A negociação coletiva trabalhista consiste em um processo de diálogo social entre patrões e empregados, na busca de um consenso e da elaboração de normas coletivas para serem aplicadas nas relações individuais de trabalho, sendo considerada a melhor e mais legítima forma de solução de conflitos sociais nas relações de trabalho.
Nesse sentido, estabelece a Constituição Federal no artigo 7° e inciso XXVI, que:
“São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: (…) reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho”.
Como regra, o papel da negociação coletiva é buscar algo melhor para o trabalhador do que o existente na lei ou aquilo que ainda não foi regulado pelo Estado, pelo que, a negociação em pejus é exceção.
Autonomia privada coletiva das partes é o efeito da negociação concernente no reconhecimento, por parte do Estado, da prevalência da norma coletiva, fruto da negociação sobre as normas estatais, porque se parte do princípio de que as normas resultantes da negociação coletiva são mais democráticas e têm mais condições de atender especificamente os reclames de seus destinatários, uma vez que elaboradas por eles próprios.
Mas é certo que a negociação coletiva, não obstante a sua importância e a autonomia privada coletiva das partes, encontra limites nas normas de ordem pública, porque são estas inderrogáveis ao talante das partes ou de quem quer seja, diante do conteúdo que visam proteger, qual seja, o interesse público.
Nesse sentido é a jurisprudência sedimentada do TST, que reconhece, por exemplo, o limite mínimo de uma hora para refeição e descanso estabelecido no artigo 71 da CLT como norma de ordem pública, porque estabelecido com base médica-psicológica-psiquiátrica, como necessário para o trabalhador fazer uma adequada refeição, descansar e se recuperar do desgaste físico e mental da primeira parte da jornada e, assim, poder fazer a segunda, sem prejuízo para a sua saúde física e mental, conforme inciso II da Súmula 437, que invalida cláusula de acordo ou convenção coletiva de trabalho contemplando a supressão ou redução do intervalo intrajornada, infenso à negociação coletiva.
Assim, tudo que for diferente da lei, mais benéfico, poderá ser objeto de convenção ou acordo coletivo de trabalho, desde que não contrarie normas proibitivas estatais de ordem pública, isto porque os contratos de trabalho estão submetidos aos princípios da proteção e da indisponibilidade. Disso decorre que não podem as partes criar, por meio dos instrumentos coletivos de trabalho, condições inferiores ao previsto em normas de ordem pública, que asseguram um conteúdo mínimo obrigatório correspondente aos direitos humanos fundamentais, sem os quais há desrespeito ao princípio da dignidade humana, do valor social do trabalho e do pleno emprego.
É o que ocorre em relação às normas de segurança e medicina do trabalho, registro profissional, convenções e tratados internacionais que versem sobre direitos fundamentais. Já nas matérias indisponíveis relativamente, podem as partes dispor de forma diversa do que está na lei, como, por exemplo, a modalidade de pagamento de salário, a fixação da jornada de trabalho, o fornecimento ou não de utilidades e suas repercussões no contrato de trabalho.
Existem casos de flexibilidade autorizados na Constituição Federal, como a redução de salário em momento de crise econômica da empresa (artigo 7º, inciso VI), compensação de jornada de trabalho (artigo 7º, inciso XIII), negociação de jornada para o trabalho em regime de turno ininterrupto de revezamento (artigo 7°, XIV), trabalho em tempo parcial (artigo 58-A, CLT) e suspensão do contrato de trabalho para cursos profissionalizantes (artigo 476-A, CLT).
Portanto, como afirma Maurício Godinho, pelo princípio da adequação setorial negociada, as normas entabuladas entre patrões e empregados podem prevalecer em relação às normas estatais nos seguintes casos:
a) quando as normas autônomas implementam um padrão setorial de direitos superior ao padrão geral oriundo da legislação heterônima aplicável;
b) quando as normas autônomas transacionam setorialmente parcelas trabalhistas de indisponibilidade relativa (e não absoluta).
Quer dizer, a negociação coletiva é livre no sistema jurídico brasileiro no tocante aos direitos de indisponibilidade relativa, respeitadas as normas de ordem pública, de indisponibilidade absoluta, que são inderrogáveis ao talante das partes.
(*) Raimundo Simão de Melo é consultor jurídico e advogado. Procurador Regional do Trabalho aposentado. Doutor e Mestre em Direito das relações sociais pela PUC/SP.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, por Raimundo Simão de Melo (*), 22.01.2016
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