceirização. O texto aprovado pela Câmara dos Deputados e enviado ao Senado prevê a contratação de trabalhadores terceirizados nas chamadas atividades-fim das empresas, o que hoje não é permitido.
Fonte: Diário do Comércio, por Patrícia Santos Dumont, 11.08.2016
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