A terceirização faz parte da economia brasileira há décadas e hoje atinge mais de 73% do nosso processo produtivo, segundo pesquisa da Confederação Nacional da Indústria (CNI). Esse dado abriga serviços básicos, como vigilância ou limpeza, e setores mais sensíveis e avançados das empresas, como tecnologia e acabamento de produtos manufaturados.
No emaranhado de processos de uma empresa moderna não há mais como separar atividades-meio e fim, a não ser em mesa de burocrata. O uso de mão de obra terceirizada no Brasil se aproxima do Japão (90%), dos Estados Unidos e da Europa (80%); a globalização da economia não admite mais a coexistência com práticas superadas de produção.
Na perspectiva laboral, estamos plenamente convictos de que não há outro caminho senão o de acompanhar os países mais avançados, caso queiramos disputar o mercado global. Qualquer outra estrada representa marcha à ré na história.
O mundo civilizado não espera mais pelos que estão na retaguarda, em razão da rapidez dos processos evolutivos. As transformações não se dão apenas na tela do computador ou do smartphone, mas no interior das fábricas, dos hospitais, dos centros de decisão do planeta. Olhar indiferente a esse processo é condenar-se ao atraso, assim como desconhecer as novas relações capital-trabalho é proceder como avestruz, a pior atitude de quem está no comando dos contingentes trabalhistas.
Mas é exatamente isso que fazem os inimigos da terceirização no Brasil, com ultrapassado viés ideológico, herança da mentalidade forjada no início da Revolução Industrial, a grande transformação na Europa dos séculos 18 e 19, que substituiu o trabalho artesanal pelo assalariado e pelo uso das máquinas.
No começo daquele processo, em 1811, surgiu o ludismo, na Inglaterra, violento movimento contra os avanços tecnológicos. Os trabalhadores protestavam contra a substituição da mão de obra humana pelo maquinário. Por isso invadiam fábricas e quebravam equipamentos que consideravam responsáveis pelo desemprego e pelas péssimas condições de trabalho. As jornadas na época eram de 18 horas, com exploração de mulheres e crianças. Criou-se ali, de parte a parte, o capitalismo selvagem.
Mas esse movimento durou apenas um ano e foi substituído pelo cartismo (da Carta de Londres). Movimento pacífico e mais político, este culminou, aliás, em eleições pelo sufrágio universal na Inglaterra. O ludismo perdeu, então, sua força com a organização dos primeiros sindicatos, as trade unions.
Os trabalhadores ingleses tiveram de se adaptar aos novos tempos, para acompanharem a evolução da economia. Descobriram que o futuro estava no modelo que haviam tentado eliminar. As relações capital-trabalho evoluíram no mundo e os acordos coletivos prevalecem hoje entre patrões e empregados. Claro, ainda há conflitos trabalhistas e não sabemos quando isso vai terminar.
O problema é que a mentalidade medieval do ludismo ainda permeia sociedades mais atrasadas, como a nossa. E lá se vão mais de dois séculos… Qualquer avanço ainda encontra sérios obstáculos.
Porém sempre se hão de encontrar novas formas de produção para abrigar todos os tipos de trabalhadores, de gente simples aos doutores mais qualificados. E um desses modelos é a terceirização, aprovada pelas economias maduras, nas quais os trabalhadores são alocados de acordo com as necessidades da empresa. A divisão do trabalho reduz custos, baixa preços, aumenta salários, em razão de lucros maiores, e distribui bem-estar. Simples.
A força do novo modelo ainda encontra barreiras no Brasil por parte de mentalidade ludista, somada ao viés ideológico, e por motivação econômica, caso de sindicatos de trabalhadores mais fortes, que pretendem incorporar os terceirizados para engordar seu caixa e aumentar seu poder de barganha.
Esses sindicatos buscam poder e querem colar nos terceirizados o carimbo de “segunda classe”, como se não fossem essas pessoas também trabalhadoras, com salários dignos, todas as obrigações trabalhistas respeitadas conforme a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e um futuro pela frente. Na verdade, são vítimas daqueles que deveriam defender todos os trabalhadores, independentemente do modelo econômico escolhido. As centrais aproveitaram a campanha contra a terceirização para implantar no Brasil o sindicalismo selvagem.
Nossos sindicatos representam quase 13 milhões de trabalhadores terceirizados. Às vezes conseguimos mais vantagens e benefícios para nossos trabalhadores do que muitos dos que se abrigam sob as grandes centrais.
Não é o nosso caso. Queremos apenas que nosso trabalho seja legalizado no País. Merecemos. Se não bastassem os “colegas” que buscam a primazia da representação sindical no País, nosso setor enfrenta a forte oposição da Justiça do Trabalho, que insiste em manter os trabalhadores terceirizados nos andares de baixo da economia. A divisão entre atividade-meio e atividade fim não existe nos países mais avançados, mas essa questão é um divisor para a Justiça trabalhista brasileira e para o Ministério Público do Trabalho.
Sobre esse tipo de Justiça e suas intervenções nas relações trabalhistas, basta citar alguns números do Conselho Nacional de Justiça: em 2014, foram ajuizadas 3.859.821 ações na Justiça do Trabalho. Nos Estados Unidos, o total atingiu 100 mil. No Japão, 3 mil ações.
Estariam errados todos os países ricos e socialmente desenvolvidos? E certos seriam o Brasil e outros emergentes que tentam impedir a evolução da economia?
Os leitores devem refletir sobre a campanha contra a terceirização. Não estariam reinventando o ludismo? Só que, em vez de máquinas, esses novos “operários” querem quebrar ideias de uma vida melhor.
(*) Genival Beserra Leite é Presidente do Sindicato dos Empregados em Empresas de Prestação de Serviços a Terceiros (SINDEEPRES).
Fonte: O Estado de São Paulo, por Genival Beserra Leite (*), 03.01.2017
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