O número de acidentes e doenças de trabalho caiu em 2014 na comparação com 2013 no Brasil, segundo dados preliminares e inéditos repassados ao iG pelo Ministério da Previdência. Mas isso não é necessariamente bom, segundo quem acompanha o assunto. A maior parte do recuo ocorreu entre os casos que as empresas deixam de notificar ao governo, mas que acabam identificados por um sistema criado pelo INSS em 2007 para evitar fraudes.
Em 2014, a Previdência registrou 704 mil acidentes de trabalho, 3% a menos que em 2013. A queda entre os acidentes e adoecimentos não comunicados, mas posteriormente identificados pelo INSS, entretanto, foi bem maior: 10,4%. O tombo é o mais expressivo desde 2007, quando começou a funcionar o Nexo Técnico Epidemiológico (NTEP), criado para combater a subnotificação de acidentes e doenças de trabalho por parte dos empregadores.
A subnotificação é interessante por dois motivos: quando um trabalhador é afastado por um acidente de trabalho e precisa receber um benefício da Previdência – o auxílio-doença ou a aposentadoria por invalidez, por exemplo –, o governo pode ir à Justiça para cobrar o gasto de volta. Como o iG mostrou, uma força-criada será criada neste ano especialmente para esse fim. Além disso, os acidentes de trabalho registrados são levados em conta no cálculo de uma das contribuições pagas pelos empregadores à Previdência. Mais acidentes elevam essa contribuição e menos, diminuem.
Para evitar esses dribles, o INSS usa o Nexo Técnico Epidemiológico, também conhecido como nexo ou critério epidemiológico, e pode registrar um caso como acidente de trabalho mesmo que a empresa não o tenha comunicado.
O sistema cruza dados de enfermidades e atividades econômicas para determinar se a doença ou acidente que levou ao afastamento de empregado de suas atividades é decorrente do trabalho que ele desempenha. A avaliação é feita por um software do INSS, e a palavra final é dada pelo médico perito que avalia o trabalhador.
Depressão e lesões por esforço repetitivo
O nexo é especialmente útil para identificar casos de afastamentos por causa de depressão e outros transtornos psíquicos ou de lesões por esforço repetitivo (LER/Dort) causados pelo trabalho, segundo Maria Maeno, pesquisadora da Fundacentro, órgão do governo federal que produz estudos sobre a segurança do trabalho.
“A maior parte das empresas não reconhece transtornos psíquicos, mesmo quando é muito evidente. Lesões por esforços repetitivos são um poucos mais reconhecidas, mas mesmo assim existe uma subnotificação”, afirma a pesquisadora. “Só que esses dois grupos, quando eles vão para a Previdência, há chance de a Previdência decretar [que se trata de acidente de trabalho] pelo critério epidemiológico.”
Em 2009 – dois anos após o sistema entrar em vigor –, 27,2% dos acidentes de trabalho registrados pela Previdência foram identificados por meio do critério epidemiológico. Desde então, entretanto, esse percentual tem recuado. Em 2014, o último dado disponível, atingiu 20,6%, o menor da série histórica.
“Se existe uma diminuição, eu temo que haja algum problema interno dentro do INSS com a implementação desse critério epidemiológico”, afirma Maria Maeno, da Fundacentro. “Ou as condições de trabalho estão melhorando muito e rapidamente, o que não aconteceu em nenhum país, ou está havendo uma subnotificação e, principalmente, uma descaracterização maior [do nexo] por parte da perícia [que dá a palavra final em cada caso].”
A pesquisadora afirma que não houve mudança nas normas que tenha exigido dos médicos peritos um maior rigor no uso do critério epidemiológico para caracterizar doenças e acidentes como decorrentes do trabalho.
Presidente da Associação Nacional dos Médicos Peritos (ANMP), Francisco Alves nega orientações nesse sentido, e culpa o Sistema de Administração de Benefícios por Incapacidade (SABI), software da Previdência que permite o uso do critério epidemiológico, pela queda nos registros.
