De milhares a milhões, as condenações de dano moral coletivo por supostas infrações à legislação trabalhista parecem não ter limites. Basta uma simples busca na internet e vemos notícias sobre punições do Tribunal Superior do Trabalho (TST) com valores como R$ 200 milhões, R$ 50 milhões, R$ 20 milhões, R$ 9 milhões e vários outros.
Motivos alegados para sua aplicação não faltam: trabalhadores que fizeram mais de duas horas extras no dia, empregados levados a vender dez dias de férias, demissão de uma pessoa com deficiência, contratação de número de aprendizes menor que o determinado pela inspeção do trabalho, condições de alojamento, transporte e alimentação, entrega de equipamento de proteção individual (EPI) etc.
Além das multas milionárias, as condenações geram, ainda, prejuízo na imagem da empresa com reflexo em sua reputação e impacto potencializado em virtude do cenário de crise.
Pela ausência de uma legislação que regule o dano moral coletivo trabalhista, observa-se que a medida vem sendo praticada sem um critério definido, perdendo as características de sua própria natureza. Assim, o dano moral coletivo e a multa judicial por infração se somam às penas previstas na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), portanto, cada caso passa a ter um tripla penalização.
Por isso, abrimos o debate sobre: cabe o dano moral coletivo no direito do trabalho como vem sendo aplicado?
No nosso entendimento o uso deste mecanismo deve ser limitado em respeito à Constituição Federal. A partir desta constatação, elencamos cinco hipóteses que podem sustentar a tese de que parte dos casos de condenação por dano moral coletivo poderiam ser invalidados.
A primeira tese é a de que é inconstitucional a criação pelo Judiciário do dano moral coletivo como modalidade de dano punitivo por violação da reserva de lei em matéria do direito sancionador.
O dano moral individual tem seu fundamento na obrigação de reparar ou compensar pelo dano extrapatrimonial sofrido por alguém. Alguns entendem que há, no dano moral individual, também um aspecto sancionador ou punitivo, porém ele se apresenta com um caráter secundário que é subordinado ao aspecto reparatório.
A situação é diversa quando se trata de dano moral coletivo, que não há qualquer aspecto compensatório ou reparador e a medida se concentra unicamente em seu efeito punitivo em face de uma violação antijurídica. Portanto, não existe, no atual sistema político brasileiro, a condição ideal para adoção do dano moral coletivo de natureza punitiva, como vem sendo adotado.
A segunda hipótese é a proibição do bis in idem em face do dano moral coletivo e do sistema de penas administrativas do direito do trabalho.
Não obstante a ausência de lei específica que permita o direito sancionador através do dano moral coletivo, destaca-se que o dano moral no âmbito do direito do trabalho se apresenta como sanção repetida e cumulada por uma única infração. Ou seja, imposição de duas condenações, em processos diferentes, por uma mesma conduta ilícita.
Caracteriza-se, desta forma, o bis in idem, que não é permitido pelo direito sancionador. A dupla penalidade pelo mesmo fato gerador ocorre, pois o dano moral coletivo se aplica à situação já prevista no sistema de multas administrativas presente na CLT, que é fiscalizada e executada pelo poder executivo.
São duas sanções pecuniárias aplicadas por órgãos diversos, mas que têm a mesma hipótese de incidência, o mesmo efeito e a mesma natureza.
Outra tese que poderia invalidar o que hoje é visto pela jurisprudência como dano moral coletivo é o fato de que ele somente pode ser admitido em hipóteses excepcionais, que afetem direitos indisponíveis ou envolvam má-fé ou fraude.
A quarta tese é a impossibilidade de se aplicar o dano moral coletivo na hipótese de tutela de interesses/ direitos coletivos ou difusos com efeitos transcendentes.
Ainda que superados os três itens anteriores, o dano moral coletivo não poderia ser aplicado no caso da tutela de interesses/direitos coletivos ou difusos com efeitos transcendentes, pois somente seria permitido se os efeitos forem socialmente homogêneos.
O efeito socialmente homogêneo se caracteriza quando o interesse que o autor demanda como tendo sido violado seja compartilhado com toda a sociedade. Diferentemente do efeito transcendente, que se revela pela contraposição dos interesses, ou seja, aquilo que interessa a alguém pode reduzir, contrariar ou prejudicar o interesse de outros. Todos são interesses legítimos, mas estão em tensão dentro da sociedade.
Para finalizar temos a impossibilidade de se aplicar o dano moral coletivo pelo simples fato de a empresa ter defendido posição diversa em juízo e perdido, pois violaria o acesso à justiça e ao direito de ação.
Conclui-se, portanto, que dano moral coletivo também tem os seus limites, caso contrário, torna-se injusto e inconstitucional. Cumpre ainda mencionar que, além do dano moral coletivo, muitas vezes as decisões judiciais trazem novas penalidades para eventual descumprimento das normas trabalhistas. Sabendo que já existe um sistema de multas administrativas previstas na CLT, estas penalidades, criadas através de decisão judicial, também se sujeitam aos argumentos que adotamos sobre o dano moral coletivo. Dessa forma, temos a expectativa de que o Poder Legislativo ou o possam dar os limites adequados.
(*) Adauto Duarte é advogado especialista em relações trabalhistas.
Fonte: Valor Econômico, por Adauto Duarte, 03.08.2016
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