Quando se fala em dependência química, os programas adotados pelas empresas não se restringem a olhar para os dependentes.
Na abordagem moderna do problema, a prevenção ocupa um espaço-chave, dentro de uma estratégia de orientação, prevenção e controle.
Motivados pela expansão contínua do uso de substâncias e pela falta de resultados das políticas de repressão, os especialistas recomendam olhar para todo o universo da empresa. E não apenas para usuários pesados.
Na implantação dos programas, deve se considerar os diferentes padrões de consumo: quem usa, quem abusa e quem é dependente.
Ação permanente
Hoje, está bem estabelecido que programas de prevenção que funcionam são os de educação continuada, como o adotado pelo Proad, em São Paulo.
O serviço mantido pelo Departamento de Psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) se tornou referência entre os centros de orientação e tratamento do país.
As atividades executadas pelo Proad prevêem também consultoria para escolas e empresas.
“Oferecemos educação continuada aos profissionais sobre como lidar com a questão do uso de substâncias”, disse o psiquiatra e pesquisador Thiago Fidalgo, coordenador do setor de adultos do Proad.
Visão sistêmica
Entre as experiências em curso no Brasil, o Sesi/RS tem um dos programas mais antigos e difundidos, implantado em grandes e pequenas empresas.
Criado em 1995 em convênio com a ONU, o Projeto de Prevenção de Uso de Drogas no Trabalho e na Família trabalha com uma equipe multidisciplinar e cobre a totalidade dos funcionários de uma empresa.
Antes de propor ações diretas, os consultores fazem o levantamento de vários indicadores para avaliar o contexto e o clima organizacional.
Uma das bases da metodologia está em transformar alguns funcionários em agentes do programa para difundir a tomada de posição da empresa em relação às drogas.
Orientado por uma equipe multidisciplinar, o multiplicador ganha maior poder de convencimento do que os profissionais de saúde, tanto em relação à prevenção quanto a apoiar o dependente.
Outras medidas estratégicas do programa do Sesi/RS incluem o treinamento especial para os gestores aprenderem a lidar com suas equipes, o envolvimento da família nas atividades e assessoria para a empresa formular uma política em relação ao problema.
Além de aumentar a proximidade com o colaborador, essas iniciativas servem como um aval de que não haverá risco de demissão.
“O dono da empresa precisa estar atento à saúde e bem estar do funcionário”, ressalta a assistente social Angela Fick, especialista em prevenção ao uso de drogas no trabalho e uma das coordenadoras do programa.
Pela proposta, não se trata de benemerência. “Pensando em relação custo-benefício, sai mais barato orientar e tratar o funcionário do que demiti-lo”, disse a especialista.
O certo e o errado
Como essas experiência apontam, há um jeito certo e um jeito errado de tratar a dependência química na empresa.
O que se faz de errado
>> Não ter uma política de prevenção e uso de drogas
>> Deixar de aplicar a política da empresa, quando ela existe
>> Manter tolerância ao consumo de álcool e não tratá-lo como um problema.
>> Ter o programa e não oferecer alternativas e tratamento para quem aderir
>> Ser impositivo com a adesão ao programa
>> Não preparar o gestor direto do funcionário
>> Deixar tudo na mão de uma assistente social sobrecarregada
>> Criar um clima de exclusão em torno do funcionário.
>> Ameaçar de demissão
>> Fazer uso de teste toxicológico sem ter um programa que o justifique
>> Promover palestras muito focadas no tema
Como fazer certo
>> Trazer o assunto para dentro da empresa como uma iniciativa da alta direção
>> Formular uma política que mostre com clareza a posição da empresa e seja válida para todos os escalões
>> Prever na política como será feito o encaminhamento dos casos e a reinserção do funcionário reabilitado
>> Ter um plano de informação e educação dirigido a todos os funcionários
>> Capacitar os gestores e as equipes de RH e comunicação interna
>> Monitorar os fatores de risco, como as situações de conflito, stress excessivo, problemas familiares ou financeiros
>> Revisar a comunicação e abolir palavras estigmatizadoras, como viciado e drogado
>> Estabelecer um canal de acesso sigiloso para fortalecer a confiança no programa
>> Mais atividades e menos palestras – Envolver os funcionários em programas culturais, esportivos, sociais ou lúdicos proporciona convivência e alívio do stress
>> Ao abordar o assunto, adotar um tom de apoio e não de recriminação; entender o que está acontecendo e ver o que pode fazer
>> Fazer o assunto chegar na família, pois é quem vai reforçar a adesão se souber que há recursos para tratamento
>> Acompanhar todas as etapas do programa e dos casos em tratamento
>> Fazer trabalho articulado com a rede de saúde, grupos de autojuda e ONGs como AAA para contar com uma equipe multidisciplinar
>> Ressaltar o caráter voluntário da adesão ao programa e ao tratamento
Fonte: Diário do Comércio, por Inês Godinho, 02.08.2016
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