A dinâmica do mercado de trabalho e a tecnologia aliada ao meio de transporte cada vez mais prático e rápido fez emergir, já há algum tempo, a situação de inúmeros profissionais que moram em uma cidade e trabalham em outra.
Paralelamente há também casos de profissionais que nem moram e tampouco trabalham em cidades fixas, ou seja, sua residência e seu local de trabalho dependem da necessidade de seus clientes, tendo que transpor cidades e Estados para exercer sua atividade profissional, seja em função de consultoria, auditoria, auxílios técnicos em equipamentos específicos, representações, enfim, atividades que exigem viagem a serviço e não raramente o empregado acaba pernoitando em hotéis.
Como não há norma específica que estabeleça quando deve começar ou quando deve terminar o cômputo da jornada em tais situações, as empresas ficam em dúvida se deve ou não pagar horas extras para os empregados nestes casos, já que em determinado momento o empregado pode estar à disposição do empregador e em outros, o empregado simplesmente está desfrutando o seu descanso semanal, ainda que fora de sua residência ou de sua cidade.
Num primeiro momento, há basicamente duas situações que devem ser observadas e a legislação estabelece claramente se este tempo deve ou não ser considerado. Estas duas situações podem ser extraídas do entendimento do art. 62 da CLT, o qual estabelece se o empregado poderá ou não ter direito a horas extras em razão de ter ou não controle de jornada de trabalho.
Assim, para os empregados que exercem atividades externas incompatíveis com a fixação de jornada de trabalho ou que exerçam cargos de confiança, conforme estabelece o dispositivo acima mencionado, não há que se falar em horas extras o trabalho realizado além do horário normal ou comercial realizado pela empresa.
Isto porque nestes casos o empregado possui liberdade no exercício de seu trabalho, ou seja, como não há controle de jornada por parte do empregador, em determinado dia ele pode simplesmente visitar um cliente na parte de amanhã e permanecer à tarde toda livre (podendo até desfrutar de um lazer quando deveria estar em horário de trabalho), sem que isso configure faltas ao trabalho, e em determinado momento ele pode ficar bem depois do horário normal de expediente para atender um cliente que só poderá tratar de negócios depois de um jantar, por exemplo, sem que isso configure horas extras.
O “calcanhar de Aquiles” está justamente na segunda situação, ou seja, quando o empregado tem fixação de horário de trabalho e o empregador exerce, de alguma forma, o controle da jornada, seja por meio de ponto eletrônico, papeleta, ficha de trabalho externo, senha eletrônica por acesso em sistema próprio ou de qualquer outro meio que possa comprovar o início e término da jornada de trabalho do empregado.
Neste caso, conforme dispõe o art. 4º da CLT, consideram-se como serviço efetivo os lapsos temporais em que o empregado está aguardando ou executando ordens do empregador, portanto, à sua disposição.
Aí é que reside a grande dúvida das empresas, pois a grande maioria entende que quando o empregado está em viagem a serviço e precisa permanecer em outra cidade durante a semana ou nos finais de semana, o período de descanso não significa tempo à disposição da empresa.
É de conhecimento geral que a legislação trabalhista prevê que o empregado tem direito ao descanso semanal remunerado, mas não estabelece onde (local) o descanso deve ocorrer, o que se subentende que ainda que o empregado usufrua seu descanso semanal em local diverso daquele onde mantém sua residência, não sugere o entendimento de que o mesmo está à disposição do empregador.
Assim, ainda que haja o controle de jornada do empregado nos casos de viagens a serviço e, havendo a necessidade de o empregado pernoitar na cidade onde o serviço está sendo prestado, o período de descanso não deve ser considerado como tempo à disposição do empregador e, portanto, não deve ser considerado como jornada extraordinária.
Por outro lado, outra dúvida paira sobre o tempo de deslocamento que o empregado gasta para se chegar à cidade onde irá prestar o serviço. Neste diapasão, há entendimentos jurisprudenciais distintos, onde só o caso concreto poderá indicar ou não tempo à disposição do empregador.
É o caso, por exemplo, do empregado que mora numa cidade e trabalha em outra e despende duas horas para se chegar ao local de trabalho, seja por transporte próprio ou por transporte coletivo. Neste caso, não há que se falar em horas extras, pois como já mencionado no preâmbulo deste tema, cada vez mais se visualiza estas situações nas mais diversas capitais e centros industriais espalhados pelo país.
Diverso pode ser o entendimento no caso do empregado que é convocado para atender um cliente específico e que necessita pegar um voo uma hora antes do início de sua jornada normal de trabalho e assim chegar até a cidade onde será prestado o serviço. Ainda que o empregado tenha gasto uma hora a menos do que mencionado no parágrafo anterior, a Justiça do Trabalho pode entender que, neste caso, o empregado terá direito a hora extra, isto porque o mesmo estava à disposição do empregador e, portanto, deve-se computar esta hora como trabalho efetivo.
Como diante de situações idênticas (em relação ao tempo despendido) ora devo pagar e ora não? Como posso cumprir a legislação se há entendimentos diversos para casos semelhantes?
Possivelmente sejam estes alguns dos principais questionamentos das empresas em relação a esta situação. No entanto, podemos concluir que, embora sejam situações perecidas, há uma distinção bastante acentuada que é o pacto contratual, ou seja, o que foi previamente acordado entre as partes.
No primeiro exemplo, onde não há obrigação do pagamento, o empregado já sabia que despenderia de duas horas para chegar ao trabalho e concordou previamente, não havendo qualquer imposição por parte do empregador. No segundo exemplo, há uma obrigação diversa da que foi previamente acordada e que foi gerada por interesse próprio da empresa, ao estabelecer que o empregado iniciasse sua jornada (em viagem) uma hora antes de sua jornada normal.
Poderíamos sintetizar que o tempo gasto de viagem para o trabalho é diferente do tempo gasto de viagem em razão do trabalho, ou seja, tempo que o empregado está à disposição do empregador e assim o faz por exigência de sua função e por determinação da empresa.
Não obstante, há que se atentar para os acordos e convenções coletivas de trabalho que podem estabelecer critérios específicos para estas situações, onde para determinada função ou determinada condição de atividade laboral realizada em viagem ou pernoite, as horas deverão ser computadas na jornada normal e havendo prorrogação, deverão ser pagas como extraordinárias.
(*) Sergio Ferreira Pantaleão é Advogado, Administrador, responsável técnico pelo Guia Trabalhista e autor de obras na área trabalhista e Previdenciária.
Fonte: Boletim Guia Trabalhista, por Sergio Ferreira Pantaleão (*), 24.08.2016
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