A complexidade das leis trabalhistas brasileiras acaba levando para a Justiça do Trabalho negociações que deveriam ser feitas entre trabalhadores e empresas, apontaram os palestrantes José Márcio Camargo e José Pastore. Diante da possibilidade de negociar valores menores na hora da demissão, a lei acaba desestimulando o pagamento dos direitos trabalhistas por um lado e, por outro lado, os investimentos no treinamento de trabalhadores.
Para José Márcio Camargo, os contratos de trabalho “são falsos” e as condições que acabam valendo para os trabalhadores são aquelas negociadas no âmbito da Justiça do Trabalho, após as demissões, e não o que está previsto na legislação. Assim, disse ele, no debate atual sobre “negociado versus legislado” — ou seja, entre o que é definido em negociações entre trabalhadores e empresas e o que está estabelecido pela lei — o que vale já é o negociado.
A proposta de flexibilização da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) em debate pelo governo interino deve fortalecer a negociação coletiva entre sindicatos de trabalhadores e empregadores, como já informado pelo ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira.
— Na verdade o que vale hoje é o negociado, por incrível que pareça. (…) Os contratos são completamente falsos, não servem para nada e geram um enorme incentivo errado. Por que o empresário vai pagar os direitos trabalhistas se sabe que pode negociar na hora que demite o trabalhador? Por isso há tanta informalidade — afirmou Camargo.
Para além do incentivo ao adiamento do pagamento dos direitos trabalhistas, o professor da PUC-Rio apontou os estímulos à rotatividade — seja sob o ponto de vista do trabalhador, que busca receber seus direitos, ou pelos empregadores, que enxergam na rotatividade uma alternativa para reduções dos salários. Com a perspectiva dessa rotatividade, os empresários também tendem a investir pouco em treinamento de seus funcionários, o que afeta a produtividade.
— Numa negociação na Justiça, um juiz afirmou certa vez que era melhor um mau acordo que uma boa briga. O incentivo para o empresário é não pagar. E, para o trabalhador, é querer ser demitido para receber o que não é pago. Há um incentivo para a rotatividade — destacou Camargo.
USO DA ARBITRAGEM
Uma das críticas em relação à Justiça do Trabalho é a criação de leis através das súmulas, que reúnem uma série de decisões no mesmo sentido. Na avaliação de José Pastore, professor da USP, a função da Justiça deveria se concentrar no cumprimento da lei, como verificar se há pagamentos devidos que se desviam da legislação, por exemplo. No caso da Justiça brasileira há muitas peculiaridades e suas decisões se estendem para além dos “conflitos de direito”. Ele citou, por exemplo, decisões da Justiça trabalhista sobre programas de participação de trabalhadores no lucro das empresas, que foram criados para estimular a produtividade.
— Essas peculiaridades da Justiça é que fazem com que o Poder Judiciário brasileiro na área trabalhista seja exagerado, extrapolando aquilo que normalmente acontece — disse o professor da USP.
Pastore defende o uso das câmaras de arbitragem para causas trabalhistas, o que permitiria “desafogar a Justiça trabalhista”, segundo ele. A arbitragem é uma alternativa para a solução de conflitos fora do âmbito da Justiça, com a mediação de uma terceira pessoa e desde que isso seja acordado previamente entre as partes. No ano passado, o uso da arbitragem na área trabalhista foi aprovado tanto pela Câmara dos Deputados quanto pelo Senado, mas a proposta acabou sendo vetada pelo então presidente em exercício, Michel Temer.
Fonte: O Globo, 28.07.2016
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