“Não há por parte da perícia médica nenhuma orientação no sentido de ter maior ou menor rigor com relação ao reconhecimento do nexo técnico”, diz Alves. “O desinvestimento do INSS na manutenção do sistema tem um papel fundamental nessa redução. Estamos denunciando isso desde 2014.”
Segundo Alves, desde 2012 o INSS não realiza as atualizações de rotina do SABI. Além disso, o sistema – afirma o presidente da ANMP –, não tem em sua base de dados todas as doenças reconhecidas pela medicina e, em muitos casos, informa dados destaualizados dos trabalhadores.
Por telefone, a assessoria de imprensa do INSS informou que o SABI tem permitido gerar “milhões de benefícios” da Previdência e que “um novo sistema está sendo gerado”. O Ministério da Previdência não comentou a redução nos registros de acidentes de trabalho não comunicados.
Mudança e desaceleração
Diretor de Políticas de Saúde e Segurança Ocupacional da pasta, Marco Antonio Gomes Pérez destaca que há uma tendência de redução no número global de acidentes de trabalho no País, e considera que essa queda não está relacionada a um aumento da subnotificação de acidentes.
“O subregistro sempre existiu. Não tem porque achar que está aumentando”, afirma Pérez, para quem uma das explicações para a queda global no número de acidentes é a redução da participação da indústria no emprego no País. Afinal, é mais arriscado trabalhar num alto-forno do que num escritório, por exemplo.
“Na última década o perfil de empregabilidade diminuiu radicalmente. Hoje o que tem mais emprego é serviços e comércio. Esse ramo da economia tem uma exposição a acidente de trabalho diferente.”
A desaceleração da economia é outro motivo para a queda no número de acidentes, destaca o diretor. “O que a gente acredita é que vai cair ainda mais de 2014 para 2015.”
Para Pablo Carneiro, especialista em políticas de indústria da Confederação Nacional da Indústria (CNI), a queda no número de acidentes em 2014 está mais relacionada à melhoria do ambiente de trabalho que vem sendo construída ao longo dos últimos anos do que com o esfriamento da economia.
“Basicamente de 2013 para 2014 a redução do número de empregos foi muito pequena. Não houve uma queda realmente grande. Na indústria, em torno de 1,5%”, afirma. “Para mim tem muito mais a ver com a tendência de queda [de acidentes] dos últimos anos do que com a redução da capacidade econômica.”
Carneiro acredita que a mesma explicação se aplica ao caso dos acidentes sem notificação, que, como visto, caíram mais de 10% (ante dos 3% do número total). “Eu prefiro ver o dado pelo copo meio cheio. Se você pegar os últimos anos todos também, todo ano teve tendência de queda. Tem tudo a ver com os próprios programas de prevenção das próprias empresas.”
Acidentes no trajeto aumentam
Os dados adiantados pela Previdência também indicam que os acidentes de trajeto – aqueles ocorridos entre o local de trabalho e a moradia do empregado – foram os únicos a subir em 2014, para 115.551, alta de 3% em relação a 2013. A evolução está em linha com a tendência de alta que tem sido observada desde 2007.
Para a CNI, essas ocorrências não deveriam ser usadas na contabilização do Fator Acidentário de Prevenção (FAP), um mecanismo que eleva ou diminui uma contribuição paga pelas empresas à Previdência de acordo com o número de acidentes que registram.
“Tirar da contabilidade do FAP, que tem a ver diretamente com a prevenção de acidente de trabalho das empresas, é uma medida extremamente necessária. Há uma distorção: apesar do número de acidentes típicos [dentro da empresa] terem caído, o acidente de trajeto tem subido, o que causa uma distorção e um prejuízo para as empresas que têm investido em segurança.”
Fonte: Brasil Econômico / IG – São Paulo, por Vitor Sorano.
Nenhum comentário:
Postar um comentário